quinta-feira, 31 de maio de 2012

Clic


O olhar perdido no sofá acompanha a vontade imperante de não se levantar. O 'emprego dos sonhos' já nem parece tão fabuloso assim considerando as toneladas que pesam sobre as costas. Um gole insípido d'água, mil pensamentos amargos na cabeça. O espelho não disfarça a expressão abatida e o desânimo de quem já não sabe mais o que fazer. As conquistas honrosas, as batalhas Aflitas, as derrotas de outrora não parecem ajudar em absolutamente nada. Talvez as experiências só servissem mesmo para livros de auto ajuda.

Um ideal, um lema, uma missão. Renovação, arte e vitória, era isso que queriam. Possível era, sabia; um tanto complexo, imaginava. Mas não era para ser tão custoso, sentia na pele. Onde havia falhado? Deveria mesmo estar ali? Em diversas ocasiões era mais importante que o próprio presidente, afinal trabalhava com paixões. Sempre trabalhou, mas agora um país inteiro estava em suas mãos, em suas ideias e atitudes, como num quadrinho de super-heróis. O Mundial que serviria para espantar um fantasma de mais de 60 anos dependia disso.

A dúvida sobre o futebol brasileiro pairava o planeta, mas a culpa não era sua. Ou era? Uma safra ruim, inaproveitável, ou um erro de medida? Qual era a medida? Não queriam os melhores? Ou eram os que tinham um longo futuro pela frente? A experiência, não precisávamos dela para fazer um certo contraponto? Não havia resposta em canto algum de sua sala, em voz alguma de sua agenda telefônica e, cá entre nós, em lugar nenhum do país. Azar o seu, que era o representante daquele fracasso. Símbolo de uma tentativa frustrada de recomeço, digna de dó. Talvez perdesse o emprego antes do ato final, o que nem sabia dizer se era melhor ou pior. Adormeceu.

Dois anos depois, o sorriso está estampado no rosto antes mesmo de o despertador tocar. Ainda deitado num quarto de hotel no coração dos Estados Unidos, não conseguia acreditar em como as coisas podem mudar em uma velocidade assombrosa. Sabia que tinha muita coisa importante pela frente, mas não era possível conter a felicidade diante dos fatos. Agora estava do outro lado, talvez houvesse, sim, uma saída feliz. Recebera elogios na noite anterior, coisa que não acontecia desde, sei lá, não se lembrava.

Lavava o rosto lentamente, mais para remover alguma coisa da pele do que propriamente para despertar. Queria tirar aquela ilusão da face, mas não sabia como. Mergulhara nela e agora iria fundo até onde conseguisse. Como era bom sonhar de novo, como era bom acertar. Já podia se ver segurando uma medalha que nenhum outro segurara, concedendo entrevistas atrás de entrevistas e explicando a fórmula do sucesso. De repente, voltou seu olhar para a própria imagem no espelho. Mudou a fisionomia. E o que diria? Qual era a fórmula do sucesso? Minha nossa, qual era o seu mérito, onde entrara seu dedo? Tentou fazer uma cronologia mental de seus passos laborais, mas não conseguiu.

Sem mais nem menos, começou a chorar. As incertezas voltaram. Não sabia se estava feliz ou triste, aliviado ou aflito. Não sabia se era seu trabalho ou sorte por trás daquele sucesso. Se era um ou o outro, também o foi no momento mais difícil. Incompetência ou azar? Uma mistura dos dois? Queria ser menos democrático e mais direto com relação a isso, mas não podia. O que fizera, o que fizera? Seus pensamentos acelerados atropelavam a linha de raciocínio que tentava construir. Não dá. Talvez fosse melhor se contentar com o fato de que algumas coisas simplesmente não têm resposta, afinal já estava faminto. Clic. Apagou a luz, fechou a porta e desceu para tomar o café da manhã.



Por Beto Passeri.

























domingo, 27 de maio de 2012

O Fim das Nações


Sexta-feira. Os relógios marcam cinco horas da tarde. Um exército invade a capital espanhola por duas frentes. Ávidos por uma revanche esperada por séculos, chegam obstinados ao front. O oponente não está presente: deu-se por vencido em batalhas passadas. Não foi capaz de fazer frente ao ímpeto dos oprimidos que encontraram na fragilidade atual do inimigo hegemônico secular uma oportunidade de vencer. A chance de derrubar limites impostos e desmentir inverdades que durante anos foram usadas como agente alienante da verdadeira condição popular. Não, eles não eram iguais. Não, eles não pertenciam ao  dominante. E quando os dois exércitos aliados se encontraram no plano campo verde, finalmente tomaram consciência de sua liberdade.

À beira do rio Manzanares, o contingente catalão e basco estende a bandeira da independência. O cenário mostra uma revolta sem o romantismo de outrora, com um simples suspiro de alívio. O estádio Vicente Calderón, no coração de Madrid, foi escolhido para ser a sede  do desfecho da batalha, sob a máscara de final da Copa do Rei. Representados por Barcelona e Athletic Bilbao respectivamente, os dois povos encontram no futebol a mais barulhenta maneira de se manifestarem contra a centralização espanhola e, por conseguinte, contra o ideal falido de Nação que ainda vigora no planeta.

Não há um discurso contra a ideia de pátria nem nas vozes vindas da Catalunha nem nas oriundas do País Basco. Por mais que sejam usadas, muitas vezes, como sinônimos, vale ressaltar a diferença entre as palavras Pátria e Nação. A primeira é um conceito concreto, delimitado por elementos topográficos, climáticos e linguísticos, por exemplo. A própria palavra tem como radical o mesmo que deu origem a palavra 'pai', demonstrando seu lado afável, sentimental. Por outro lado há a Nação, conceito artificial criado pelo Iluminismo, que tenta encontrar identidade em questões subjetivas e que serviu e continua servindo de motivação para o ódio e para a guerra ao redor do Planeta.

A prova maior de que os bascos não querem o fim da pátria é que o ETA, o grupo terrorista mais famoso que tenta pela força conseguir a independência, tem em sua sigla algo como 'Pátria Basca e Liberdade'. Por meio do terror, o grupo extremista nunca conseguiria tanta projeção quanto o clube de Bilbao alcançou em sua causa. Com um futebol envolvente que levou o  Athletic até a final também na Liga Europa, o elenco treinado por Marcelo Bielsa pôs em debate as questões que afligem o povo basco há séculos. E, quando observado o adversário do time Alvirrubro na final da Copa do Rei, a questão do nacionalismo espanhol é atingida de maneira mais voraz ainda.

O Barcelona, o time mais encantador do futebol atual, é o outro candidato ao título que esteve em campo em Madrid na sexta-feira. O catalão Barcelona, também envolvido por um espírito de identidade local, engrandece mais ainda a luta pela a revisão das fronteiras e a incandesce uma batalha mais abrangente: a extinção da visão nacionalista anacrônica na Era dos Arquivos MP3, na qual é cada vez mais fácil o fluxo de capital, de ideias e de pessoas. O sentimento de pertencimento é cada vez mais individual, menos subjugado à interesses alheios à vontade comunitária. O controle das massas se torna cada vez mais complicado.

Somados o anacronismo de uma monarquia e o enfraquecimento da economia europeia, é finalizada a obra-prima que foi o último episódio da temporada europeia de futebol. Um quadro real, mais iconoclasta do que todos os pintados por De La Corix. Ali, durante aqueles noventa minutos, celebrou-se o primeiro passo rumo a uma revisão de conceitos vazios, de ideias ocas. A final da Copa do Rei era tão representativa que gerou uma disputa política na confederação espanhola de futebol. Os finalistas sabiam o quão pulsante era aquele instante para a cultura basca e catalã e usaram de todos os seus poderes para jogar na capital da Espanha.

Obviamente o Barcelona não possui pouca influência no Planeta Bola. Maior campeão dos últimos anos, time festeja um novo estilo do jogo baseado no toque de bola, equipe que tem o melhor jogador da atualidade... todos predicados do maior clube do princípio do Século XXI. Foi por isso que o último jogo da competição eliminatória mais importante do reino de Juan Carlos lá aconteceu. Contudo, houve muita resistência para tal. O Real Madrid, eliminado pelo Barça antes de chegar à decisão, não aceitou que seu estádio fosse sede da cerimônia de libertação que aquela partida representava. Entretanto, nenhuma das pressões políticas foi capaz de silenciar a tomada da capital. Não dessa vez.

O jogo? 3 a 0 para o Barcelona, em uma apresentação invisível de Messi e grandiosa de Xavi e Iniesta. Pouco importa. O esporte foi veículo para a difusão de um brado estrangulado. Sem sangue, sem morte, a exposição das ideias só feriu àqueles presos ao velho Mapa Mundi. Na comunhão entre jogadores e torcedores que aconteceu no fim do jogo, foi registrado na História o marco inicial de novos tempos; quando fronteiras não impedirão o pensamento, quando governos não mais serão sinônimos de opressão lá estará também o futebol, para continuar sublimando e apaixonando seus fãs indecorosos.

Por Helcio Herbert Neto.
                                                                                                                    

domingo, 20 de maio de 2012

(Con)decorado pelos fatos


Parabéns, torcedores rubro-negros. Os números comprovam a belíssima fase do maior campeão carioca de todos os tempos. Embora tenha passado por alguns (pequenos) percalços no primeiro semestre de 2012, o Gigante Vermelho e Preto da Gávea continua a luzir, a brilhar no cenário do futebol, alcançando até destaque internacional. O campeonato brasileiro começa e tem no Flamengo um favorito incontestável. Basta ver os números, eles comprovam esse estado de graça do Flamengo atualmente. 

 Os dígitos começam a abençoar o time mais popular do Brasil quando são analisados os homens que estão dentro de campo. O time que representa a apaixonada torcida que tem na torcida sua fortuna é um dos mais caros do país. E não é para menos. O atual Camisa Dez rubro-negro é Ronaldinho Gaúcho, o eficientíssimo melhor do mundo de cinco anos atrás. Um craque participativo, com identidade firmada no clube. Não concorda? veja o dia da apresentação do craque em 2011. Ali havia uma multidão de fãs, milhares de foliões em um carnaval promovido pelo mais entusiasmado indivíduo naquele lugar. 'Agora eu sou Mengão'. Quanta sinceridade, que profundidade. 

O próprio mercado eleva o Flamengo. O preço cobrado para estampar a marca no 'Manto Sagrado' é altíssimo – Ora, trata-se do maior time do Brasil, a maior torcida do Mundo. O patrocinador ainda não chegou. Incompreensível. Será que os empresários não enxergam na organização britânica dos dirigentes rubro-negros uma catapulta para aumentar suas arrecadações? Sem um parceiro o clube segue com a camisa limpa, sem a poluição visual. Melhor assim. Ninguém precisa de investimentos desse tipo. 

E essa sequência de vitoriosas temporadas é conduzida por a uma mulher: Patrícia Amorim. A primeira presidente eleita nos grandes clubes do Rio, a segunda na história dos times do (falido) Clube dos Treze. Também não era para menos, Patrícia tem experiência na política, trabalha como vereadora. Cercada por outros dirigentes de competência inegável, a atual presidente salvou a imagem do Mais Querido após uma sequência de escândalos envolvendo os comandantes que passaram pela Gávea. 

O clube está intocável. A manutenção dos logradouros esportivos da sede da Gávea alcançou, finalmente, o profissionalismo. Sem contar a tão aguardada criação do Centro de Treinamento Não há cômodos, apenas os contêineres, mas é passageiro. Além disso, os esportes olímpicos passam por uma fase de ouro. Cielo,por exemplo, veste a touca vermelha e preta ao entrar nas piscinas. O Flamengo foi o primeiro colocado no Troféu Maria Lenk de 2012, uma espécie de brasileiro de natação. 

Com tudo isso fica fácil entender o porquê do afastamento de Zico no primeiro ano do mandato da atual presidente. O futebol não dá espaço para amadorismos. Ainda mais nessa época em que o mais praticado esporte no país está com o prestígio em alta. Nesses tempos de direitos milionários de televisão, um homem não pode ocupar um cargo de tanta importância somente por ser ídolo da torcida e por ser idôneo. Não . Zico foi perseguido pelo conselho fiscal que, de maneira competente, fez conseguiu fazê-lo abandonar seu time do coração. 

Houve a eliminação da Libertadores, a perda do Carioca. A última passagem constrangedora foi a acusação de um Zico magoado pelo afastamento sobre envolvimentos escusos da cúpula diretora do seu ex-clube com a Locanty. Logo duas entidades imaculadas, uma empresa de renome e a aclamada presidência. O rancor de ter tomado o antigo Camisa Dez. Mais um pequenos entraves. Imagine se isso apagaria o percurso dourado pelo qveual o Flamengo tem passado. Os fatos estão aí, desmentem esses críticos que só fazem por denegrir.

É, amigos. Tem gente que fala que contra fatos não há argumentos. Cuidado. Por baixo de perfumadas e invioláveis provas podem estar escondidas os mais malcheirosos interesses. Com factoides de adereços, os mais belos quadros são pintados e nos impõem a posição de meros espectadores. Não, meus caros: sempre há argumentos.


por Helcio Herbert Neto.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Vitória do Ruído



Esqueçamos, por alguns parágrafos, a origem do dinheiro. Sim, proponho (fato inédito nas cercanias virtuais desse esquecido blog) que não sejamos tão críticos nesse instantante   e somente durante o saltar dos olhos por essas linhas. Não há aqui uma salva de palmas à afirmação: 'o futebol é o ópio do povo'; o que existe nessas linhas é um suspiro quente e aliviado de quem prendeu a respiração por segundos centenários,  a  calma e o sorriso de canto de boca subsequentes. O sorriso do campeão, que tem no segundo posterior ao apito a redenção das filas irracionais, do sofrimento sem sentido, do amor sem nada em troca.

Poderia muito bem me referir ao primeiro tricampeonato de um time paulista após a Era Pelé conquistado pelo Santos ou ao título carioca do Fluminense depois de sete longos anos. Mas recorro a uma dor maior, mais longa. A uma sangria que durou mais de quarenta anos e contou com rebaixamentos, perda de importância no cenário nacional e uma invisibilidade agonizante. Recorro aos vizinhos do gigantesco e silencioso teatro dos sonhos. Ao arquirrival do hegemônico, do time azul e dourado que, de tanto fazer barulho, fez sucumbir demônio que o aterrorizou esteve no topo do futebol planetário.

Manchester City. O campeão da Inglaterra. Quem esperava por essa manchete há 3 anos? Não venham me dizer que aqueles que sempre lotaram o estádio City of Manchester acreditavam na cena que o capitão Kompany portagonizou com a taça na mão no fim do jogo de domingo. Não. Aquela multidão azul estava lá só para gritar, para incomodar a vizinhança educada e bem-sucedida. Estavam satisfeitos por celebrar a festa do futebol apesar de, obviamente, quererem reconquistar o título nacional.  E tiveram calma e pulmão. Calma para esperar e aceitar as provocação do United, pulmão para gritar mais alto que qualquer outra torcida na fria Grã-Bretanha.

Contrariando o esteriótipo do britânico polido, de expressões gestuais suaves, que evita chamar a atenção, os 'cidadãos' (ou citizens, para os adeptos do estrangeirismo) continuavam a gritar. Chegaram grandes atletas, nomes de importância no futebol. E eles não aumentaram o tom de voz. Nem podiam. Sempre utilizaram o máximo do seu potencial vocal. Toda segunda-feira era igual: dor de garganta, rouquidão. No trabalho, era sabido quem era torcedor do City. 'Esses mal-educados ainda atrapalham suas vidas profissionais por causa da insanidade dos dias de jogo'. Nunca iriam entender.

Continuaram a berrar. Veio o primeiro título após uma longa espera. Cantaram. Ainda não era expressivo, grande o suficiente para incomodar os Diabos que moravam ao lado. Cantaram mais. Ficaram entre os melhores do país, alcançaram a Liga dos Campeões. Gritaram. Foram eliminados pelo Napoli, o chão sumiu aos pés, o ano que parecia iluminado tremulou. Gritaram mais. Chegaram a ultima rodada dependendo só de si para irradiar todo aquele som para toda a Ilha da Rainha.

Tudo bem, campeão, sem fazer a terra tremer pelas cordas vocais? Impossível. Não para aquela multidão que nunca deixou de estar ao escudo alado. O time fraquejou no jogo final, foi apático. Os críticos já tiravam o pó das bandeiras que acusam os jogadores do Manchester City de mercenários e começavam a armá-las. Entretanto, não importava quem estivesse vestindo a camisa azul clara naquele dia. Ninguém poderia se abster daquela luta que já durava quase meio século. A luta daquelas olheiras de começo de semana contra a boca cheia de dentes. 

Deu-se a vitória do menor contra o maior, da inversão. Da irreverência de Mario Balotelli, da inconstância de Carlos Tevez, da vontade desmedida de Nigel de Jong. Contra um inimigo estratificado e hierárquico, surgiu o pouco usual. No lado menos condecorado de Manchester (nem mesmo há por aquelas bandas um título de Sir) surgiu a subversão, a sabotagem. Na hora em que o City levantou a taça o calendário foi marcado e, finalmente, o barulho venceu o silêncio.




Por Helcio Herbert Neto.