segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Última Lição

(EFE/DIVULGAÇÃO)


Façamos o contrário. Geralmente, nas linhas abandonadas desta página, buscamos referências na vida comum para encontrarmos relações com o esporte, o futebol. Pelo apelo do ineditismo, nos parágrafo a seguir, estará o oposto: um exemplo dos gramados pode perfeitamente resumir as esperanças e, até previsões, para o ano que começa nas próximas horas. Uma forma nada nova de compreender o mundo, mas que conquistou continentes no começo do ensolarado mês que fechou o ano de 2012.

Um time sem faces independentes, sem uma imagem cristalizada. Essa era a imagem que o Corinthians campeão nacional de 2011 passava para mim. Um time que superou as adversidades, é verdade. Mas sem graça. Um time abandonado por Ronaldo, seu ídolo maior dos últimos anos, e no qual o discurso da redenção de um Imperador de esvaiu. Enfim, maIs um campeão brasileiro sem graça, sem identidade. A cara parda do time corintiano só era iluminada pela sua torcida. De fato, um instante de brilho não me saiu da cabeça. Mão erguidas, em homenagem à despedida do personagem que causa mais perplexidade na história do clube. Punhos levantados em luto por Sócrates. E aquilo queria dizer muito mais do que uma emocionante despedida.

O que se punha ali, naquela tarde no Pacaembu, seria a realidade do ano que está acabando e é a esperança para o que ainda está guardado. O etéreo do gesto da massa foi o que levou o time de Tite ao topo da América. Calou os adversários, alcançou o sonho maior de sua torcida. A mesma que acendeu a fagulha na rodada final do Campeonato Brasileiro seria presenteada com o troféu da Libertadores. Um time sem ícones, sem uma estampa fixa. Uma equipe com a força da multidão.

O título do Mundial estava próximo. Apesar do eurocentrismo. Apesar da negligência nossa. Conduziu o Brasileirão de 2012 com leveza, não correndo riscos em hora alguma. Enfrentando os melhores times daqui com a seriedade de sempre, com a concentração que a mobilização de milhões demanda. O mais incrível é que a maneira de jogar desses meros representantes em campo, parte considerável, claro, mas com importância não superior aos milhões de torcedores do escudo do Parque São Jorge no Brasil, alcançou o vistoso. O Corinthians jogou bonito. 

Sem dribles em demasia e sem a prepotência das estrelas, o grupo que disputou e ganhou a Copa do Mundo de Clubes conseguiu seduzir os céticos, jogou bem, rápido. Tomou conta de quase todo o jogo contra o Chelsea e a fortuna de seu dono de sobrenome impronunciável. Alcançou a sublimação por meio do coletivo. Mora aí a expectativa para os avanços no ano que se inicia daqui a pouco. Na força do coletivo.

Ricardo Teixeira saiu da CBF. Quatro mil pessoas tomaram as ruas da Tijuca, de Vila Isabel e do Maracanã contra os desmandos na organização brasileira da Copa do Mundo e da Olimpíada. A maioria composta por jovens. São nuances do que ocorre agora, nas ruas e, principalmente, na consciência das pessoas por aqui. Amigos, o Corinthians tem a solução para a geração sem conquistas. A geração que lida com o discurso derrotista das gerações anteriores, amargurados que anunciam, sem cessar, o fim da utopia. 

A coletividade, apresentada pelo campeão mundial de clubes, pode ser a escada que levará a geração estigmatizada por derrotas que não são suas à uma inédita vitória. Que seja a permanência da escola Friedenreich, do Célio de Barros, do Julio de Lamare ou o veto da proposta espúria de criar um campo de golfe em meio ao abrigo de milhões espécies da fauna e flora da restinga da Barra da Tijuca. Se ao menos uma dessas façanhas for alcançadas, tenha certeza, será devido ao ensinamento do time capitaneado pelo lateral Alessandro. A última lição de 2012 é a coletividade; o Corinthians mostrou o poder que ela tem.

                                                                                        
Por Helcio Herbert Neto.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Feliz Natal


A Oxford Street atravessa a Regent como uma veia bombeando sangue para o coração. É o coração dessa cidade, e, se o mundo tem um único coração, aí está também. Pessoas de todos os cantos do planeta a perder de vista em movimentos constantes, contrários, confusos, mas sempre cordiais. O dia, que já não é tão dia, perde força e se entrega ao sonho de Natal.

O som é estranho; um vácuo eterno acompanhado pelo estalar dos sinos. As lojas crescem uma por cima das outras ao longo de quadras e mais quadras, escancarando suas promoções de forma quase erótica nas vitrines. De repente, as gigantes do consumo esbarram num beco ou outro no meio do caminho, onde os refugiados tomam café e paz.

A ducha de garoa vesperina é suficiente para salpicar o asfalto lúgubre de gotículas mínimas e fundamentais. São elas que, juntas, desenham no chão o espelho por onde se lê uma história néon: o reflexo verde do sinal, o azul do outdoor, e o rastro dourado que persegue uma fada por cima de um desses ônibus vermelhos de dois andares. Na janela, uma criança asiática chora copiosamente observando a solidão do artista que sopra "Merry Christmas" numa gaita mais enferrujada que as escassas moedas dentro do chapéu encharcado.

Aos poucos, todos vão terminando seus afazeres e rumando apressados e carregados de sacolas para suas casas. As últimas lojas são fechadas, as chaves são passadas e, num piscar de olhos, a cidade está nua em pelo. Sem encontrar resistência física pelo caminho sinuoso, o vento gelado se esbalda e uiva para a tímida lua de Londres. As luzes começam a se acender dentro das casas - abajures, velas, lareiras, não dá para saber -, onde todos explodem em satisfação. Aqui, eles levam isso tudo muito a "sério", e serão três dias seguidos entrincheirados nos lares, esparramados no conforto das salas, derrubando garrafas e mais garrafas de vinho sem pensar em absolutamente nada que não seja amar essas outras pessoas com quem dividem o belo peru no centro da mesa de jantar.

Do outro lado do oceano, à sua maneira, amigos se juntam às famílias, e minha família se junta a si mesma. Nem trabalho, nem futebol, nem futuro são dignos de algum destaque. Apenas o brinde pelo brinde, pelos anos que encobrem anos, borrando memórias tristes e cristalizando os prazeres da vida. O apelo comercial muitas vezes acaba minando o real sentido das coisas, mas quando você está tão longe e praticamente sozinho, presenciando cada minuto da fantasia real dessas pessoas que ainda amam a rainha, você é capaz de entender o Natal e de desejar as mais sinceras felicidades que nunca desejou na vida para todos aqueles que ama.



Por Beto Passeri.











domingo, 9 de dezembro de 2012

Álcool gel

 (Divulgação)


Percorre com os olhos o corpo cansado que acabou de chegar da rua. Rua em brasa, como deve ser nos dias cariocas de praia. O trabalho havia sido pesado, dia duro e o suor contínuo. Não cumprimentaria alguém naquele estado se estivesse fora do trabalho. Nunca. Contudo, estava dentro do prédio da empresa. E ele era o repórter que punha as letras no jornal, peça da máquina que conduz as contas do grupo às marcas gigantescas que os extratos mostram. Tinha que cumprimentar. Por mais que ele não fosse ninguém. 

Hesitante, apertou a mão. Em um movimento bem rápido, os olhos também se esquivaram daquilo que se punha a sua frente. Apressou o papo, e se despediu. Enquanto ele caminhava até o elevador, o diretor deu de costas, com olhar enviesado, caminhou até a parede. As portas do elevador já se fechavam quando aquele nada que ainda iria escrever tudo que havia apurado no dia viu o chefe máximo, em momento de iluminada limpeza, passando àlcool gel nas mãos.

Agora, tudo tinha ficado mais claro. O porquê de a TV não noticiar as pedras sob os viadutos da cidade, que usam o mesmo princípio do arame farpado, e tentam remover acúmulo de gente pelo desconforto que não deixa o gado fugir. A razão da euforia no dia da inaguração dos camarotes do Maracanã, construídos em detrimento do fim da presença da população menos favorecida. A origem da forma despudorada com que os mandatários tratam a educação e as carroças mecânicas que eles chamam de transporte público. Tudo ficou fácil quando o fio de álcool feriu a mão do homem que coordena o jornalismo no famoso conglomerado midiático.

Muita gente vê no tubo em alta definição que ocupa o centro das salas a verdade pura. Muita mesmo. Mas que verdade uma pessoa assim é capaz de transmitir? A verdade para ele é limpeza, higiene. aparências. É a cidade da Olimpíada feita para os outros que eles vendem. Antes de vender, eles compram, assimilam como certo. Eles são isso e vão oferecer isso. A casta que chama a rua do Leblon que leva o nome do libertador San Matin de "San Martã", que acabou de desembarcar de Paris e já está pronto para voltar, essa gente não vão sentir falta do sorriso banguela da geral, não vão se comover com a dor dos estudantes da escola da Friedenreich, não vão se questionar quando mais um comunidade for removida.

Vão comemorar a nova arena climatizada da Barra, a nova estrada moderna e privatizada ou a nova sede de qualquer multinacional conseguida com isenção fiscal. Até vão noticiar se o povo conseguir alguma vitória, se o Maracanã não for privatizado ou se as manifestações tomarem um volume incapaz de ser ignorado. Mas o fardo será grande. O suor, flagrante. Sem problemas; vai ser só burrifar o àlcool gel nas mãos e voltar para a mesmice indiferente das notícias da orla.

                                                                                      
Por Helcio Herbert Neto.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Àquela tarde na Cinelândia

(Divulgação/Carlos Magno)

Recorro as solitárias linhas deste blog para contar o que eu vi na tarde desta segunda-feira. Criaram um feriado, uma festa, para reivindicar a participação no lucro do petróleo, que virou a Arca de Noé do governo Lula/Dilma após a descoberta do tesouro do Pré-Sal. Não satisfeitos em cravarem a navalha na carne do Maracanã, Cabral, Paes e o bloco dos contentes se tornaram líderes manifestantes (vejam vocês...) do protesto "Veta, Dilma", que maculou a arena de democrática da cidade com um movimento pelego, esvaziado e sem alma. Eles só não contavam que ainda existe vida nas antigas terras abençoadas por São Sebastião, de Garrinchas e Joões Cândidos.

Ainda sobre a manifestação que teve como algumas das atrações o glorioso conjunto de pagode Molejo, os dançarinos do Hawainos, além de escolas de samba e Xuxa. A Furacão 2000 também. É verdade que Fernanda Montenegro esteve lá, bem como Alcione e uma bela versão do hino nacional, espasmos de importância em uma tarde em que até a chuva não teve altivez para cair com personalidade. A contagem oficial marcou 200 mil pessoas. Real? O mais simbólico de tudo que envolveu a produção é a escolha do nome. Mais uma vez, uma estratégia brilhante de publicidade esvaziou um movimento suntuosa da iniciativa civil, o remontou e o entregou ao público em uma bandeja de prata, como se ali existisse uma joia singular e legítima.

Durante o decorrer político do Código Florestal, circulou na internet uma ação pública que pedia a revisão daquele atentado às preciosidades naturais brasileiras. E a luta conseguiu algum êxito, Dilma foi colocada nos coletes do desconforto e realizou algumas poucas alterações. E eis que a corte política que impõe ordem nos Mares de Morros do Estado do Rio utiliza o mesmo nome, a mesma marca e ainda pede, repetidamente, durante a apresentação no palco da Cinelândia, que as pessoas se manifestem nas redes sociais. Mordaça política, manobra publicitária. Chame como quiser.

Entretanto, nem assim foi possível silenciar a massa descontente do país, mais especificamente, no Maravilhoso Cenário para um Cidade. Estudantes levaram cartazes que lapidam a palavra "Injustiça", tão empurrada pelos nossos ouvidos todos os dias durante esse período de campanha. Realmente, o projeto de Lei atropela da Constituição Cidadã em alguns pontos, como o trecho que exige a remissão financeira para os estados produtores de riquezas. Amigos, há atitude mais cidadã do que dividir os lucros, inibir a macrocefalia que canaliza os fluxos migratórios nacionais para o eixo Centro-Sul? Talvez se fosse aprovada a obrigatoriedade da utilização dos royalties para a educação, o ato alcançasse o ápice de cidadania.

Uma comuna, sim, das mais belas e tradicionais, foi formada na Rio Branco, na altura do Largo da Carioca. Estava lá, não vi bandeira de partido político nesse instante. Uma barreira humana, que trazia a comunhão de índios da Aldeia Maracanã, estudantes e pessoas com a máscara do incrível personagem "V", símbolo dos Anonymous.  E foram fortes, destemidos. Com o trio elétrico se aproximando, eles permaneceram. O choque lógico se formou, empurrões entre os que se sentem contemplados pelo governo e pelo o que constatam o esquecimento."Esse governo não me representa", ouvi, enquanto empurrões, tapas e agressões podiam ser vistas.

Com a passagem da comitiva, a diluição do cordão era certa. Ou não. O barulho continuou, irritou. Já estávamos na frente do Theatro Municipal. Alcione se apresentava, carros de políticos do interior utilizavam o instante de projeção que aquele circo oferecia. O hino teve fim, Paes pedia para as bandeiras serem abaixadas, tanto por trazerem sorrisos aproveitadores quanto por deixarem feias as fotos das capas dos matutinos do dia seguinte. "Temos que enaltecer esse momento, um dia de movimentos pacíficos que as pessoas pediram Justiça", disse o mestre de cerimônias. Estava na esquina entre a Avenida Rio Branco e a Rua Araújo Porto Alegre. Senti um cheiro seco, atmosfera pesada. Incompetência minha assumo. Vi pessoas tapando o rosto.

Era o último golpe daquele dia 26 de novembro, a irremediável eutanásia no grupo de manisfestantes. Cerca de cem pessoas foram tratadas com as regalias dos subversivos: spray de pimenta. Os olhos secam, o sistema respiratório é concretado. Tudo estava pronto para as apresentações popularescas tomarem a Cinelândia. Na antiga arena de idéias agora ecoava um som qualquer, de pouca identidade. Com assento mesmo, portando a dignidade dos arcaísmos. Caiu a noite. Mas os descontentes são muitos, não vão se calar assim. Nem mesmo aumentando o som dos auto-falantes.

                                                                                                                 
por Helcio Herbert Neto.                        

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Cada dia mais difícil



Uma expressão/apelo que ouvimos com frequência nas salas de aula e irrestritamente nas dinâmicas de RH é "fazer diferente". Se você conseguir fazer diferente e ainda ser "proativo" ao mesmo tempo, praticamente garante seu futuro. Aliás, certa vez, em uma dessas entrevistas que você vai meio obrigado, eu estava num transe entre a demência e o sono quando ouvi a psicóloga (cof) dizer os pré-requesitos para a vaga, e, obviamente, eram os que já mencionei. Acordei e me pus seriamente a pensar em como um vendedor de loja e - tem mais - um estoquista poderiam fazer diferente e ser proativos no seu dia a dia. Segundo a mulher que estudou quatro anos de Freud-Jung-Lacan, a proatividade é "antecipar os problemas, reagir as ações antes que elas aconteçam", ao passo que fazer diferente é "mudar o rumo das coisas, chocar". Ali, naquela entrevista na Cinelândia, entendi que eles talvez precisassem da Mãe Diná vendendo camisas e de um estoquista subindo e descendo caixas totalmente nu, ereto de preferência. Achei aquilo tudo meio esquisito e dei o fora.

Gracinhas à parte, essa coisa de fazer diferente me incomoda bastante desde que me entendo por gente. Não sei se é uma especificidade da minha personalidade ou um desconforto geral, mas nunca tive a menor paciência para iniciar um aprendizado da estaca zero. É óbvio que fui alfabetizado, aprendi a cagar e a me limpar sozinho, dentre outras coisas, porém a maioria delas necessidades básicas. Na segunda aula de violão sem conseguir tocar uma música inteira, larguei aquilo de mão. Com flauta, gaita, surfe, skate, arco e flecha e muitas outras atividades foi exatamente igual. Mais do que o fato de não conseguir realizar minimamente aquilo, o que me angustia até hoje é "quanto vai demorar e quanto vou ter que me esforçar para eu ser o melhor nisso?". Não digo ser o Jimmy Page ou o Kelly Slater, claro, mas pelo menos ser incrivelmente bom. Pode soar obsessivo, e talvez seja, mas a mediocridade me apavora, e para tocar, praticar ou jogar mal, a não ser que seja muitíssimo prazeroso, não vale a pena.

Não se trata de um excesso de competitividade - até porque minha preguiça para divididas é maior -, eu só sustento a teoria de que somos pressionados e recalcados por tudo que veio antes, o que nos torna subdesenvolvidos, atrofiados, às vezes até natimortos. Além do conteúdo produzido até hoje ser incomensurável, vivemos a época que tudo está disponível o tempo todo; pegamos gosto por alguma coisa, vamos nos aprofundando naquilo, descobrimos referências, e elas jamais findam, seja no rock, na poesia, na pintura e até no futebol.

Um menino de Liverpool que pega uma guitarra com interesse pela primeira vez, um dia saberá dos Beatles e dos outros tantos, e é provável que seja esmagado por eles. A reação natural é dizer "Que isso! Ele vai ver que pode chegar lá também e isso será uma motição" ou "Nada! Vai pegar essas referências e absorvê-las". Pode ser, mas Messi é o maior artilheiro da história do Barcelona, três vezes melhor do mundo, um gênio incontestável e segue sendo comparado a Maradona e, logo, a Pelé. Mesmo em seu íntimo, quando deita a cabeça no travesseiro, Messi, como já admitiu, deve pensar em como Ronaldinho fazia aquelas mágicas. Neymar é Neymar, mas pensa em Messi, em ser Messi; melhor que Messi. E os que nunca chegam? Para os deuses já é doloroso, imagine para os mortais. Em quatro épocas diferentes da minha vida eu comecei a escrever um livro, e em nenhuma delas passei da página 25. Na 26ª, ou algo muito próximo disso, eu reli, lembrei dos meus autores-referência, senti desgoto pelo meu texto e chorei. Talvez eu me cobre muito ou talvez o mundo simplesmente esteja  ficando cada vez mais difícil de tão saturado. Vai saber.


Por Beto Passeri.



segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Brinde à seco


(Divulgação/Fluminense)

Domingo à noite e nada mais a fazer. Os quatro se sentam ao bar para elocubrar qualquer coisa inútil, rir de meia-dúzia de personagens antigos do bairro, e, é lógico, beber. A conversa caminhava em velocidade lenta, fatos e histórias passavam como em um carrossel naquela noite quente de domingo, até que o exercício de memória chegou ao ponto crítico, doloroso. O assunto agora era o amor. Um se fez de frio, outro de romântico satirizado, o terceiro assumiu seus casos com a amargura típica, e o último já tinha tomado cerveja demais para assumir qualquer posição. Todos cômodos, escondidos em seus figurinos. Até que uma pergunta trouxe um desconforto inédito ainda naquela movimentada esquina da praça.

Qual foi o último beijo sóbrio que você deu? Silêncio. Coçadas na cabeça, ajeitadas na cadeira. Parece que o tema já havia sido abordado em outro momento, dois ali estavam pouco menos desconcertados em consultar suas memórias. Só um pouco. O exercício era doloroso. O último cinema, um passeio pela tarde... um encontro no boteco. Mas o beijo foi antes de começar a beber. Vale? Fazia tempo, para alguns ali, uma vida, que o romance tinha encravado em si o cheiro de fim de noite na Lapa. 

Assumimos uma rotina, seja nos dias de semana, seja na higiene pessoal, que enquadra a vida em um polígono de arestas de navalha. Inerte, estanque. Fugimos do abismo que é tentar o diferente, romper o "de sempre", optamos pelo confortável. O assustador é perceber que as doutrinas do dia-a-dia invadiram até o amor. Desenvolvemos obrigações, estágios e passos e morremos abraçados a eles. Beber antes de sair à noite, rezar antes de dormir, reeleger políticos medíocres. Tudo por medo do novo, por fobia ao ineditismo.

Com a audácia dos dois confidentes do bar, eu pergunto à vocês: qual o último time que ousou? Quando seu time transgrediu o convencional, em âmbito técnico, tático ou emocional? O santista pode dizer que seu time, em 2010, buscou isso. E é verdade, mas por poucos meses. Quase é possível contar os dias dessa façanha nas mãos. Antes, talvez o Cruzeiro, no começo do milênio. E só.

Não falo aqui dos já sacrificados volantes, da falta de audácia dos laterais, da ausência do já mitificado "Meia Clássico". A questão é mais profunda. Não há atração pelo heterodoxo, pelo pouco comum, pelo excêntrico. O medo das críticas, o cotidiano, os filhos à criar. Tudo prega os audazes no chão. Nada contra o Fluminense, cheio de méritos, inquestionável. No entanto, é inegável que hoje tivemos mais um campeão engessado, inerte, bem-comportado e chato.

O bar esvaziou, o sorriso surdo das belas meninas da região agora não pode mais ser visto. A madrugada abre os braços para os quatros amigos que,bêbados, tentam esquecer o duro questionamento. No fim de tudo, a cama e a consciência. A inquietude do dia seguinte também, será ela a responsável por mudar aquele sentimento de náusea iniciado em uma despretensiosa conversa de bar. Talvez no fim de semana seguinte, dediquem um brinde aos que têm a altivez de acordar dispostos a fazer diferente. Dessa vez, um brinde à seco.

                                                                                  
Por Helcio Herbert Neto. 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A Confissão ou Chico das ruas

(Internacional/Divulgação) A decisão certa de Francisco resultou na sua ausência na próxima rodada do Campeonato Brasileiro.


Francisco Carlos Nascimento, juiz da partida do Inter contra o Palmeiras, no último fim de semana, acertou, algo raríssimo nos últimos anos do futebol. A presença de um sem-número de câmeras somada aos interpretativos e poucos conclusivos regulamentos do esporte que chuta a bola emitiu um atestado de incompetência para todos os juízes. E o Chico rasgou-o documento, fez o certo. Como? 

Tudo indica que com a ajuda da tecnologia. O delegado Gérson Baluta parece ter se utilizado da informação  obtida com repórteres à beira do campo. Se utilizou dos instrumentos que a humanidade (em sua errônea e longa caminhada...) conseguiu desenvolver para ajudar a decisão de um solitário, bem-alimentado e aflito colega entregue ao som de urros de mais de duas dezenas de machos famintos. Fez o certo. Pena que contrariou a idônea e inquestionável FIFA.

Uma entidade que, além de toda a corrupção, da qual não falaremos aqui ("esquecimento" raro neste empoeirado e mal-criado blog), ainda é omissa e inerte. Que abaixa o queixo para não ver como as novas tecnologias ajudariam o futebol. Obsoleta como uma foto de lambe-lambe. O que o bravo Chico fez foi, acima de tudo, um ato de honestidade. Honestidade cristalina, subversiva e natural.

(Prefeitura/Divulgação) O trabalho de um chico custou-lhe um prejuízo inestimável.

Francisco teve a sensação dos ambulantes e camelôs. Não possuem aval das autoridades, mas têm o choro do bebê em casa, uma família para cuidar. Muitos roubam, erram sabendo. Chico não. Se os poderosos afrouxam, neste exato instante, o cinto da calça após o lanche da tarde, é hora de atacar, de manter-se vivo, até que eles se sintam incomodados com o cheiro de quem não lhes oferece o sangue em subserviência. Pode parecer uma visão idealizada, e realmente é. O que seria de nós sem nossos santuários.

O resultado de sua altivez: está fora da escala de árbitros nos jogos da Série A na próxima rodada do Brasileirão. Culpado sem provas. E se houvesse confissão, nada haveria a perdoar. Chico fez o que seus homônimos fazem todos os dias nas ruas. Eles não compactuam com o erro que vem de cima. Tentam, com os ombros, fazer o melhor possível. Com a atitude tomada no instante crucial do gol de Barcos, a comitiva de arbitragem ali presente arrombou uma porta, deu início à uma combustão que demoraria décadas para ser iniciada. A privação de agora pode representar, em um futuro próximo, o nascimento de uma nova burocracia do futebol, sem descomposturas, sem pactos escusos e com o auxílio das mais avançadas tecnologias. Morre nasce trigo. Vive e morre pão. 

Por Helcio Herbert Neto.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Release me, Brasil



O calor nefasto acobertado pelo trágico horário de verão só reforçava a minha total dessintonia com a cidade àquela altura. Eu já abandonara qualquer forma de cumplicidade com o Rio havia meses, e agora eu me tornara praticamente um sociopata. Dali a 40 dias eu estaria pisando no glamouroso Velho Continente, Reino Unido, Londres, e isso nem de longe me tornava arrogante, mas me distanciava inevitavelmente de tudo. Em pouco mais de um mês eu ainda precisaria entregar resenhas na faculdade, garantir uma nota, fazer a prova de diplomação espanhola, pedir demissão do trabalho, economizar mais grana, confessar minha paixão platônica a duas colegas e me considerar escritor suficiente para encarar o que está por vir. Eu não faço a menor ideia do que está por vir e estou excitantemente apavorado - posso voltar apenas com meia dúzia de fotos e escritos soltos, morrer bêbado e congelado na Piccadilly Circus ou me tornar barman do Ministry of Sound e receber meus amigos com uísque escocês duas vezes por ano na lareira da minha casa pelo resto da vida.

Eu assistia a um quase decisivo Flamengo e Atlético Mineiro e não conseguia prestar a mínima atenção nos lances da partida. Há algum tempo eu ando numa relação de desencantamento com o futebol, tal qual uma criança no seu primeiro Natal após saber da inexistência do Velho Noel, ou outra dessas coisas que nos são arrancadas de forma quase brutal. Eu cheguei ao meu limite de tolerância com a brasilidade e, mais especificamente, com a carioquicidade, e ambas estavam representadas ali, no campo e em volta dele, o tempo inteiro, ajudando a esculpir nossa pífia identidade nacional. Eu já me vejo arrumando a mala.

O futebol é essa torre de marfim do imaginário coletivo? É o símbolo de conquista de uma democracia racial e, ao mesmo tempo, possibilidade de ascensão social? Ou é tão segregador e desigual como tudo que ocorre neste país do “vamos que vamos”? É remédio universal e veneno de si mesmo, sob a narrativa da “molecagem”, da “malandragem”, que perpetua essa caracterização abominável do brasileiro, do carioca. Flamengo e Atlético passaram 50% do tempo sem jogar bola, apenas batendo papo com o árbitro da partida. Bernard quis uma mão inexistente dentro da área no “esquema”, tal qual um flanelinha pedindo gorjeta descabida na Cinelândia. Vágner Love passou o jogo inteiro sem pegar na redonda, mas “desenrolou” um cartão amarelo para o defensor do Galo. Ronaldinho se atirou num teatro muito mal encenado na meia-lua, e o árbitro foi na dele, pois não é profissionalizado, não recebe o treinamento necessário e trabalha sempre no “mais ou menos”. E eu estava torcendo minimamente para o Flamengo, que corre risco de rebaixamento, quando vi Paulo Sérgio no banco - jogador de nível técnico duvidosíssimo, sumido desde abril e que de um dia para outro ressurgiu das cinzas ou, muito mais provável, das mãos de um empresário com “treta” na Gávea.

É insuportável falar disso justamente por achar que uma das causas para tanto fracasso social em todos os aspectos é esse “complexo de vira-lata”. Mas o fato é que, a 40 dias de uma cerveja num pub, estou nauseado de ainda estar aqui, andando no metrô superfaturado, ruim, onde as pessoas se acotovelam umas as outras e se pisoteiam em busca de um lugar, para no minuto seguinte se entreolharem com um risinho de canto de boca – “oh, que divertida a nossa vida de safari”.

Eu não aguento mais viver sob o ideário de uma “Cidade Maravilhosa”, como se uma foto noturna do Cristo Redentor justificasse um dos custos de vida mais caros do mundo. Como se a imagem icônica do Pão de Açúcar limpasse as ruas lotadas de mendigos e o cheiro de mijo por cada esquina, e os cidadãos passando na tangente, dando esmola motivados por uma certa culpa cristã, mas com nojo de tocar a mão do indigente. Como se o fato de falar mermo, ixqueiro e ser descolado “uhul” redimisse a responsabilidade por absolutamente nenhum serviço funcionar como deveria. Migué; tudo se construiu sobre o apego pelo migué irrestrito, em qualquer instância. Como a imagem metonímica que vejo agora de Ronaldinho com a mão na cintura, rindo e pedindo mais uma falta inexistente. E a lembrança da existência das cúpulas de futebol, das federações inescrupulosas, da CBF e de uma Copa do Mundo que está por vir, abafada pelas manchetes do Mensalão.

Eu só preciso do BA 4208 ligando as turbinas numa pista qualquer do Galeão Antônio Carlos Jobim, pronto para me levar longe da Bossa Nova, que não tem muita culpa, e de todo o resto. Os meus ouvidos entupidos pela pressão, felizes por não escutarem o que a senhora de cabelos grisalhos da poltrona ao lado - que está indo passar as festas de fim de ano com a filha recém-casada – tem a dizer ao marido barrigudo, duas poltronas a minha direita. Eu quero rock. Release me, Brasil.


Por Beto Passeri.        





quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Mais Kloses no futebol, e na vida.



(Foto: Renan Olaz/Futura Press/Agência Estado)

Uma sociedade desonesta, onde a maioria sempre tenta passar por cima do próximo em benefício próprio. Na política, honestidade é palavra rara, sujeira e corrupção reinam em terras tupiniquins. Em todos setores da pátria amada é assim. E no esporte que é paixão nacional não é diferente.

Esta última semana de futebol foi uma vergonha. No último domingo, Hernán Barcos, do Palmeiras, fez um gol à la Maradona na Copa do Mundo de 1986: com a mão. O juiz Francisco Carlos Nascimento caiu na do argentino e validou o gol, mas logo em seguida, ainda não se sabe se por interferência externa ou não, marcou toque de mão de Barcos. Sem entrar na polêmica da tecnologia no futebol, e sim na tentativa de iludir o árbitro por parte dos jogadores, não só do argentino, mas da maioria, seja cavando faltas, colocando a mão na bola, o fato é que isso virou rotina, principalmente no futebol brasileiro. Nessa quarta-feira, Lúcio Flávio, do Paraná repetiu a atitude do atacante palmeirense. O gol do time do Paraná foi validado, por sorte não influenciou no resultado: derrota para o ABC em casa.

Ouvi argumentos de que enganar o árbitro é um artifício válido que os jogadores têm durante uma partida. Espero que essa não seja a opinião da maioria. Concordar com isso, é aceitar a enganação em todos os meios da sociedade, não só no esporte, não vejo diferença. Mas se bem que o povo brasileiro, em sua maioria, já vem aceitando ser enganado há muito tempo.

Atitudes como a de Miroslav klose, atacante alemão, que avisou ao juiz que havia marcado um gol irregular quando o jogo ainda estava 0 x 0, devem virar rotina. Barcos disse que se fizesse isso, a torcida do Palmeiras o mataria e ainda tentou justificar dizendo que só fez o gol com a mão por ter sofrido falta no lance.

O que acontecesse no futebol, é um reflexo do que acontece na vida de todos os brasileiros. Enquanto tivermos políticos que enganam a sociedade, cidadãos que se se acomodam com a desonestidade dos que governam e pessoas comuns que tentam se dar bem às custas do próximo, teremos as mesmas atitudes dentro das quatro linhas, e notícias como a de Klose, ou de um simples morador de rua que devolveu vinte mil reais, mesmo sem ter o que comer, serão cada vez mais raras.


Por Felipe Exaltação







domingo, 28 de outubro de 2012

O que aprendi jogando Winning Eleven



Já passava das cinco, mas o horário de verão forçava um sol incômodo por entre a cortina desbotada da sala. Beto, o irmão mais novo, e Bruno, o mais velho, apertavam os olhos para conseguir enxergar a tela da TV minada pelo reflexo. Era janeiro de 2000, o mundo não tinha acabado como alguns anunciaram, e fazia um calor infernal naquela terça-feira pachorrenta de férias escolares no subúrbio do Rio.

O ventilador velho encontrava forças para fazer ecoar um tac-tac irritante no ambiente graças à concentração muda no Brasil e Argentina virtual. Beto, oito anos a menos nas costas, fora autorizado a jogar com a simpática seleção canarinho; Bruno escolhera a Argentina porque, naquela época, não sobravam muitas opções. Gabriel Batistuta havia anotado o único gol da partida. Sabiam se tratar de Batistuta por causa da camisa 9, do cabelo comprido e do chute forte, pois o jogo era todo em japonês e decifrável somente por tentativa e erro. Era Winning Eleven 4, para Playstation 1, ambos adquiridos muito a contragosto por Beto um mês antes, em seu aniversário de 8 anos. O caçula, acostumado a jogar Nintendo 64 na casa dos amigos, queria um videogame igual. Bruno, mais velho e mais esperto, insistiu que a plataforma da Sony com sua tecnologia de CDs era mais avançada e mais divertida.

No ano seguinte, já absolutamente viciados, podiam desfrutar do jogo totalmente em português e com times brasileiros graças ao fenômeno da pirataria. Os camelôs ofereciam dezenas de mutações do jogo original, mas raramente alguma prestava, então escolhiam três ou quatro capas ao acaso e rezavam para ter acertado em alguma. Não exigiam muito, só precisavam de um Flamengo e Vasco digno (ambos eram rubro-negros, mas Bruno também cedia neste ponto). Era Flamengo, isento dos problemas internos da época, de Júlio César, Gamarra, Juan, Petkovic, Adriano e Edílson contra o Vasco de Júnior Baiano, Felipe, Juninhos – Pernambucano e Paulista -, Pedrinho, Viola e Romário.

Beto era uma espécie de fenômeno precoce, tinha uma habilidade assustadora com os controles do jogo, mas pecava na indisciplina tática e na falta de preparo psicológico - sim, era preciso. Bruno apreciava uma retranca, um futebol frequentemente menos vistoso, mas indiscutivelmente eficiente. E qualquer 1 a 0 era suficiente para fazer surgir as marchinhas de carnaval adaptadas e danças desengonçadas ao fim da partida. O caçula tinha o sangue nos olhos, mas engolia aquilo e esperava pela forra. Nunca desligou o videogame de súbito ou se recusou a jogar; de uma forma ou de outra, aprendeu que a culpa pelo fracasso era somente sua, ainda que resmungasse contra o árbitro virtual ou qualquer outra coisa sem cabimento. Arrastava os pés para o beliche de cima, e deitava com os olhos fixos a meio metro do teto, refazendo os lances na cabeça, ávido pela chance de se recuperar no dia seguinte.

Naquela época, a semana se resumia ao ensino fundamental, que tirava de letra, aos desenhos animados e, acima de tudo, ao Winning Eleven. Quando saltava da van, na esquina de casa, já podia sentir o cheiro de competição – o videogame já estaria ligado o aguardando. Apesar de quase obsessivos, os dois nunca brigaram, muito pelo contrário. A diferença de idade impunha um respeito enorme – admiração pelo lado mais forte, zelo pelo lado mais fraco. E, com música que criança não ouve, Bruno ia moldando o irmão mais novo, tomando cuidado para nele não respingar suas angústias. Era uma osmose cultural, ou uma espécie de artesanato de valores pessoais.

Beto saiu da infância, e com o Playsation 2 e um Winning Eleven drasticamente melhor, trouxe consigo dos EUA a vontade de entender absolutamente tudo. O irmão o esperava, também mais maduro, disposto a instalar o novo tesão na sala e a lhe contar o que sabia sobre o mundo. A distância entre eles já não era tão abissal, e a busca por respostas, o florescimento da sexualidade e a descoberta da escrita por parte do irmão mais novo, de um modo engraçado, casava com a busca irrestrita pelos prazeres da juventude de um jovem aflito, recém ingressado na faculdade de Jornalismo.

Chegavam a jogar dois ou três campeonatos de quatro horas de duração num dia. Beto não mais torcia o nariz quando Bruno se lembrava de um bom jogo na TV e interrompia o vício – o caçula aprendera a gostar e até já entendia bem do futebol real. Varavam noites, extasiados, e ouviam os socos na parede desferidos pela irmã do meio que não conseguia dormir. Certa vez, lá pelas quatro da manhã, Nero, o até então desconhecido vizinho do andar debaixo, esmurrou a porta e prometeu chamar a polícia caso a gritaria não cessasse. Entreolharam-se, complacentes, mas dali a pouco a bola cruzou rasante a área de um dos dois e "UUUUUUUUH!!". Era involuntário.

De sono pesado, a mãe só tomava conhecimento do “circo”, como costumava dizer, no café da manhã, totalmente estarrecida. Os dois riam, não tinham mais o que fazer, e apontavam disfarçadamente com o queixo na direção da sala, gesto sutil para “uma partidinha” antes da chatice do dia a dia.

Cada vez era mais raro que Bruno passasse os fins de semana em casa, e não era estranho que escapasse algumas terças e quintas também. Beto até conseguia compreender, mas se contorcia por dentro. Desmilinguido na cama, não sabia se queria que chegasse a hora de sua vida boêmia também, ou simplesmente que o irmão mais velho abdicasse àquilo tudo para jogar e ficar conversando sobre coisas alheias. Pelo caçula, agora que o videogame havia migrado para o quarto acompanhado de uma TV melhor, poderiam passar os sete dias da semana ali dentro, rindo, cantando músicas de torcida e ignorando todo o resto. A escola tornara-se chata, ainda não tinha muita sorte com as meninas que gostava, e sua paixão passou a ser ler os textos de Bruno e tentar fazer parecido, até superá-los, como já conseguia fazer com bastante frequência no futebol virtual.

Um dia, o que já se anunciava veladamente aconteceu, e o irmão mais velho, um tanto quanto afoito e apaixonado, deixou o ninho, saiu de casa. Tão vorazmente partiu que não houve muito tempo para despedidas e nem organização para exportar seu armário. Suas roupas ficaram ali, amarrotadas como sempre estiveram, esperando o dono, bem como as perguntas que Beto ainda tinha a fazer. O irmão mais novo chorou, chorou muito, e chorou tomado por uma tristeza que nunca havia conhecido, mesmo tendo lembranças da traumática separação dos pais. Sem Bruno lá, foi obrigado a escrever sozinho para preencher o vazio.

Ligou o videogame e, pela primeira vez, foi o jogador número 1. Ali, naquele menu, entendeu que Bruno, mesmo sem querer, lhe guiara novamente. Lembrou-se de todos os campeonatos jogados, de Nirvana, Pearl Jam, Caetano, Gil, João Gilberto, da paixão incondicional pelo Flamengo, de García Márquez, Cortázar, Kerouac, Bukowski, Tarantino, Kubrick, e se sentiu arrogantemente um ser superior a toda humanidade que não dividira o quarto com seu irmão. Percebeu, então, que seu último aprendizado era o maior de todos; bruto, desmedido e, por isso mesmo, não vinha acompanhado de novos conselhos. A partir dali seria Beto, sozinho, tendo que se equilibrar no desvario do dia a dia, no desatino de simplesmente estar no mundo. Claro, doses homeopáticas de Winning Eleven nas datas comemorativas o acompanhariam até que conseguisse alçar voo sozinho. E depois também.

*Hoje Bruno completa 29 anos, e esse texto é uma homenagem de seu irmão, a um mês e meio dos 21. Um parabéns de seu rival implacável e eterno irmão caçula,


por Beto Passeri.







sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Segunda, às oito

(Divulgação/Beth Santos)

Por oito vezes o ponteiro havia se movido desde a meia-noite e mais de oito eram as gotas que encharcavam a camisa social nas bases do braço. Talvez esse fosse o único incômodo maior do que a infinidade de membros que ocupavam o mesmo espaço naquele coletivo fétido e lotado. Imagens da festa de ontem oscilavam por sua visão periférica, seja nas manchetes efusivas da imprensa pelega das mãos dos poucos sentados naquele compacto de gente, seja nos fugazes cartazes e placas que poluíram a vista da cidade nos últimos meses dissipados pela janela. Pobre cidade, que vive de vistoso cenário e trata pessoas como elementos de figuração.

Além do mártir de toda manhã, estava ali um dissonante. O único descontente, excetuando a velha que reclamava da parada perdida. O desdentado, pregado no vidro que mal conseguia expandir e contrair o diafragma castigado pelo peso da estiva. O aluno que, além de mal-alimentado, ainda chegará atrasado ao colégio primário. O motorista, ou cobrador, ou o seja-lá-qual-denominação que faz tudo dentro daquele ônibus do inferno. Acredite, o representante do digníssima raça ariana do Posto Nove que tirou o carro da garagem só para percorrer aquele engarrafado quarteirão também não parecia satisfeito.

Então diga, Deus, se tu mesmo existes, se há razão palpável para toda essa gente ratificar a realidade caótica que é pão nosso de todo dia. Se houver, mande carta, e-mail, talvez, porque ele nem domina nem possui a linguagem dos telefones móveis espertos que oferecem cada vez mais canais e minguam com as já escassas significâncias. Diga e repita, porque o rito remoído de remorso de toda manhã irá continuar. E esse barulho ensurdecedor. Só a ele incomoda?

Devem ser os arcos coloridos que o objeto urbano vai receber no futuro, ou mesmo a bola que vai rolar por um antigo palco popular. Faz sentido. Ou a limpeza que joga para o subúrbio triste, para rebaixada do estado e para o oeste da Avenida os detritos humanos insignificantes. Detritos que retornam, por transporte  eficiente de carroça, todos os dias, para o centro e para o mundo encantado da brisa sulista. Mas não ficam. Pendulam no fim da labuta, às seis, e desaparecem como em um toque de descarga.

O bar virou restaurante, a bola agora é alugada em grama sintética, e o funk é charme e aparece na novela das dez. Esvaziam o significado e tudo que lhe envolve é uma maquete leve, de isopor. Tão maleável que pode ser vendida para qualquer que deixar trocado na indústria hoteleira ou prometer gerar meia-dúzia de empregos para os despejados, removidos ou excluídos. Miséria é moeda de troca por essas terras, acredite.  Idéias são descartáveis, perene é, somente, a projeção de município do futuro que é tomada por pílulas, por todos que abrem a cartela pressionado o botão vermelho do controle remoto, quantas vezes o medicado quiser.

O aceno de mudança é silenciado em primeiro turno. Estão todos satisfeitos, embora mutilados. A utopia vira moda, ridicularizada pela classe medíocre que finge viver na Europa, mas gasta as solas nas vias esburacadas do porão do América Latina. Temos dinheiro sim, mas não está conosco. Segue nos bancos dos empreiteiros ou nas empreitadas dos banqueiros, longe do alerta sonoro da parada solicitada que acaba de ser soado. E ignorado, após flagrado o atraso do relógio do condutor da máquina com rodas que carrega uma multidão parda, insossa e cheia de olheiras.

É sua vez. Já deu o dinheiro para quem sempre se dá bem, é hora de garantir o frango pálido do prato de amanhã. Para sua segurança, este ônibus possui um dispositivo que só permite o veículo andar com as portas fechadas. Tropeça e cai. Aqui fora estão todos bem, também. Farto de semideuses, resta-lhe a convicção de que, nesse programa de auditório que é a vida cortesã, somente ele é o errado.

Por Helcio Herbert Neto                                                                              

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O sindicato


Charge: Rodrigo Chinellatto
    
Não lembro bem como aconteceu, mas na última sexta-feira eu fui chamado para jogar um futebol do sindicato dos servidores da UFF, em Niterói. Campo de 11, à beira da Baía, gramado impecável, árbitro, uniforme, 45 minutos cada tempo, e tudo de graça. Não é sempre que a sorte sorri desse jeito e eu, mesmo batendo ponto às 19h no trabalho, tinha que dar um jeito de estar me aquecendo às 16h.

Compensei as horas ao longo da semana – o que não fazemos? – saí cedo e, ainda assim, o tempo me traiu. Peguei a barca das 15h20, cheguei do outro lado da Guanabara vinte e poucos minutos depois, e corri o que eu não aguentaria correr mais tarde só para estar em campo antes do apito inicial. Almejava uma vaga entre os titulares.

Avistei o campo, fui apreciando o que me tinha sido prometido, mas notei que não havia ninguém além de dois velhos mais pra lá do que pra cá sentados na linha lateral. Cumprimentei-os, e fui assistindo a chegada paquidérmica do resto do quórum. A maioria coroa, na faixa dos 50, quando não velhos, todos bem castigados pelos anos de labuta. Humildes, lançavam-me um sorrisinho sem graça de boas vindas, mas não escondiam o desconforto com a minha presença.

Uma espécie de líder se destacou dos demais, distribuindo as camisas sem titubear e apressando ferozmente os que ainda calçavam as chuteiras. Sequer olhou para mim.
- O pessoal do sindicato tem que jogar – cochichou um rapaz mais novo que recebia um dos uniformes. –Eu venho há dois anos já; espera que você entra.

A bola rolou, quer dizer, tentou rolar. Um futebol terrível foi jogado durante 45 minutos que pareceram durar quatro horas, ali, vitimado pelo vento gelado do fim de tarde; com os pés formigando de vontade, mas brochados pela constatação sóbria de que eu não deveria ter feito o sacrifício.

A tortura do banco de reservas teve fim, mas a angústia não. Jorge, o líder sisudo, efetuou algumas trocas durante o intervalo - dessa vez até chegou a me espiar por cima do ombro -, mas passou longe de cogitar a minha entrada. “Pato Rouco”, uma das lendas da pelada, e que passara o primeiro tempo inteiro pregado na linha lateral, bêbado, conversando com os suplentes, pediu para sair. Talvez eu entrasse, não tivessem os outros protestado com tanta veemência pelo ‘fico’ do Pato.
- Entra aí, é mais fácil eu voltar no meio do segundo tempo do que você – e entregou-me a camisa um tal ‘Índio’, figura que, depois fiquei sabendo, contava os gols em peladas desde os 11 anos de idade. Segundo suas contas, eram mais de dois mil e trezentos.

Achei que seria fácil parecer gênio pelo que havia observado no primeiro tempo, mas fui pego totalmente de surpresa. Na primeira vez em que entrei num campo com aquelas dimensões, simplesmente não me encontrei no tempo e no espaço. Errei todos os passes, pois a bola prendia na grama, não soube marcar nem atacar, ouvi umas três vezes um “Porra, viadinho!”, e me cansei com 25 minutos de jogo. Meu time acabou vencendo graças a dois golaços de falta de um cara talentoso e eu, no fim das contas, acabei não sendo responsabilizado pelas próprias lambanças.

Depois de uma chuveirada revigorante, já estava até aliviado pelo saldo final do futebol. Na saída do vestiário, vi Jorge carregando dois sacos lotados de uniformes. Ele ainda ia pegar um ônibus para São Gonçalo, então me dispus a ajudá-lo diante de alguma resistência.
- Você lava os uniformes em casa? – perguntei.
- Lavo, lavo um por um, à mão. À mão porque se puser na máquina descolore e desfia tudo – completou.

Diante da minha surpresa, Jorge, agora nem tão carrancudo, se antecipou.
- Meu filho, a gente joga esse futebol desde 1987. Quando o país nem era democrático, a pelada já era. Mudou tudo de lá pra cá, morreram colegas do nosso grupo, a UFF não é a mesma, a gente já não consegue correr muito, mas o futebol do sindicato não pode acabar.
- De 87 para cá vocês nunca deixaram de jogar?
- Nunca. Completamos vinte e cinco anos agora em junho. Tirando feriado, nunca perdemos uma sexta-feira. Já perdi muita mulher por causa desse futebol também – e riu, num misto de timidez e orgulho.

Quanto mais eu me surpreendia e me interessava pelas histórias, mais ele se animava a contá-las. E assim foi até o terminal de ônibus, quando ele fez sinal para um dos carros e pegou as bolsas úmidas da minha mão.
- Não diria mesmo, mas você tem jeito para pegar no pesado, ein? – e deu uma longa gargalhada, exibindo a carência de alguns dentes.

Despedi-me dele, dei as costas e sentei no primeiro bar digno daquela tarde. Lá, tentei pensar em como pedir dez minutos de adiantamento na semana seguinte. É que na próxima sexta eu preciso pegar a barca das 15h para dar tempo de pendurar as redes.



Por Beto Passeri.

sábado, 29 de setembro de 2012

A Onda e o Imperceptível


Saltam aos olhos as ondas do mar. De longe, o que se destaca é a curva que se desenha no horizonte e vai progredindo e afinando até se chocar contra o chão. É claro que a espuma, seja ela espessa de dia de ressaca ou fina de manhã de bonança, passa despercebida em meio à imensidão azul e ao volumoso som das pancadas da arrebentação. Por incapacidade da percepção humana, algo escapa, dissolve no ar, embora sólido. Inevitável.

Não há dúvidas sobre a volúpia do movimento que toma conta do Rio de Janeiro. Por mais que a liderança de Eduardo Paes seja quase inviolável, austera (como seu governo e sua condução da dinâmica social, mas isso deixemos para outras conversas...), um clamor por uma política mais humana na sede da Olimpíada de 2012 vem crescendo. A figura de Marcelo Freixo ganha cada vez mais força entre jovens. Isso é notável, basta andar pelas redes sociais ou pelas ruas que é possível entender o impacto desse movimento.

Essa onda é, em muito, motivada pela consciência da importância desses próximos anos pra história da cidade. Sim, é necessária a mudança na gestão, a troca de um síndico, um administrador que se vincula a pequenos cartéis que comandam setores que impedem o desenvolvimento da cidade (a situação dos transportes é o mais representativa: preço alto, serviço péssimo) por um político que entenda as nuances do lado social.

Mas na moldura clara e simples das eleições, há um aspecto que também se esconde e é notado por muitos poucos. Apesar da crescente tomada de posição dos cariocas sobre a visão mais humanizada do fazer político, outro candidato de posição semelhante, porém mais radical que Freixo, sofre uma injustiça monumental, sem dúvida a maior desse processo eleitoral.

Cyro Garcia, nome do PSTU para a disputa à prefeito, não foi a nenhum dos debates televisivos já realizados. Vale ressaltar que, no princípio do período eleitoral, ele possuía a mesma porcentagem de votos que Aspásia Camargo, do PV. Obviamente, com a projeção oferecida pelos programas, a candidata “verde” conseguiu ultrapassar a marca inicial, subindo um ou dois pontos percentuais.

Qual o critério de seleção para os debates? O apelo e número de votos ou engajamento com o pensamento “bacaninha” da zona sul? Cyro realiza uma campanha nas redes sociais pra conseguir participar de pelo menos algum desses programas, o que realmente seria bom, pelo bem daquilo que alguém um dia chamou de democracia. Alguém que hoje parece estar bem longe, no além do horizonte. Nas ilhas Cagarras, talvez.










Por Helcio Herbert Neto.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Voo das oito

Foto: rioacima1.blogspot.com.br
Pink Floyd - Wish You Were Here
Este texto deveria ter entrado no blog ontem, mas por motivos de força maior isso só aconteceu hoje.

Ele ainda não havia aberto os olhos, mas já tinha a exata dimensão de sua ressaca moral. Antes de permitir que o feixe tímido de luz pousado no quarto fizesse contato com sua pupila pela primeira vez, foi puxando tudo pela memória. Infantilmente, tentou burlar a própria consciência refazendo os flashes que tinha na cabeça de forma que soassem menos frustrantes. 

O que era para ser um exercício de redenção, no fim das contas saiu pela culatra. E aí, junto com a primeira claridade do dia queimando a retina, e o toque insuportável do despertador, vieram à tona: o convencimento do fiel escudeiro, a brisa da Guanabara e do Aterro soprando de volta a sobriedade até o destino final, Ipanema. Não o bairro dos cartões postais, mas o de um glamour soturno, obsceno. Na areia, a fumaça do último cigarro descortinou a lata quente de cerveja em primeiro plano, e a lua, desajeitada, ao fundo. Ela não vem.

Ela partiu no voo das oito. Com respeito, houve aviso prévio, mas despedidas, sentimentalismo, nem pensar. Não fazia o estilo dela. Ele não sabe muito sobre o estilo dela. Talvez nem ela saiba, e por isso seja excessivamente atraente. Aliás, as mulheres, quem as criou? Deus, ou qualquer coisa do tipo, é um gênio demoníaco. O mundo pode se esforçar o quanto for para banalizar peitos e bundas, mas nunca conseguirá borrar a beleza dos detalhes. O cabelo mal preso e as mãos sutis a consertá-lo, o dente apertando o lábio inferior - ansiedade ou tesão? -, e o perfume que não se crê notado, mas salva vidas por acaso...séculos de existência e linguagem das mais variadas formas e nenhum maldito inspirado conseguiu me ser convincente ao descrever nosso estado de espírito quando tudo isso está bem diante dos olhos.

Voltamos ao ponto. O tempo curto pré-determinado torna a relação estratégica e forma uma espécie de paixão calculista, onde não existe necessidade de se defender, mas paira constante o medo do fim. Ele nunca foi bom estrategista. Em duas noites, negligenciou tudo que (não)aprendera. Ela partiu no voo das oito, e doeu. Hoje, mais uma segunda-feira em que a ressaca sussurra a tortura cotidiana ao pé do ouvido.

O que isso tem a ver com futebol? Com sinceridade, absolutamente nada. Mas, às vezes, a não menção é, por si só, um excelente discurso.


Por Beto Passeri.
 










quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Profissão Nômade

Existem profissões capazes de serem executadas durante anos pelo mesmo profissional, na mesma empresa. Um trabalhador é capaz de conviver dez anos no mesmo ambiente, com  as mesmas pessoas, sem entrar no mérito da obrigação e da monotonia que sua vida pode se tornar, mas se for preciso ele fica.

No futebol as coisas são um pouco diferentes. Até existem os jogadores que passam cinco, dez, vinte anos no mesmo clube, criam vínculo, se tornam ídolos devido ao tempo de permanência na equipe, mas a maioria costuma jogar por diversos clubes, ficando por períodos curtos em cada um. Fico imaginando o desgaste, a dificuldade que é para esse jogadores trocar de cidades, estados, países ou até continentes constantemente. Para a familía, então. Imagina um jogador com filha(o) e esposa. Ter que ficar escolhendo escola, academia, hobbys por cada cidade que passam. Perder as amizades que fizeram, a casa que montaram, enfim, mudar tudo em função da profissão que lhe sustenta.

Mas aí chegamos na profissão mais nômade de todas, e no assunto central: o técnico de futebol. Existe alguém capaz de ficar menos de dois meses em uma empresa, não por competência, mas sim por uma simple escolha do seu superior. Escolha baseada em nenhum motivo que lhe condiz, e sim por uma questão cultural de que tudo que acontece no time a culpa recai sobre você? Sim, no futebol tudo é possível.

Casos recentes como o de Cristóvão Borges, ex-técnico do Vasco, retratam bem como é a profissão de técnico, mais específicamente no Brasil. Cristóvão assumiu o Vasco em 2011, após o então treinador Ricardo Gomes sofrer um AVC. Desde então, o time de São Januário nunca esteve fora da zona de classificação para a libertadores. Em 2012, o treinador teve perdas significativas no elenco, a diretoria não repôs à altura, o time teve uma queda de rendimento, mas, mesmo assim, sua pior posição era o quarto lugar. Cristóvão não tinha a simpatia da maioria da torcida, que alegava que ele fosse retranqueiro e constantemente o chamava de burro. Mas como pode um cara que coloca o time no G-4 por 48 rodadas, com um time desfigurado ser ruim? Coisas de "torcedor". Enfim, a goleada contra o Bahia em casa foi a gota d'água para que a situação ficasse insustentável e forçasse o pedido de demissão de Cristóvão Borges, depois de pouco mais de um ano no comando do Vasco. Para os padrões brasileiros, até que foi muito tempo.

Agora quem sofre com a pressão é Luiz Felipe Scolari, o Felipão, possível futuro ex-técnico do Palmeiras. Depois de levar um time medíocre ao título da Copa do Brasil deste ano, extraindo o máximo de futebol do elenco que tinha em mãos, o treinador pentacampeão do mundo com a seleção provavelmente deve sair do alviverde, que está na zona do reixamento (posição merecida pelo time que tem).

Enfim, vida de técnico de futebol é assim, sujeita a mudanças constantes de lares, cidades, etc. Às vezes por pressão da torcida, outras por conflito de idéias com dirigentes... O fato é que no Brasil, nunca teremos um Alex Ferguson (no comando no Manchester United da Inglaterra há 26 anos). Bem que o brasileiro poderia ser assim tão exigente em questões como a política, né? Mas aí já é querer demais.




Por Felipe Exaltação.

Quando acaba o tesão



Quando eu era mais novo, como toda pessoa mais nova, acreditava em tudo. Não me refiro ao Velho Noel, mas aquela balela completa que todo jovem razoavelmente engajado e uma meia dúzia de adultos xaropes acreditam. Opressão, revolução, luta de classes... e, em pleno ano de 2005, eu enxergava o mundo com os olhos da Guerra Fria.

Alguns anos se passaram, fui descobrindo traumas que eu nem sabia que tinha – não tantos quanto eu deveria para me tornar célebre -, adquirindo outros pelo caminho, criando vícios, intolerâncias, e lendo mais Bukowski do que o saudável.

Hoje, o inconformismo intelectual me serve de esconderijo para a minha covardia e falta de vigor, como se o mundo estivesse morrendo de medo da minha indignação. E não há indignação no fim das contas. Há só uma enorme resistência a levantar da cama todos os dias, pois se a vida é predominantemente um saco, a melhor saída é, então, o menor esforço.

O que sempre me motivou a tirar os pés da coberta e a não explodir a bomba atômica que guardo na segunda gaveta do armário do meio foi a paixão. Esse sentimento de gente desequilibrada, que move o mundo; os adeptos da experiência visceral. Flertes, fodas, bichos de estimação, álcool, música, poesia, futebol, qualquer coisa que liberte e nos faça lembrar que estamos vivos.

Mas talvez estejamos mais perto do fim do que imaginamos. Não um fim físico, do 2012 apocalíptico encerrando o universo da mesma forma que começou. Um fim moral, emocional. Tenho a impressão de que a música tem sido menos música a cada show visto, que o cinema tem sido menos cinema a cada filme assistido e que o futebol tem sido menos futebol a cada temporada acompanhada. Para que tudo se torne virtual, há que se esvaziar o material. Inclusive – e principalmente – as pessoas. Nostalgia? A quem ler 1991 na minha identidade vai ser difícil aceitar a refutação.

O fato é que o grito sai abafado por mais esforço que eu faça. Minha falta de tesão não me permite o heroico brado retumbante, não. Seja para endossar a bonita campanha do deputado Marcelo Freixo à prefeitura do Rio, ou para salvar a bisonha do Flamengo no Campeonato Brasileiro.





Por Beto Passeri.

domingo, 9 de setembro de 2012

Eu, que não cumprimento ninguém



É comum ver gente se prender a hábitos e costumes para regrar seu cotidiano. Trabalho às nove da manhã, antes, é claro, a tradicional lida no jornal e o café reforçado. Depois o trânsito gigantesco das metrópoles, o programa de rádio usual, o beijo morno na esposa, cama às onze, impreterivelmente. Tudo bem, não somente os aceito como os respeito, e muito. Entretanto, é importante fazer algumas ressalvas, ainda mais quando esses dogmas quadrados, de arestas polidíssimas, entram com o pé na porta pelo esporte a dentro.

Não se trata de aclamar a abjeta idéia de inovar no manto, pondo uma camisa azul (e horrível) no Santos, antigo queridinho da crônica esportiva, pelo simples fato de romper com o tradicional. Há tempos que essa novidade vem assombrando o time da Baixada Santista e seu filho pródigo, Neymar. Mais uma apresentação neguébica na Seleção ontem mostra como, para os supersticiosos, a criatividade dos publicitários atingiu as atuações do melhor jogador do Brasil do ano passado.

Também não há aqui uma ode ao espírito iconoclasta de qualquer forma, somente por sua audácia e vanguarda. Nem mesmo ódio ao comum e cinza regrado roteiro dos ortodoxos. Talvez eu não seja o mais indicado para fazer essa crítica. Eu, que não gosto de cumprimentar ninguém somente pelo ato de cumprimentar. Principalmente ao me lembrar do sorriso amarelo que sempre vem depois da troca de beijinhos ou aperto de mão. Se é para se aproximar, que seja por conversa, não por moral.

Se não bastasse a onda de higienização que vem tomando conta do futebol, esvaziando e elitizando estádios pelo país, se não fosse suficiente o batalhão de assessores que torna quase impossível a aproximação de jornalistas e torcedores com os jogadores, agora puseram juristas na parada. Tudo bem, aceito o empoeirado argumento da “Ordem”. Mas suspender o Loco Abreu por beijar o emblema do Botafogo, no Figueirense e Flamengo do primeiro turno?

Exagero. Tratar a relação de um atleta com seu ex-clube como desrespeito é incentivar a falta de identidade no “nosso” antigo esporte. O resultado de tudo isso é ver a antiga alegria do povo, a Seleção Canarinho, reduzida à uma empresa digna de caixa baixa, a seleção da CBF. A atitude, que pode realmente se consolidar na terça-feira, é mais um dos aspectos desse atentado à proximidade de pessoas com entidades que, tudo indica, vai culminar na transformação dos times em franquias, sistema semelhante a esse que espalhou McDonalds pelo mundo.

Considero isso tudo um atentado à naturalidade, que tranformou o futebol no esporte mais apaixonante do planeta. A simplicidade, que encanta e mobiliza massas, vem agonizando aos poucos. Contudo, é um ponto de vista individual. Encontro poucos por aí dispostos a avolumar o som desse Bloco do Eu Sozinho. Eu, que vale ressaltar, não cumprimento ninguém.









Por Helcio Herbert Neto.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Foi dada a largada

Bernardo Tabak/G1

Parabéns, cariocas. A bandeira olímpica já se encontra na cidade. A vida do Rio mudou muito desde a chegada desse pedaço de pano , não? Ufanismos à parte, acho que é válida a descrição da nobre cerimônia de desembarque dos cinco arcos na futura sede dos jogos olímpicos.

Estive lá à trabalho, então tudo que consta nas linhas e que vai ecoar no vazio ambiente cibernético é fruto somente da minha experiência (errante). Nâo busque informações sobre esse dia em outras páginas. Será um desgaste inócuo.

Obviamente, nossa história começa com atraso. Não posso precisar de quanto tempo, mas o suficiente para que os salgadinhos distribuídos não fossem capazes de esfriar o clima de tensão. Presentes estavam membros da imprensa nacional e internacional. As várias nacionalidades davam ao apertado salão do aeroporto do galeão uma sonoridade áspera e pouco comum. É importante dizer que o espaço passava longe de estar preparado para receber um evento de tanta pompa.

Com o passar do tempo, percebi que aquela cerimônia era sim digna de um local tão mal-conservado e sufocante. (“Sejam bem-vindos à realidade aeroviária brasileira” aquele encontro serviu para dizer).
Quando chegada a hora, fotojornalistas foram levados à pista de pouso para fotografar Cabral, Paes e Nuzman, acompanhados de atletas medalhistas olímpicos, deflagrando a bandeira branca do Barão de Cubertain.

No momento, obviamente, um ar de pressa foi sentido por aqueles que cobriam a chegada. Porém, de súbito, a atmosfera local mudou para um tom acinzentado quando começou a circular a notícia que a entrevista coletiva prometida pelos políticos e atletas não aconteceria. Em vários dialetos, as reclamações foram pronunciadas.

Quando a legião esperada adentrou o recinto, o sentimento geral já era pouco propício para o decorrer de uma coletiva amistosa. Nada que algumas palavras mal colocadas não pudessem piorar. Enquanto as figuras ilustres se sentavam, a apresentadora contratada avisou que apenas três perguntas seriam realizadas (obviamente, por empregados das grandes corporações) e avisou como aconteceria o evento: primeiro, veríamos o filme com a música-tema de Rio 2016 e depois ocorreriam as entrevistas e pronunciamentos.

“Posso falar?!", interrompeu o prefeito Eduardo Paes. O desconforto foi evidente. A pobre locutora exibiu um constrangedor sorriso amarelo enquanto o showman carioca começou um rápido, mas bem cansativo, número de stand up comedy. Nada de inusitado nas pautas da prefeitura. Vieram algumas gracinhas que só fizeram rir o bloco dos contentes que sempre integra as primeiras filas dos eventos políticos. Para quem não sabe, há uma classe, a dos politiqueiros, que têm no riso sua principal forma de afagar o ego dos comandantes e, por conseguinte, garantir a manutenção de seus empregos. Tem as palmas também. Enfim, só eles riram.

Depois do imperdível espetáculo, houve a exibição do vídeo promocional da (belíssima) canção oficial dos jogos,quando, mais uma vez, o prefeito tomou a palavra e praticamente empurrou a apresentadora para os fundos do palanque construído para destacar os políticos e atletas dos demais, naquele apertado e pouco arejado circo. Não satisfeito em transformar aquele momento em uma tragédia cômica, o candidato à reeleição ainda piorou a situação com uma frase poética que pode entrar no livro dos mais bem elaborados aforismos da humanidade: “Batam palmas, vamos lá, eu quero ouvir. Vocês jornalistas não batem palma para nada, nem para um vídeo lindo desses. Não entendo vocês”.

Por mais que a frase se encaixasse muito bem em uma paquita ou no animador de plateia do Faustão, não foi esse o tom adotado. Ele foi direto e seco. Deu a entender que, em sua cabeça, realmente há megalomania tamanha que faz com que ele se julgue dono até mesmo das palmas da terra de São Sebastião.

Tiveram as perguntas, as respostas, e a velha fuga da estimativa do gasto total com os jogos olímpicos. Mas nada demais, isso já é comum. A parte mais interessante de todo esse festival macabro foi o final. O questionamento final foi endereçado a Carlos Arthur Nuzman, o presidente do COB. Tratava-se de uma pergunta dupla e, sinceramente , eu me esqueci da primeira parte. Após o fim da primeira resposta, de maneira pouco afetuosa, todos os que estavam na mesa se levantaram, prontos para sair daquele lugar. Mas a saída não tinha como motivo direto o cansaço pela desgastante viagem, que aconteceu logo depois da cerimônia de encerramento dos jogos londrinos.

A segunda questão apenas queria saber se havia previsão do Comitê Olímpico Brasileiro desenvolver um programa em parceria com o sistema educacional para que, além de aumentar o número de medalhas, o país conseguisse na preparação olímpica uma coesão entre esporte e educação, algo inexistente na história. Cabral e Paes, já levantados, falaram que isso é coisa do ministério da educação. Nuzman balbuciou meia dúzia de palavras que caberiam a qualquer pergunta, sob qualquer dialeto, e não esclareceu nada.

Fique calmo, amigo. Os preparativos apenas começaram. No fim tudo dará certo.




Por Helcio Herbert Neto.