sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Pior é que tem razão




Ao som de: Lobão tem Razão - Caetano Veloso


Lobão é um nada. Ele mesmo proclama isso – em uma atitude digna de provocar uma escarrada insolente de Nietzsche, de quem ele afirma ser um seguidor. Por esse motivo, ele intitulou seu último livro como “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”. Ao se vangloriar de ser um vácuo, o cantor que outrora se dizia de vanguarda, ostenta a auto clemência, tão abominada pelo escritor alemão. Pois bem, em um Brasil de ilusões perdidas, até Lobão tem razão.

Nessa mesma obra, o músico critica uma casta de privilegiados que, na cultura nacional, são intocáveis. Gil, Caetano, Chico Buarque... Os mesmo de sempre, que flutuam entre a literatura, as canções, as peças teatrais e até a política. Grandes, sem dúvida, os componentes desse clube, na opinião de Lobão, aproveitam das leis de incentivo à cultura, do espaço extremo na mídia e da benevolência da opinião pública para disseminar a letargia.

O mais novo reacionário assumido (que, após ser entusiasta da fundação do PT e crítico feroz da Ditadura, agora detém uma coluna no panfleto conservador Veja) aponta que essa exaltação permanente acaba por inibir o novo, o espontâneo da cultura brasileira. Como uma árvore, de copa vasta e terreno fértil, que promove sombra aos brotos incipientes.

E nesta primavera, a bela folhagem proliferou a praga. O “Procure Saber”, conjunto constituído por esses expoentes, mobiliza o legislativo e o judiciário para impedir que biografias não autorizadas sejam banidas das livrarias. Acusam editoras e autores de expor a vida alheia como forma de garantir riqueza. Encabeçado por Roberto Carlos, além dos citados, Djavan, Milton Nascimento, Jorge Mautner, entre outros, impedem a publicação sem consentimento de seus protagonistas.

Censuram. Para nós, uma lástima. Trata-se de uma área que se expandia: as não ficções esportivas descortinavam verdades de atletas ainda despercebidas. Como a oferta de álcool nas mamadeiras de Garrincha, publicada por Ruy Castro, ou os demônios que perseguiam Casagrande durante seus surtos psicóticos empoeirados por cocaína, no livro escrito por Gilvan Ribeiro. Isso para não dizer de João Saldanha que, por meio do livro homônimo de João Máximo, começou a ter sua altivez política enaltecida, e com “Marighella”, de Mário Magalhães, ganhou consideração merecida pela preconização de greves e movimentos sociais pré-golpe de 1964. Entre tantas outras já impressas (e tantas que estavam por vir).

Cale-se página, cale-se linha, cale-se palavra. O alto clero ergue o dedo e o repousa sobre a boca, austero. Enquanto executa o gesto, destrói a idealização dos heróis que lutaram contra o zepelim de aço da opressão militar, desafiaram o mundo, tão desigual, ou que berravam que era proibido proibir. E de longe, um lobo, com escárnio, uiva.





Por Helcio Herbert Neto.

domingo, 6 de outubro de 2013

Labuta

Flamengo e Vasco empataram em 1 a 1 hoje, em Brasília: vida dura de torcedor(Marcelo Sadio/vasco.com.br)

Nem calcanhar rachado nem calos nas mãos. Da labuta diária, o único resíduo que se nota quando fora dos momentos de trabalho é o sorriso no canto do rosto. Caminha pelas ruas, vê as coisas da vida passarem em ritmo acelerado de internet, clica nos dias do calendário, tudo enquanto aguarda a tarefa que o espera  arar a terra, enterrar a semente e regar o canteiro. Pois assim são os dias de quem é completo e sabe disso: já que há os que sonham com ventos que não sopram e paraísos onde não se pode pisar. Logo, não são plenos em matéria, só em pensamento. Aguardam o ideal e não tateiam o próprio prazer do mal-hálito de uma manhã alegre, simplesmente.

Não é fácil cobrir o dorso com o manto após o dia de trabalho. Os sóbrios questionarão. Qual motivo tira o corpo da inércia e o faz caminhar dentro da roupa úmida até uma edificação monstruosa de concreto? O que quebra a preguiça e a comodidade da poltrona e tensiona os músculos da face em expectativa, derrota e vitória, em uma tarde de domingo, noite de sábado ou madrugada de quarta-feira? Com o sorriso dos embriagados e o aroma do desleixados ele vai bradar.

Porque eu te amo; onde estiver, estarei; ninguém cala esse nosso amor; e por você a noite inteira eu vou cantar. Por cima dos alicerces morais, dos percalços sociais ou vinganças políticas. Não adiantaria descansar em casa ou aproveitar o tempo com outras companhias, fazendo-se de desentendido.Porque é dessa ética laboral que brota o pacto único em suas multiplicidades e singular em suas pluralidades. Diversa e conturbada, assim deve ser a felicidade do humano  Real.

Não é motivado somente pelas idiossincrasias dela,  comum, amável, apaixonante e especial  que se torna necessária a peleja. É por mim e por ele, que agora entoa um canto puxado por um desdentado ao seu lado ou por uma facção criminosa. Enquanto houver trabalho a ser feito e intenção de convivência ali estará ele, diante do Sol, ou da água dos céus. Embora nem sempre de risadas e glórias seja aquela relação, é preciso ali estar, vivo e disposto ao que o jogo lhe servir no fim.

Quem despercebido for poderá não encontrar relação entre a inspiração maior dos poetas e a tarefa remunerada de qualquer um. Eu mesmo, assumo, não notara essa conexão até ser alertado por um amigo, com cheiro de vinho de loja de conveniência. De tão ébrio, nada entendi naquela madrugada que, sentada no meio fio, demorou menos a passar do que a ressaca do dia seguinte. Só após o raiar da manhã e metabolizar o álcool que compreendi a lição.

E todo o mundo fora daquele monstro urbano de cimento haverá de rir da imbecilidade daquele que comunga do assento duro, dos sofrimentos impalatáveis e das verdades que, em algum momento, terão de ser ditas. Em detrimento do prazer instantâneo do provolone à milanesa do botequim com pay-per-view, por vezes ele sente nos ombros um peso quase inclassificável. Respira fundo. O resultado pode virar até o fim do período. Ou no fim da temporada. De fato, por vezes acontece. Em outras, não.

Haverá dia seguinte, pois, sem marcas para recomeçar o labor, para enfrentar filas e olhares dos que, durante a espera por algo massivo e cinematográfico, abrem o jornal do dia seguinte e se queixam do palpável, possível. As respostas do cultivo serão tímidas, como um aceno, afago, olhar. Pódio cotidiano que só quem identifica no fomentar da paixão o sabor do ceifa terá facilidade de notar.


Por Helcio Herbert Neto.                                                                            

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O futebol educa: a vez deles


Há pouco mais de um mês, o meia Alex, do Coritiba, concedeu entrevista falando verdades - nada mais que verdades - a respeito do futebol brasileiro e seus graves problemas (confira no vídeo acima). Num tom bastante sóbrio e sereno, o camisa 10 deve ter incomodado muita 'gente grande' com palavras respaldadas em uma visão de dentro para fora, visceral, e em mais de dez anos de experiência europeia.

A entrevista repercutiu bastante e, em uma das discussões que tive, eu e um amigo falávamos sobre quem substitui sujeitos como Alex, como Juninho ou Seedorf (que nem brasileiro é). Bem poderíamos estar falando sobre a categoria deles e a nossa escassa oferta de meias (de craques, vai), mas era sobre liderança, e postura crítica. Como era de se esperar, nos desapontamos com nossas constatações. Acabei não tendo tempo para desenvolver a pauta e isso ficou registrado apenas na minha cabeça.

Eis que há pouco mais de uma semana, a CBF divulgou o calendário oficial de 2014 e, como sempre, causou espanto pela falta de sensibilidade; férias reduzidas, pré-temporada inexistente e datas espremidas para caber tudo num ano de Copa do Mundo no Brasil (confirmada há mais de quatro anos).

Mesmo numa época em que tudo parece "ao contrário", ou seja, caminhando para mudanças significativas, com milhões de pessoas a protestar nas ruas e novos paradigmas (sobretudo da mídia) expostos sem "teto baixo", não seria estranho se o futebol permanecesse flutuando acima de tudo, suspenso na avalanche de "bastas" e reivindicações. Durante a Copa das Confederações, auge dos protestos por todo o país, ouviu-se uma ou outra palavra de apoio comedida por parte dos jogadores, até porque ficaria feio não dizer nada sobre os que entoavam o hino nacional debaixo de bombas a poucos metros dos estádios. Nada muito além disso. O calendário da CBF, porém, parece ter sido a gota d'água num copo que, na real, deve ser uma piscina olímpica. Ao que interessa:

"Nós, atletas profissionais de futebol, com representantes em clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro, vimos, de forma oficial, demonstrar nossa preocupação com relação ao calendário de jogos divulgado na última sexta-feira (20) pela Confederação Brasileira de Futebol para o ano de 2014.

Devido ao curto período de preparação proposto e ao elevado número de jogos em sequência, decidimos nos reunir, de forma inédita e independente, para discutir melhorias em prol do futebol e da qualidade do espetáculo apresentado por nós a milhões de torcedores.

Queremos ser uma parte mais efetiva deste movimento que se faz extremamente necessário e, para tanto, solicitamos uma reunião com a entidade que administra o futebol brasileiro (CBF) para tratar de questões propositivas e de comum interesse.

Estamos convictos de que dar esse primeiro passo significa caminhar na direção do profissionalismo, da transparência e da busca pela excelência no futebol de alto rendimento praticado no Brasil.

Contamos com o apoio de outros atletas e convidamos todos os profissionais do futebol e apaixonados pelo esporte a se unirem a nós nesta iniciativa em benefício do futebol brasileiro.

Informaremos ao público o andamento e os resultados desta nova discussão assim que possível

Sem mais para o momento,"


E foi assim que 75 atletas deram início ao movimento Bom Senso F.C., que ganhou força muito depressa e, hoje, já conta com mais de 300 adesões. Ontem, vários desses atletas estiveram reunidos pela primeira vez e deram um primeiro passo importante. Mantiveram o pedido de reunião com a CBF e aprovaram os cinco pontos centrais de discussão, que são:

1- Calendário do futebol nacional
2- Férias dos atletas
3- Período adequado de pré-temporada
4- Fair Play Financeiro
5- Participação nos conselhos técnicos das entidades que regem o futebol

Estou absolutamente empolgado que isso esteja acontecendo, tanto pelo potencial de melhora do nosso futebol quanto pela aproximação entre "mundo do futebol" e "mundo real". É preciso haver uma conscientização de que os que estão lá não são "peladeiros ganhando R$300 mil para nada", mas artistas pressionados 24h por dia, com a imagem e os corpos expostos a porradas o tempo inteiro e com uma carreira que dura em média apenas 15 anos. Fora os finais de semana e feriados perdidos, viagens cansativas e infindáveis e as insuportáveis concentrações.

Não digo "coitados", mas é preciso saber que aquele sonho dourado de todo menino não é tão dourado assim e que, no fundo, eles são profissionais igual e totalmente diferente de todos os outros. Mas luta válida é luta válida, seja dos professores ou dos profissionais da bola. O futebol educa - tanto ou mais que qualquer outra atividade neste país.

Aguardemos e vamos discutindo.

"Bom Senso Futefol Clube,
Por um futebol melhor.
Para quem joga,
Para quem torce,
Para quem transmite,
Para quem patrocina.
Por um futebol melhor para todos."




Por Beto Passeri.