segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Decisão técnica derruba a Lusa

Como se temia e esperava vindo do STJD, a Lusa foi derrotada por unanimidade, 5 a 0, e caiu para a Série B, embora ainda vá recorrer sem maiores esperanças.

Assim, o Fluminense permanecerá na Série A.

O julgamento equivale a sentenciar quem furta um pão à prisão perpétua.

A defesa lusa foi pífia e o clube, ao contrário do que anunciou, não apresentou as provas de que procurou seu advogado durante o sábado e não foi atendido.

Mesmo que tivesse sido brilhante, a defesa seria inútil, porque o jogo já estava jogado.

O Fluminense, que dizia não ter interferido em nada, apresentou-se como parte interessada e será amaldiçoado por isso.

Mas caso não o fizesse, seus sócios deveriam pedir o impeachment de seu presidente.

Coisa, aliás, que o lusos devem fazer em relação aos seus cartolas.

A voz das ruas foi derrotada mais uma vez.

E novamente fica comprovada a inutilidade do STJD.

Afinal, se é para simplesmente aplicar a letra fria da lei, bastaria o tribunal de penas.

Mas a palhaçada continuará, porque ainda haverá o julgamento do recurso, para mais gente aparecer.


Via Blog do Juca Kfouri

domingo, 15 de dezembro de 2013

Pormenores

(Divulgação) Fluminense na Série A do ano que vem? É correto com a meritocracia?

Para ler ao som de: Beetlebum - Blur

Após os anos nauseabundos de teclados e topetes, o rock inglês renasce. Estamos na primeira metade da década de 1990, quando, longe da repressão policial, econômica e até ideológica de Margaret Thatcher, guitarras dissonantes e letras nem um pouco consonantes com o que acontecia naqueles tempos começam a chegar ao rádio. E para aquecer o mercado, gravadoras e a imprensa apostam em uma velha fórmula de publicidade, bem aproveitada no período da primeira invasão britânica aos Estados Unidos, no anos 1960.

A dicotomia. Como quando Stones e Beatles polarizavam a juventude, de uma hora para outra, o Reino Unido estava divido entre Oasis e Blur. O primeiro formado por representantes da classe operária de Manchester (tendo Noel Gallagher até trabalhando como pedreiro). O outro, um grupo de jovens de classe média que, em suas letras, aborda a liberdade repentina de uma geração que vivia o retorno de uma  toxicômana Swingin' London. 

Você sabe quem venceu essa disputa sem sentido. Provavelmente, você conheça muito mais músicas do Oasis do que do Blur. Principalmente após o disco "(What's the story) Morning Glory", dos irmãos de Manchester  e torcedores do City , os londrinos foram rebaixados ao status de coadjuvantes da banda que então era a sucessora do Nirvana no posto de símbolo maior do gênero. Apesar dessa gradação, ambos foram determinantes para a consolidação do Britpop, considerado por muitos o último grande movimento do rock 

Há dez anos, era inimaginável a presença de um holandês multicampeão europeu e do melhor jogador da última Copa no Campeonato Brasileiro. Com a estabilidade do torneio por pontos corridos e, principalmente, com a competitividade do nacional mais difícil do mundo, hoje Seedorf e Forlán atuam no Botafogo e no Internacional, respetivamente. Não somente pela magnanimidade dos 12 maiores times do Brasil.

É também em virtude desse nível semelhante dos presentes na Série A que a renda da TV dada os clubes é tão suntuosa. A dificuldade que os clubes pequenos representam para os grandes é fundamental para a formação de um bom Brasileirão. Por isso o caráter absurdo da tentativa de virada de mesa do Fluminense, que está em curso e será julgada amanhã. Encaradas como pormenores, as presenças de agremiações como a Portuguesa também fomentaram esse processo de fortalecimento do campeonato nos últimos anos.

Caso realmente tenha havido irregularidade, que seja aplicada uma multa fortíssima, sem consequências para os resultados conseguidos dentro do campo. Se o contrário for feito, estará sendo confirmada a premissa de que, com todo esse contexto burocrático, mais vale ter um bom advogado do que um bom time (o que o tricolor não teve durante o turno e o returno). Tirar a Lusa da primeira divisão será tão cruel como ignorar a relevância do Blur no renascimento do rock na Inglaterra, simplesmente por ele não ter sido o hegemônico.

Por Helcio Herbert Neto.                                                                        

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Horror em Eldorado

    (Divulgação) Obras no Maracanã e aumento no preço dos ingressos previam futuro de riqueza: no ano da Copa, pelo menos um clube estará na Segundona.

Aqui, ouro brota do chão. Ou melhor, dos pés, cálidos, que neles buscam apoio entre chutes, saltos e piques. Como duvidar da fonte inesgotável de riqueza que chega sem esforço dos engravatados atrás da mesa? Como questionar o futuro retorno de tudo que nos campos vastos daqui é investido, com capital público ou privado, emocional, material ou especulativo? Isso é coisa de românticos. Antipatrióticos. Congelados em um tempo pretérito que não existe, dizia a maioria.

Pois bem. No seio da Copa, terra em que bilhões foram investidos no esporte que parecia ser um veio inesgotável de dinheiro, luxo e status – desses, um bilhão investido só na depravação arquitetônica do velho palco maior do futebol  não existiria frustração maior do que o recorde de times grandes de tal território longe da principal divisão nacional da cerimônia herética de sublimação por meio dos gols.

No ano do Mundial, o Rio não terá pelo menos um de seus grandes na Séria A. Se o Coritiba vencer o seu jogo na última rodada do Brasileirão deste ano, Vasco e Fluminense descem a ladeira. Sendo o último o atual campeão brasileiro. Assim, na cidade da final da grande competição esportiva internacional, apenas metade de seus mais vitoriosos estarão entre os vinte melhores do ano que vem.

Apesar de "conhecedores" das políticas públicas (que incluem a "modernização" do Maracanã, em âmbito estadual, e a concessão de terrenos para a criação de centros de treinamento dos clubes profissionais, em âmbito municipal) e das ditas progressistas políticas privadas (como aumento dos abusivo dos preços mínimos dos ingressos, planejamentos pecaminosos com treinadores caríssimos e jogadores do exterior), o Cristo Redentor não abençoará a melhor das temporadas dos cariocas no ano mais importante desde 1950.

E é apenas o primeiro dos impactos sensíveis nos resultados esportivos de todo os planos que a cúpula que comanda o futebol no Rio. Das críticas, todas, que foram feitas aos que se manifestaram contra todo esse processo, talvez a mais dolorosa, injusta, tenha sido a de que esses, que enxergam o abissal dessas medidas, não são apaixonados pelo futebol.

Talvez nos leitos do Rio de Eldorado continuem a correr pepitas de ouro. É provável. É inegável, contudo, o nocivo que, com esses rumos, o futebol fluminense (e brasileiro) toma.

Por Helcio Herbert Neto.                                                                        

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

É nosso.

"A razão estética habilita o sujeito para que se concebam mundos não apenas a partir de e/ou sobre esquemas referenciais, mas, a partir de e sobre a experiência da presentificação do que existe, do ser-aí, da história efeitual e da desrealização dos limites estabelecidos pelas formas tradicionais de racionalidade." (Marcos Villela Pereira, Licenciado em Filosofia, Doutor em Educação, Pesquisador do CNPq, Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS). 

"Nada está parado, tudo se move, tudo vibra". (Hermes Trimegistus).

"A Química não é o estudo da matéria; é o estudo da transformação" (Walter White, protagonista da série de TV norte-americana Breaking Bad, criada por Vince Gilligan).

Foram três anos, mas foi mais do que isso. Foi uma completa remodelação, uma reconstrução, um nascer outro. Muito pouco ou quase nada do que havia materialmente ali restou. "Perdeu a alma", ouvi. Nunca acreditei. Quando estive de volta pela primeira vez, me senti estranho, desconfortável, sem saber se era a mente apavorando o que não era mesmo velho ou simplesmente a constatação de que alguma coisa morrera. Mas mesmo naquele estranho dia, os movimentos singulares daquele microcosmo sinalizaram que havia pulso. Elias fez o gol de empate nos derradeiros minutos no Flamengo x Botafogo pelo primeiro turno do Campeonato Brasileiro.

Houve um tempo, um bom tempo na minha vida em que atribuí a ocultismo, superstição, religiosidade e até a ingenuidade os fenômenos inexplicáveis que parecem governar o universo numa profunda imbricação de caos e complexidade, às vezes oferecendo a certeza de que só o acaso legisla, outras sugerindo que haja destinos escritos. Mas algo sempre derrapou de minhas teorias e era justamente aquela dimensão da existência para a qual decidi canalizar minha irracionalidade: o futebol e, mais especificamente, o Flamengo. Não vou dizer que fui sempre fiel a essa escolha, porque houve épocas em que, tentando organizar o raciocínio sobre a minha vida, perdi de vista a dimensão do sagrado que existia nela. Hoje saí do armário filosófico e posso afirmar sem medo de errar que o Flamengo é sagrado.

Sagrado, mas não o termo em sua forma vulgar, como corações-de-marias ou sangues-de-cristos, mas como aquilo que se oferta, com respeito e veneração, ao desconhecido. Veneração pelo desconhecido. Conhecendo bem o Flamengo, ainda desconheço-o. Esquadrinho-o, enquadro-o o tempo todo em esquemas e padrões de comportamento, tento enxergar ordenamento em seus movimentos. Mas a razão não dá conta, então deixo o caos se infiltrar por cada nanoporo e por cada partícula subatômica que se movimenta dentro daquele anel monumental, em torno daquela grama. É tão óbvio, está tão claro que irrita não ter um nome para dar.

Dezenas de milhares de pulmões e laringes e timos vibrando em uníssono tantas vezes, por tanto tempo, construíram alguma coisa. É quase concreto. Ninguém vê, ninguém tem um nome para dar, mas as manifestações do fenômeno são óbvias demais para qualquer cientista negar-lhe a existência. Ali, quando é com a gente, a bola às vezes encontra sozinha o seu caminho para a rede.


Ontem à noite, uma metamorfose se consumou finalmente. Não foi a matéria que mudou; foram, alquimicamente, os seres que se transformaram em sua dimensão intangível. Na dionisíaca experiência estética de ontem à noite, entre as linhas dos trens e o leito do rio, a magnética torcida do Flamengo terminou de desfibrilar seu templo e sua casa.


O Maracanã, em 2013, foi levantado de seu sono profundo por aqueles que, historicamente, assinaram seu projeto quântico no CREA do cosmos. Ontem, mágico, assombroso, sagrado, de novo ele foi nosso.

Por Bruno Passeri.





terça-feira, 26 de novembro de 2013

O herói de mil faces e seus clichês


Sempre fui aficionado por histórias, por narrativas de uma maneira geral. Há algum tempo, porém, passei a me interessar mais pela forma como elas ganham vida e pela estrutura que as rege. Nos trabalhos do mitólogo Joseph Campbell e do roteirista Christopher Vogler encontrei respostas para as perguntas que eu sequer sabia que tinha. Tudo – e digo tudo mesmo – pareceu absolutamente mais claro quando me foi apresentada de forma profunda a ‘jornada do herói’ e seus meandros.

“A jornada do herói não é uma invenção, mas uma observação. É o reconhecimento de um belo modelo, um conjunto de princípios que governam a condução da vida e o mundo da narrativa, do mesmo modo que a medicina e a química governam o mundo físico. É difícil evitar a sensação de que a jornada do herói existe em algum lugar, de algum modo, como uma realidade eterna, uma forma ideal platônica, um modelo divino. Desse modelo, cópias infinitas e altamente variadas podem ser produzidas, cada uma repercutindo o espírito essencial da forma.”, diz Christopher Vogler em seu livro ‘A Jornada do Escritor: estruturas míticas para escritores’, que acabou se tornando uma espécie de bíblia de Hollywood.

E aí eu percebi que a história de uma Guerra Intergaláctica e a de um casal de jovens que se apaixona nas férias de verão não têm tanta diferença assim. Por mais que você crie resistência (como eu criei), vai acabar descobrindo que a estrutura que rege as narrativas é a mesma. E não é porque se convencionou isso, porque é mais fácil ou porque é do interesse de poderosos; é simplesmente porque assim é na vida. Há heróis, vilões, mentores, arautos, chamados à aventura, resistências aos chamados, obstáculos, superações desses obstáculos e por aí vai. A estrutura existe. Os clichês estão por toda a parte - não só nos filmes -, e eles, bem ou mal, constroem as narrativas (ainda que o negão engraçadinho não precisasse morrer sempre nos filmes de suspense ou as cenas de dança nem sempre precisassem terminar com um olhar incriminador da velha rabugenta para as palmas de algum outro jurado que acabou se comovendo).

O futebol está cheio desses clichês, ainda que se fale em ‘caixinha de surpresas’. Não que eu tenha virado vidente de um dia para o outro, mas é inegável que certas narrativas se repetem com muita frequência e isso não é mera coincidência.  E aí me pus a pensar (na verdade foi isso que me levou a todo resto) e constatei que esse time do Flamengo, ou melhor, essa temporada é uma síntese perfeita de absolutamente tudo que o Flamengo tem narrado – ou tudo que tem sido narrado sobre o Flamengo – nos últimos anos, nos anos dos quais me recordo bem. 

Em todos os momentos importantes (ou quase importantes) do ano, eu tive a impressão de que já tinha presenciado a experiência anteriormente e sabia qual seria o desfecho. O ano do Flamengo é um clichê gigante. É como se tivessem compilado tudo de mais Flamengo dos últimos anos e juntado em uma temporada só. O furor apaixonadamente precipitado no Carioca e a posterior constatação de que Rafinha não jogava absolutamente nada (quantas vezes?). A saída polêmica de um ‘ídolo’ pela porta dos fundos. A aflição sem fim do Brasileiro, as politicagens da Gávea; a velha história do muro pichado. As escolhas erradas para o comando, as vaias, jogador batendo de carro no auge da crise e, em meio a tudo, vitória sobre os rivais. É ser o único time a não ganhar do Náutico e é também tomar o gol de goleiro aos 47 do segundo tempo. O técnico motherfucker que não dá certo, e a mudança de perspectiva com um simples auxiliar que estava lá há tanto tempo...O Hernane. É o Hernane aprendendo a jogar futebol, e o Marcelo Moreno, R$300 mil por mês-status de titular...banco. É o Carlos Eduardo contratado para ser o destaque sendo vaiado jogo após jogo, e o Paulinho (?) se tornando xodó. É a total reversão de expectativas na qual o Flamengo é mestre. É o gol aos 43 do segundo tempo contra o superpoderoso Cruzeiro virando o leme. E o persistente perrengue no Brasileiro apesar de tudo. É o Amaral ressurgir das cinzas, e o Wallace chegar a ser capitão. É a torcida comprar a briga e empurrar um time que só ficou uma rodada entre os nove primeiros do campeonato nacional de pontos corridos à final do campeonato nacional de mata-mata. É torcer para pegar o maior e não o menor, e quase torcer para não "construir" resultado no jogo de ida devido a traumas memoráveis de acomodação.
E aí você pode pensar que estou sendo precipitado ao dizer tudo isso antes do jogo de amanhã. Mas aí está outro ponto: não faz diferença. Só há três possibilidades para o jogo decisivo dessa quarta-feira

1. Um desfecho natural – não sem drama, claro – com vitória do Flamengo, que será absolutamente chupado pela mídia pelo seu poder de reação, torcida, espírito copeiro e etc.
2. Um desfecho trágico – que não deixa de ser clichê -, onde o Atlético surpreende o Maracanã lotado e decepciona 35 milhões de pessoas. Ninguém terá mais paciência para o Wallace, que errou no lance do gol, para o Carlos Eduardo, que andou em campo, para o Léo Moura, que está velho, e por aí vai. Certamente haverá um carrasco, que encabeçará as montagens nas redes sociais com Cabañas, Montillo e por aí vai.
3. O jogo está difícil, eu diria praticamente perdido, quando Carlos Eduardo – ou quem sabe até o Adryan – acerta um chute espetacular na gaveta, dá o título ao Flamengo e vira herói.

Todas as opções são muito Flamengo, e já não há chance de que esse jogo e este ano não acabem em clichê, ainda que tenham me implorado para que não postasse este texto antes do jogo de amanhã.


P.SParabéns ao sujeito que me deu uma das maiores alegrias da minha vida. Mas parabéns não pelos 38 anos que completa hoje, pelo gol do título ou pela carreira vitoriosa - outros tantos o fizeram; parabéns por ter passado por tudo que passou e representar o que representa sem um pingo de vaidade. Parabéns por ter carregado a cruz sozinho na vida para dividir a redenção com 35 milhões de fiéis no fim. Parabéns por ser o herói que sangra, o ídolo que se curva. Sem despedida, sem pedestal. Entre 'Petkovics e Adrianos', foi você, Angelim. O mais humano de todos.




Por Beto Passeri.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Artes e manhas do futebol brasileiro


Em 2000, o professor Tunico Amâncio, do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense, publicou um importante estudo sobre aquela que chamou de “época de ouro do cinema estatal brasileiro”, o cinema dos filmes produzidos e distribuídos pela Embrafilme. A estatal era controversa desde seu nascimento e, mesmo em sua época dourada, quando atingiu os maiores índices de público nas bilheterias e conquistou prêmios importantes, chovia sobre a empresa denúncias e reclamações de favorecimentos, conchavos, corrupção, etc.. O título do estudo de Amâncio é emblemático: “Artes e manhas da Embrafilme – o cinema estatal brasileiro em sua época de ouro, 1977-1981”. Amâncio é também um estudioso do Brasil. É dele, por exemplo, o roteiro do documentário “Olhar estrangeiro”, de Lúcia Murat, baseado no livro “O Brasil dos gringos – imagens no cinema”, também escrito por Amâncio, ambos leituras sobre a imagem do Brasil projetada em diversos filmes ao longo da história do cinema mundial.

O interessante da anotação de Amâncio é que ela nos leva  a pensar que, na verdade, tudo no Brasil é cheio de artes e manhas. E o futebol é um terreno particularmente fértil para elas. Mesmo quando tudo parece, aos olhos incautos, conspirar pela consolidação de uma “época de ouro” do futebol jogado em solo nacional, com grandes jogadores, grandes estádios/arenas, grandes cifras e patrocínio, direitos de transmissão, etc., ainda assim sobrevivem as artes e manhas do futebol brasileiro. Brasil-il-il.



Nas últimas semanas, elas, as manhas, chegaram com força, como geralmente fazem em final de temporada, sobretudo nas temporadas em que grandes clubes ameaçam derrapar no calabouço da série B. Mas esse  ano o prato está cheio.

Manhas como a cavadinha política do PROCON-RJ e boa parte da imprensa local sobre o aumento dos preços para os ingressos na decisão da Copa do Brasil. Ora, o Flamengo é uma entidade privada que pratica os preços que bem entender sobre seus produtos e espetáculos. Salvo aquelas cinquenta figuras carimbadas que estão sempre protestando contra qualquer coisa politicamente interessante no clube, não vi essa grita toda dentro da torcida do Flamengo. Conversei com muita gente, de diferentes rendas, e o perfil de quem vai ou não vai é mais ou menos o mesmo dos jogos a quinze ou quarenta pratas. Quem vai ao Maracanã como hábito – branco ou preto, rico ou pobre -, vai à decisão. Quem não costuma ir, não vai. Ou vai. Tanto faz. A polêmica ficou para os pachequistas.

Outra manha clássica foi essa brilhante ideia do São Paulo de exigir que a Ponte Preta não jogasse em seu estádio a partida de volta das semifinais da Copa Sulamericana. Legal. Ao mesmo tempo em que o Atlético-PR era tranquilamente autorizado a mandar a decisão do segundo torneio mais importante do país no pardieiro de gramado medonho da Vila Capanema.

Há muito tempo se critica a qualidade dos gramados brasileiros, mesmo na elite do futebol nacional. Agora, com a inauguração e/ou reforma de alguns dos principais estádios do país, o abismo fica mais flagrante. Eu sou da tese de que gramados ruins deveriam ser banidos da série A. Nada justifica. Qualquer time que dispute esse nível do futebol nacional ganha algumas dezenas de milhões de reais em patrocínios e direitos de transmissão, portanto não há justificativa plausível para não manter, pelo menos, um gramado decente. Não estou falando de arenas faraônicas, apenas de grama verde e regular em cima de piso macio.

O Atlético-PR parece um clube organizado, deve bem menos que outros na praça e está reformando seu estádio para a Copa do Mundo. Mas - que azar! – sua cidade não tem outro campo decente para oferecer. Nesse caso, resta à organizadora da competição obrigar o time a jogar no lugar mais perto que apresentar condições mínimas. É uma lástima, um grave azar que a outra cancha decente na cidade do Atlético seja a do Coxa, que em hipótese alguma – e com razão, futebol vive da rivalidade – emprestará ou alugará seu campo para o arquirrival. Mas é o que tem. O Atlético, com toda sua estrutura, poderia ter feito uma vaquinha com o Paraná e transformar o pasto da Capanema numa grama. Só isso.

Defendi aqui no Rio, quando o Engenhão vergonhosamente fechou e o Maracanã ainda não estava pronto, que os times do Rio jogassem em qualquer lugar, menos o Rio. Salvo o Vasco, que mantém honrosamente seu estádio em condições mínimas, os outros que se virassem, caso o Vasco não se dispusesse – como não se dispôs, também com razão – a alugar seu campo para os arquirrivais. O Rio (o estado, não só a cidade), oferece três estádios com mínimas condições de abrigarem jogos da série A: o Maracanã, o Engenhão (com ressalvas ao gramado) e São Januário. O resto – Macaé e Volta Redonda que me perdoem – é forçar a barra.

Muito se falou que o Náutico fez a campanha vergonhosa que fez porque não jogou no Estádio dos Aflitos, onde teoricamente o calor da torcida favorecia. Com todo respeito ao Náutico, há muitos anos o Estádio dos Aflitos não oferece um gramado à altura da primeira divisão. A torcida que vá cobrar sua diretoria por reformas na cancha tradicional ou tratar de transformar a Arena do Recife no caldeirão de que o time precisa.

A Ponte Preta assinou o regulamento da Copa Sulamericana lá atrás e sabia que seu estádio não estava capacitado. Duvidou que chegaria onde chegou e agora, graças à manha do São Paulo (especialista no quesito, aliás), ficou impedida de mandar um dos jogos mais importantes de sua história no seu histórico campo. Se o São Paulo não fosse manhoso, a Macaca jogaria lá, mas ser manhoso não é necessariamente estar errado. Errado é mudar a regra com a bola em jogo.  A Ponte que jogue em Mogi e trate de ratificar o castigo ao manhoso. Com sua mania de cagar goma, o São Paulo jogou gasolina no inflamado brio pontepretano e pagou caro por isso no primeiro jogo. Mas nada impede, claro, que o tricolor atropele a Ponte no jogo de volta e faça valer a diferença de tamanho entre os clubes no campo, para além dos gabinetes. E aí será a Ponte a fazer manha, chorando pelos cantos que o garoto grande da turma bateu nela.

Na outra manha da hora, os times que disputam braçada a braçada um lugar no bote salva-vidas da série A resolveram ter ataques de pelanca porque o Júlio Baptista, do Cruzeiro, disse ao Cris, do Vasco, durante o jogo do último sábado (Vasco 2 x 1 Cruzeiro, no Maracanã), algo como: “vai lá e faz outro, porra, faz outro logo”. Pronto. Virou uma sanha e times como o Fluminense – outro campeão da manha – se arvoraram a prestar queixa porque o trecho retirado da fala do J. Baptista supostamente denunciaria um esquema de favorecimento ao Vasco. O Cruzeiro ganhou de todo mundo no campeonato, conquistou a taça com um punhado de rodadas de antecedência, tem uma Libertadores para planejar em 2014 e não se pode dar ao direito de relaxar. Ele precisa jogar no fio da navalha porque o Fluminense, o Coritiba, o Criciúma, o Bahia e afins foram bisonhos ao longo do ano e agora estão com a corda no pescoço. Legal isso.

A outra falsa polêmica é a possibilidade de a Portuguesa perder uns preciosos pontinhos por ter escalado durante o campeonato algum ou alguns jogadores inaptos, ou alguma cretina filigrana jurídica do gênero. E novamente entre o pool de manhosos estão o Fluminense, o Coritiba, o Bahia, que tentam uma espécie de reedição da histórica manha corintiana que assaltou o Brasileirão 2005, isto é, favorecer todos os adversários ao invés de punir o infrator – neste caso, a Portuguesa.

E enquanto tudo isso acontece, as chances de um brasileiro abiscoitar de novo a Sulamericana são de 50%. A Ponte bateu o Vélez em Buenos Aires com direito a Fernando Bob dando lençol no goleiro. A Seleção de Felipão segue dando pintas de que está com a faca entre os dentes para passar o carro em todo mundo na Copa do ano que vem. E o Galo Doido, comandado por um matreiro Cuca e o sempre imponderável Ronaldinho, chega manso mas poderá surrupiar o título mundial que o mundo todo já entregou de antemão ao poderoso Bayern. Tem manha, mas também tem arte.

Entre artes e manhas, o futebol brasileiro parece condenado a crescer. Crescerá torto, estranho, sujo,  insano e irremediavelmente inovador. Como o Brasil.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Pior é que tem razão




Ao som de: Lobão tem Razão - Caetano Veloso


Lobão é um nada. Ele mesmo proclama isso – em uma atitude digna de provocar uma escarrada insolente de Nietzsche, de quem ele afirma ser um seguidor. Por esse motivo, ele intitulou seu último livro como “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”. Ao se vangloriar de ser um vácuo, o cantor que outrora se dizia de vanguarda, ostenta a auto clemência, tão abominada pelo escritor alemão. Pois bem, em um Brasil de ilusões perdidas, até Lobão tem razão.

Nessa mesma obra, o músico critica uma casta de privilegiados que, na cultura nacional, são intocáveis. Gil, Caetano, Chico Buarque... Os mesmo de sempre, que flutuam entre a literatura, as canções, as peças teatrais e até a política. Grandes, sem dúvida, os componentes desse clube, na opinião de Lobão, aproveitam das leis de incentivo à cultura, do espaço extremo na mídia e da benevolência da opinião pública para disseminar a letargia.

O mais novo reacionário assumido (que, após ser entusiasta da fundação do PT e crítico feroz da Ditadura, agora detém uma coluna no panfleto conservador Veja) aponta que essa exaltação permanente acaba por inibir o novo, o espontâneo da cultura brasileira. Como uma árvore, de copa vasta e terreno fértil, que promove sombra aos brotos incipientes.

E nesta primavera, a bela folhagem proliferou a praga. O “Procure Saber”, conjunto constituído por esses expoentes, mobiliza o legislativo e o judiciário para impedir que biografias não autorizadas sejam banidas das livrarias. Acusam editoras e autores de expor a vida alheia como forma de garantir riqueza. Encabeçado por Roberto Carlos, além dos citados, Djavan, Milton Nascimento, Jorge Mautner, entre outros, impedem a publicação sem consentimento de seus protagonistas.

Censuram. Para nós, uma lástima. Trata-se de uma área que se expandia: as não ficções esportivas descortinavam verdades de atletas ainda despercebidas. Como a oferta de álcool nas mamadeiras de Garrincha, publicada por Ruy Castro, ou os demônios que perseguiam Casagrande durante seus surtos psicóticos empoeirados por cocaína, no livro escrito por Gilvan Ribeiro. Isso para não dizer de João Saldanha que, por meio do livro homônimo de João Máximo, começou a ter sua altivez política enaltecida, e com “Marighella”, de Mário Magalhães, ganhou consideração merecida pela preconização de greves e movimentos sociais pré-golpe de 1964. Entre tantas outras já impressas (e tantas que estavam por vir).

Cale-se página, cale-se linha, cale-se palavra. O alto clero ergue o dedo e o repousa sobre a boca, austero. Enquanto executa o gesto, destrói a idealização dos heróis que lutaram contra o zepelim de aço da opressão militar, desafiaram o mundo, tão desigual, ou que berravam que era proibido proibir. E de longe, um lobo, com escárnio, uiva.





Por Helcio Herbert Neto.

domingo, 6 de outubro de 2013

Labuta

Flamengo e Vasco empataram em 1 a 1 hoje, em Brasília: vida dura de torcedor(Marcelo Sadio/vasco.com.br)

Nem calcanhar rachado nem calos nas mãos. Da labuta diária, o único resíduo que se nota quando fora dos momentos de trabalho é o sorriso no canto do rosto. Caminha pelas ruas, vê as coisas da vida passarem em ritmo acelerado de internet, clica nos dias do calendário, tudo enquanto aguarda a tarefa que o espera  arar a terra, enterrar a semente e regar o canteiro. Pois assim são os dias de quem é completo e sabe disso: já que há os que sonham com ventos que não sopram e paraísos onde não se pode pisar. Logo, não são plenos em matéria, só em pensamento. Aguardam o ideal e não tateiam o próprio prazer do mal-hálito de uma manhã alegre, simplesmente.

Não é fácil cobrir o dorso com o manto após o dia de trabalho. Os sóbrios questionarão. Qual motivo tira o corpo da inércia e o faz caminhar dentro da roupa úmida até uma edificação monstruosa de concreto? O que quebra a preguiça e a comodidade da poltrona e tensiona os músculos da face em expectativa, derrota e vitória, em uma tarde de domingo, noite de sábado ou madrugada de quarta-feira? Com o sorriso dos embriagados e o aroma do desleixados ele vai bradar.

Porque eu te amo; onde estiver, estarei; ninguém cala esse nosso amor; e por você a noite inteira eu vou cantar. Por cima dos alicerces morais, dos percalços sociais ou vinganças políticas. Não adiantaria descansar em casa ou aproveitar o tempo com outras companhias, fazendo-se de desentendido.Porque é dessa ética laboral que brota o pacto único em suas multiplicidades e singular em suas pluralidades. Diversa e conturbada, assim deve ser a felicidade do humano  Real.

Não é motivado somente pelas idiossincrasias dela,  comum, amável, apaixonante e especial  que se torna necessária a peleja. É por mim e por ele, que agora entoa um canto puxado por um desdentado ao seu lado ou por uma facção criminosa. Enquanto houver trabalho a ser feito e intenção de convivência ali estará ele, diante do Sol, ou da água dos céus. Embora nem sempre de risadas e glórias seja aquela relação, é preciso ali estar, vivo e disposto ao que o jogo lhe servir no fim.

Quem despercebido for poderá não encontrar relação entre a inspiração maior dos poetas e a tarefa remunerada de qualquer um. Eu mesmo, assumo, não notara essa conexão até ser alertado por um amigo, com cheiro de vinho de loja de conveniência. De tão ébrio, nada entendi naquela madrugada que, sentada no meio fio, demorou menos a passar do que a ressaca do dia seguinte. Só após o raiar da manhã e metabolizar o álcool que compreendi a lição.

E todo o mundo fora daquele monstro urbano de cimento haverá de rir da imbecilidade daquele que comunga do assento duro, dos sofrimentos impalatáveis e das verdades que, em algum momento, terão de ser ditas. Em detrimento do prazer instantâneo do provolone à milanesa do botequim com pay-per-view, por vezes ele sente nos ombros um peso quase inclassificável. Respira fundo. O resultado pode virar até o fim do período. Ou no fim da temporada. De fato, por vezes acontece. Em outras, não.

Haverá dia seguinte, pois, sem marcas para recomeçar o labor, para enfrentar filas e olhares dos que, durante a espera por algo massivo e cinematográfico, abrem o jornal do dia seguinte e se queixam do palpável, possível. As respostas do cultivo serão tímidas, como um aceno, afago, olhar. Pódio cotidiano que só quem identifica no fomentar da paixão o sabor do ceifa terá facilidade de notar.


Por Helcio Herbert Neto.                                                                            

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O futebol educa: a vez deles


Há pouco mais de um mês, o meia Alex, do Coritiba, concedeu entrevista falando verdades - nada mais que verdades - a respeito do futebol brasileiro e seus graves problemas (confira no vídeo acima). Num tom bastante sóbrio e sereno, o camisa 10 deve ter incomodado muita 'gente grande' com palavras respaldadas em uma visão de dentro para fora, visceral, e em mais de dez anos de experiência europeia.

A entrevista repercutiu bastante e, em uma das discussões que tive, eu e um amigo falávamos sobre quem substitui sujeitos como Alex, como Juninho ou Seedorf (que nem brasileiro é). Bem poderíamos estar falando sobre a categoria deles e a nossa escassa oferta de meias (de craques, vai), mas era sobre liderança, e postura crítica. Como era de se esperar, nos desapontamos com nossas constatações. Acabei não tendo tempo para desenvolver a pauta e isso ficou registrado apenas na minha cabeça.

Eis que há pouco mais de uma semana, a CBF divulgou o calendário oficial de 2014 e, como sempre, causou espanto pela falta de sensibilidade; férias reduzidas, pré-temporada inexistente e datas espremidas para caber tudo num ano de Copa do Mundo no Brasil (confirmada há mais de quatro anos).

Mesmo numa época em que tudo parece "ao contrário", ou seja, caminhando para mudanças significativas, com milhões de pessoas a protestar nas ruas e novos paradigmas (sobretudo da mídia) expostos sem "teto baixo", não seria estranho se o futebol permanecesse flutuando acima de tudo, suspenso na avalanche de "bastas" e reivindicações. Durante a Copa das Confederações, auge dos protestos por todo o país, ouviu-se uma ou outra palavra de apoio comedida por parte dos jogadores, até porque ficaria feio não dizer nada sobre os que entoavam o hino nacional debaixo de bombas a poucos metros dos estádios. Nada muito além disso. O calendário da CBF, porém, parece ter sido a gota d'água num copo que, na real, deve ser uma piscina olímpica. Ao que interessa:

"Nós, atletas profissionais de futebol, com representantes em clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro, vimos, de forma oficial, demonstrar nossa preocupação com relação ao calendário de jogos divulgado na última sexta-feira (20) pela Confederação Brasileira de Futebol para o ano de 2014.

Devido ao curto período de preparação proposto e ao elevado número de jogos em sequência, decidimos nos reunir, de forma inédita e independente, para discutir melhorias em prol do futebol e da qualidade do espetáculo apresentado por nós a milhões de torcedores.

Queremos ser uma parte mais efetiva deste movimento que se faz extremamente necessário e, para tanto, solicitamos uma reunião com a entidade que administra o futebol brasileiro (CBF) para tratar de questões propositivas e de comum interesse.

Estamos convictos de que dar esse primeiro passo significa caminhar na direção do profissionalismo, da transparência e da busca pela excelência no futebol de alto rendimento praticado no Brasil.

Contamos com o apoio de outros atletas e convidamos todos os profissionais do futebol e apaixonados pelo esporte a se unirem a nós nesta iniciativa em benefício do futebol brasileiro.

Informaremos ao público o andamento e os resultados desta nova discussão assim que possível

Sem mais para o momento,"


E foi assim que 75 atletas deram início ao movimento Bom Senso F.C., que ganhou força muito depressa e, hoje, já conta com mais de 300 adesões. Ontem, vários desses atletas estiveram reunidos pela primeira vez e deram um primeiro passo importante. Mantiveram o pedido de reunião com a CBF e aprovaram os cinco pontos centrais de discussão, que são:

1- Calendário do futebol nacional
2- Férias dos atletas
3- Período adequado de pré-temporada
4- Fair Play Financeiro
5- Participação nos conselhos técnicos das entidades que regem o futebol

Estou absolutamente empolgado que isso esteja acontecendo, tanto pelo potencial de melhora do nosso futebol quanto pela aproximação entre "mundo do futebol" e "mundo real". É preciso haver uma conscientização de que os que estão lá não são "peladeiros ganhando R$300 mil para nada", mas artistas pressionados 24h por dia, com a imagem e os corpos expostos a porradas o tempo inteiro e com uma carreira que dura em média apenas 15 anos. Fora os finais de semana e feriados perdidos, viagens cansativas e infindáveis e as insuportáveis concentrações.

Não digo "coitados", mas é preciso saber que aquele sonho dourado de todo menino não é tão dourado assim e que, no fundo, eles são profissionais igual e totalmente diferente de todos os outros. Mas luta válida é luta válida, seja dos professores ou dos profissionais da bola. O futebol educa - tanto ou mais que qualquer outra atividade neste país.

Aguardemos e vamos discutindo.

"Bom Senso Futefol Clube,
Por um futebol melhor.
Para quem joga,
Para quem torce,
Para quem transmite,
Para quem patrocina.
Por um futebol melhor para todos."




Por Beto Passeri.








quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Estadio Chile


Como um viciado em efemérides, não poderia deixar passar a data de hoje em branco. O 11 de setembro será sempre lembrado mundialmente como o dia em que dois aviões colocaram abaixo dois dos maiores prédios dos Estados Unidos da América, tiraram milhares de vidas inocentes e instalaram o caos em todos os cantos do planeta em nome de um fantasma nunca superado, o do terrorismo. Lamúrias à parte, algo na minha formação escolar ou no meu interesse pessoal sempre reteve mais minha atenção em outro 11 de setembro, o chileno. 

Poucos sabem, mas foi também num dia 11 de setembro, o de 1973, há exatos 40 anos, que as forças armadas chilenas, apoiadas pelos EUA e lideradas pelo general Augusto Pinochet, bombardearam o Palacio de La Moneda para instalar um dos regimes militares mais sanguinolentos que a América Latina conheceu. É nesse episódio que o único presidente socialista eleito democraticamente na História perde a vida num gesto simbólico. Salvador Allende se recusa a deixar a sede presidencial e atira contra si mesmo após declarar: "Colocado em uma transição histórica, pagarei com minha vida a lealdade do povo. E os digo que tenho a certeza de que a semente que entregaremos à consciência de milhares e milhares de chilenos não poderá ser cegada definitivamente. Trabalhadores de minha Pátria! Tenho fé no Chile e em seu destino. Superarão outros homens nesse momento cinza e amargo onde a traição pretende se impor. Sigam vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor."

Poucos dias depois, espumando no poder, Pinochet ordena caça imediata a rebeldes e, entre eles, estava o personagem que mais me interessa no dia de hoje: Víctor Jara. Jara era poeta, professor, ativista e cantor popular - muito popular -, sobretudo de músicas de protesto. Era a voz da época em que se inseria o país. Mal comparando, uma espécie de Chico Buarque chileno. 

Os presos geralmente eram levados para o Estádio Nacional, que perdera o cunho esportivo para se tornar algo parecido com um campo de concentração. Jara não resistiu até lá. Identificado nesse meio tempo, o cantante de multidões morreu num palco que não estava à sua altura, o acanhado Estadio Chile, que viria a se tornar o atual Estadio Víctor Jara. Depois de muita surra e pouco antes de 44 balas perfurarem seu corpo, Jara conseguiu escrever em duas folhas de papel, copiadas e escondidas por outros dois detentos. Uma das cópias foi salva e percorreu o mundo. Trata-se do poema Estadio Chile (nome dado posteriormente), que retrata o microcosmo do terror que viveu Jara e, direta ou indiretamente, todos os chilenos e, mais ainda, todos que passaram pela experiência de um regime antidemocrático. 


Estadio Chile (original/tradução livre)

Somos cinco mil aquí  (Somos cinco mil aqui)  
en esta pequeña parte la ciudad. (nesta pequena parte da cidade)
Somos cinco mil. (Somos cinco mil)
¿Cuántos somos en total (Quantos somos no total)
en las ciudades y en todo el país? (nas cidades e em todo o país?)
Sólo aquí, (Somente aqui,)
diez mil manos que siembran (dez mil mãos que semeiam)
y hacen andar las fábricas. (e fazem andar as fábricas)
Cuánta humanidad (Quanta humanidade)
con hambre, frío, pánico, dolor, (com fome, frio, pâncio, dor,)
presión moral, terror y locura. (pressão, terror e loucura.)

Seis de los nuestros se perdieron (Seis dos nossos se perderam)
en el espacio de las estrellas. (no espaço das estrelas)
Uno muerto, un golpeado como jamás creí (Um morto, um surrado como jamais pensei)
se podría golpear a un ser humano. (que se podia surrar um ser humano)
Los otros cuatro quisieron quitarse (Os outros quatros quiseram acabar)
todos los temores, (com todos os medos)
uno saltando al vacío, (um saltando no nada)
otro golpeándose la cabeza contra un muro (outro batendo a cabeça num muro)
pero todos con la mirada fija en la muerte. (mas todos com o olhar fixo na morte.)
¡Qué espanto produce el rostro del fascismo! (Que espanto causa a cara do fascismo!)
Llevan a cabo sus planes con precisión artera (Eles levam a cabo seus planos com precisão cirúrgica)
sin importarles nada. (sem se importar com nada.)
La sangre para ellos son medallas. (O sangue para eles é uma medalha)
La matanza es un acto de heroísmo. (A matança é um ato de heroísmo.)
¿Es este el mundo que creaste, Dios mío? (Foi este mundo que você criou, meu Deus?)
¿Para esto tus siete días de asombro y de trabajo? (Para isso teus sete dias de assombro e trabalho?)
En estas cuatro murallas sólo existe un número (Nestas quatro paredes só existe um número)
que no progresa. (que não progride.)
Que lentamente querrá más la muerte. (Que lentamente vai querer mais morte.)

Pero de pronto me golpea la consciencia (Mas de repente me toca a consciência)
y veo esta marea sin latido (e vejo esta maré sem batidas do coração)
y veo el pulso de las máquinas (e vejo o pulso das máquinas)
y los militares mostrando su rostro de matrona (e os militares mostrando sua cara de matrona)
llena de dulzura. (cheia de doçura)
¿Y México, Cuba y el mundo? (E México, Cuba e o mundo?)
¡Qué griten esta ignominia! (Que clamem contra essa atrocidade!)
Somos diez mil manos (Somos dez mil mãos)
menos que no producen. (a menos que não produzem.)
¿Cuántos somos en toda la patria? (Quantos somos em toda a pátria?)
La sangre del compañero Presidente (O sangue do companheiro Presidente)
golpea más fuerte que bombas y metrallas. (bate mais forte que bombas e metralhadoras.)
Así golpeará nuestro puño nuevamente. (Assim nosso punho baterá novamente.)

Canto, qué mal me sales (Canto, quão mal canto)
cuando tengo que cantar espanto. (quando tenho que cantar espanto.)
Espanto como el que vivo (Espanto como o que vivo)
como el que muero, espanto. (como o que morro, espanto.)
De verme entre tantos y tantos (De me ver entre tantos e tantos)
momentos de infinito (momentos de infinito)
en que el silencio y el grito (em que o silêncio e o grito)
son las metas de este canto. (são as metas deste canto)
Lo que veo nunca vi. (O que vejo nunca vi.)
Lo que he sentido y lo que siento (O que senti e o que sinto)
harán brotar el momento... (farão florescer o momento...)


Víctor Jara cantando 'Te recuerdo Amanda', uma de suas canções mais famosas.





Por Beto Passeri.












segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Conto de uma renascença


                                                                                                                                 
Onde descansou por anos o odor cadavérico, hoje resplandecem levianos urros fanáticos. Um absurdo, sem dúvida – contestam desavisados que passam por aquele monumento de concreto e grama próximo à estação Ñuble, na linha verde do metrô de Santiago. Logo nesta cidade, capital mundial dos direitos humanos, que celebra a faca que apunhalou seu povo para a mão opressora nunca mais desferir golpes. Além dos estrondos monumentais que assolam a vizinhança sempre que o placar muda, ainda há uma corja de desocupados, velhos e obesos que buscam o sótão maior das Forças Armadas e de Ordem para se exercitar (ou pelo menos dizem isso a suas esposas, quando na verdade a motivação maior é o álcool posterior): postura bestial – alardeiam as mesmas vozes vãs.

Depois que o sonho da Via Chilena para o Socialismo se esvaiu perante o bombardeio da Junta Militar, no dia 11 de setembro de 1973, o Estádio Nacional de Santiago se tornou uma espécie de campo de concentração do regime. Uma Auschwitz para subversivos – vale lembrar que a ditadura comandada por Augusto Pinochet foi tardia e, portanto, eram muitos os exilados de outras nacionalidades nessas terras. A cúpula reunia aeronáutica, marinha, exército e polícia e assumiu o poder atacando o único presidente socialista eleito pelo voto popular da História. A perseguição aos opositores ao regime ditatorial foi sanguinária e o numero de mortos, espantoso.

Nos mesmos metros onde os corpos fuzilados pelos militares despencavam ainda quentes, hoje é possível jogar futebol amador. Sim, qualquer perna-de-pau que resolver convidar os amigos e alugar o campo pode fazê-lo. Na psicologia pragmática desses dias, uma afronta. Além disso, a Universidad de Chile (campeã da Copa Sul-Americana de 2011 que não possui estádio) também aluga o espaço para mandar suas partidas. A velha tendência à carnavalização dos trópicos, bradam os mesmos indignados que, agora, após se decepcionarem com os novos usos do complexo esportivo, não disfarçam o asco com as tendas de comerciantes de rua que lotam as calçadas próximas ao terminal.

Após a última partida do dia, o terreno descansa frio. Distante do calor das têmporas que ali repousavam ou da pólvora assassina que atravessava cérebros que, por mais inverossímil que pareça hoje, acreditavam em um mundo melhor, igualitário. Como dorme tranquilo o solo amaldiçoado pela vaidade totalitária?

Os queixosos visitantes, neste momento já em seus hotéis, consomem o futebol como lhes é peculiar: comprando camisas em páginas de compras coletivas na internet ou comentando uma reportagem sobre a queda do treinador do time rival, postada em algum site de esportes. Em seus países, não vão aos jogos de seus times – é muito perigoso. Preferem a caipifruta do bar bacana da praça. Publicam, no entanto, nas redes sociais, sempre comentários sobre futebol. São fanáticos.  


Mal sabem que a paz que atualmente jaz nos gramados e arquibancadas do Estádio Nacional é fruto de cada alegria e tristezas vividas por quem atravessa agora aqueles portões. Porque sim, essa é a função primordial do esporte, reviver o grunhido primal, liberar catarses. Ninguém no Chile questiona a nova existência do templo da barbárie ditatorial. Do extrato etéreo que sai dos poros, dos gritos e dos pés de quem agora vivencia o monumento que tem os Andes como pano de fundo é feita a redenção de um povo e de uma construção. E os queixosos? Esses nunca vão entender.

por Helcio Herbert Neto.                                                                             

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Só até o fosso

Professores em manifestação no Rio: movimentos não chegam ao futebol (Tomaz Silva/Agência Brasil)

 Ao som de My Generation - The Who

A canção se encaixa perfeitamente nesse nosso tempo. É bem verdade que ela foi feita sob o teto de um mundo que passava por espasmos muito mais convulsivos do que os que hoje abalam os alicerces cotidianos daqueles que cedo pela manhã já têm certeza que, pouco antes do jantar, vão poder desfrutar da notícias do dia no Jornal Nacional pela noite. A música foi feita enquanto muitos acreditavam que as unções lisérgicas de Thimothy Leary e as  armas do MR-8 mobilizavam massas. Havia ainda legiões que aguardavam a chegada da salvação que viria de outro mundo  alardeada por David Bowie no épico disco "The Ziiggy Stardust". A bateria insana de Keith Moon, no entanto, não passa impune aos ouvidos de qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade sobre o nosso agora.

A primeira geração do segundo milênio tomou às ruas. Não só no Brasil, mas no mundo. Nos Estados Unidos, a morte do garoto negro Trayvon Martin gerou manifestações, destruição de vidraças e choque com a polícia na Flórida. No Chile, toda semana, há cerca de três protestos no Centro de Santiago. No fim dos atos, um grupo autointitulado 'Los Encapuchados' destrói símbolos da opressão e do capital. No Rio, até a semana passado, a Câmara dos Vereadores foi ocupada em reação ao movimento de reação contra os avanços populares rumo ao fim do monopólio dos transportes na cidade balneário dos grandes eventos. Os professores da rede pública fazem uma das maiores greves dos últimos anos na tentativa reverter a comoção popular das jornadas de junho no país para o setor.

E o futebol? Nessas linhas cibernéticas, onde sempre tentamos enfatizar os pontos de interseção entre as manifestações políticas, culturais e sociais com o esporte do povo, hoje você não encontrará um brado esperançoso sobre a função deste nesse instante único do século. Muito pelo contrário: nos gramados descansam plácidos os conservadores. Exemplos como o do capitão Alex, do Coritiba, que se declarou contra a péssima administração da CBF são escassos, quase inexistentes. A Copa das Confederações e a vitória esmagadora do Brasil foi o marco final das jornadas que tomaram o país em junho deste ano.

E agora mais esse exemplo de conservadorismo no caso Sheik, do Corinthians. O fato evidencia, primeiramente, como o uso das imagens e alguns tipos de brincadeiras nas redes sociais de ídolos provocam comoções. Agora, ir ao treino do time, levando faixas contra o gesto e incitando a violência contra as práticas homossexuais é de uma falta de humanidade brutal. Ou falta do que fazer. Gostaria de dizer aos torcedores do Másculo Timão que sim, há homossexuais nos vestiários do atual Campeão Mundial. Senão no time profissional, na base. Assim como também há no meu Flamengo, ou em todos os outros times.

Até mesmo as bandeiras das torcidas cariocas que traziam mensagens políticas e esboçavam manifestações progressistas, como a da Palestina da Torcida Jovem Fla, desapareceram com a higienização dos estádios para a Copa do Mundo do ano que vem. Copa do Mundo que não terá, como todos já esperavam, negros nos estádios, bem com já não existe nos jogos de fim e meio de semana. O fenômeno é fruto do aumento do preço dos ingressos e do clima high society das novas arenas (que belo sinônimo para estádio, não?).

Com o grito abafado das torcidas e a dinâmica conservadora do futebol, parece que os ecos dos movimentos populares não se comunica com o que acontece dentro de campo. Não há ruídos após o fosso. Intocáveis, cartolas, jogadores e técnicos permanecem distantes desse anseio por mudanças, não protagonizado, dessa vez, por Pete Townshend, mas pelos Black Blocs e pela Mídia Ninja. Não é tentar causar, grande sensação, histeria. Só seria bom ver que os ídolos também falam da minha geração.

por Helcio Herbert Neto.