domingo, 25 de maio de 2014

Obrigado, Simeone

Foto: ACTION IMAGES


Respeito, mas não entendo como pessoas que gostam mesmo de futebol puderam torcer ontem para o Real Madrid. Se há uma possibilidade tão clara de título improvável, que reverte todas as expectativas do mundo da bola e abala os paradigmas do esporte bretão, por que diabos você vai torcer pelo óbvio? Justiça? Quem torce por justiça, não torce pelo futebol. Se você quer que o melhor vença, assista basquete. Sobretudo quando se trata de um duelo tão definido entre ricos, famosos e perfumados - representados por Cristiano Ronaldo - contra "pobres" (sim, perto dos outros elencos eles são miseráveis), sem grife e suados - liderados por Diego Simeone, um dos sujeitos mais cruéis e catimbeiros que vi jogar e, hoje, um técnico pra quem todos têm que bater palmas de pé.

Que me desculpe o Rica Perrone (e outros), que diz que o Atlético não joga futebol e que o Simeone é uma "invenção" da mídia. O Atlético não só joga futebol, como tira ele não sei de onde. Não que o time colchonero não seja bom, longe disso, mas ninguém ali é craque, e o que era para ser apenas um time chato desbancou a hegemonia de cifras astronômicas de Barcelona e Real no Campeonato Espanhol e, por 120 segundos, não dominou a Europa  por completo.

Simeone tirou leite de pedra; fez todos acreditarem que eram melhores do que realmente eram, comprou briga com árbitros, pediu apoio da torcida, xingou o preparador físico, o médico, o roupeiro e, enfim, fez do Atlético um time de Libertadores disputando a Champions League. Jogando 150% por jogo, porque se fosse só 120% não daria para chegar tão longe pela diferença técnica para os gigantes europeus. Faca entre os dentes 90 minutos por vez, derrubando um a um. E derrubando o mais poderoso deles, o Real Madrid, até dois minutos do fim, quando Sérgio Ramos acertou uma cabeçada milagrosa e empatou a partida, salvando Casillas e Cristiano Ronaldo de suas atuações pífias. Ali o Atlético entregou os pontos. O cansaço emocional se juntou ao físico, e o esgotamento completo do time de Simeone fez com que a prorrogação parecesse fim de pelada, culminando num injusto 4 a 1 para os merengues.

Fiquei triste, órfão da surpresa, sem assistir Davi derrotar Golias no Estádio da Luz. Faz parte. Foi épico do jeito que foi, e sempre que vejo o replay em câmera lenta do Sérgio Ramos subindo para a cabeçada eu fico pensando que deve haver explicações metafísicas para um movimento tão perfeito àquela altura do campeonato. A bola entrando a poucos centímetros da trave e poucos centímetros também da luva do goleiro Courtois. E tudo muda. Futebol...

De qualquer modo é interessante que, por dois anos seguidos, dois dos quatro finalistas da Champions tenham sido zebras com muito menos poder financeiro que os outros clubes. No campeonato de maior pompa do mundo, Borussia Dortmund e Atlético de Madrid provaram que suor e alma em campo ainda fazem diferença. E que o dinheiro compra quase, mas não tudo.


Por Roberto Passeri.





terça-feira, 13 de maio de 2014

Não existe processo

Jayme foi humilhado por uma diretoria retrógrada. (Gilvan de Souza/Facebook do Flamengo)


Há quem defenda bandeiras erradas por puro desconhecimento. Natural, diante da superficialidade desses dias. O que mais espanta são os informados, inteligentes e interessados, que vestem camisas, entram em confrarias e discutem em nome de mentiras. Enxergam em eventos esporádicos ou até em simples ato processos elaborados, inexoráveis.

O Flamengo reviu suas contas. Conseguiu pagar as dívidas que tinha com os cofres públicos, para ter acesso ao patrocínio. Só. Há quem garanta que parou de fazer contratações irracionais -- à revelia da presença no elenco de um desinteressado André Santos e de um tal Carlos Eduardo (lembra dele?). De resto, houve discurso. Adesão de grandes executivos de empresas impressionaram também e fez a atual cúpula gestora encarnar a velha promessa de novo mundo que vem pelas privatizações.

Traço sem continuidade, longe de compor o processo de modernização, bradado aos quatro ventos pelos cartolas e por outros, que só reproduziram as bravatas, sem refletir. Para aprovar os balanços dos últimos três anos, Patrícia Amorim e Bandeira de Mello se uniram. Nada que é progressista se junta com a ex-presidente do Flamengo, capaz de expulsar Zico de sua casa. Como se fosse lixo.

O pacto de não-agressão foi a condição para que as contas fossem aprovadas. Ambos os lados, situação e oposição, celebram o retrocesso. Ninguém investigará os possíveis investimentos escusos de Patrícia. Provavelmente, ninguém mergulhará em futuros desmandos da atual diretoria. E eis que o Flamengo despeja Jayme de Almeida, ignora o milagre operado na última Copa do Brasil e negligencia o rendimento de 62% que o treinador conseguiu com um elenco limitadíssimo em sua passagem.

Vem Ney Franco, o mesmo que sucedeu o trabalho de Waldemar Lemos, que colocou o Rubro-negro na final da Copa do Brasil em 2006 e também foi escorraçado. Jayme foi demitido por telefone, em seu dia de folga. O avanço que a gestão de Bap, Bandeira e Wallim mostrou-se pontual, tecnocrático. O Flamengo não virará uma potência porque falta caráter. O clube da Gávea é o mesmo de sempre, infelizmente.





Por Helcio Herbert Neto.                                                                       
















segunda-feira, 12 de maio de 2014

Saudades da Rainha




Simpatizo com quase tudo que venha da Inglaterra pelo simples fato de eu ter morado lá um tempo e esse tempo ter sido o melhor tempo da minha vida. Não tem um dia sequer que eu não sinta saudades da terra da rainha, de cada mínima experiência sensorial e até da pessoa que eu era lá (você nunca é a mesma pessoa).

Não gosto da ideia de um xeique árabe ou de um bilionário russo serem donos de dois dos principais times da Premier League. Mas também não gosto da máfia italiana, da máfia espanhola, da Unimed mantendo o Fluminense, da CBF administrando o futebol brasileiro, das licitações duvidosas para estádios e não gosto do bacana e popular Carnaval da Sapucaí - "o maior show da Terra" - ser controlado pelo jogo do bicho, ou seja, pelo tráfico de drogas do Rio de Janeiro. Assim como não gosto da Coca-Cola, mas há poucas coisas melhores para minhas ressacas. Menos ainda da exploração infantil em minas de nióbio na África para fabricar nossos inseparáveis smartphones. Infelizmente, o sistema é podre em princípio e já desisti de lutar contra ele há tempos. 

Voltando ao futebol: aos únicos que realmente importa ter o time controlado por um xeique - os torcedores do Manchester City - a coisa não está assim tão desconfortável, tanto que ontem havia faixas em homenagem a Mansour bin Zayed Al Nahyan, o homem que possibilitou o segundo título Inglês do clube em três anos.

Torci para o Liverpool por pura afinidade, mas é justíssimo que o City seja o campeão, pois é mais time, venceu mais, teve o melhor ataque, a segunda melhor defesa e tem aquele que é provavelmente o melhor meio campista da atualidade, o marfinense Yaya Touré.

Assisti o Fla-Flu horas depois do desfecho da Premier League e tive vontade de me dar um tiro, sobretudo por torcer pelo Flamengo. Sempre repudiei a adoração exagerada aos times e campeonatos europeus, mas preciso admitir que tenho acompanhado o Brasileiro por puro fanatismo e que vinha acompanhando o Campeonato Inglês porque gosto de futebol. Futebol mesmo. É como se você fosse obrigado pelo médico a só comer jiló, mas em um ou dois dias da semana você pode dar uma escapada e comer o que realmente é saboroso e se espera de uma refeição.

Estádios lotados em todos os jogos de absolutamente todas as rodadas; gramado impecável, times competitivos e equilibrados - mesmo os mais fracos -, o que resulta num campeonato disputado ponto a ponto até os últimos minutos da última rodada. No fim, para coroar, uma invasão de gramado clássica (veja aqui), com torcedores correndo para o meio do campo com copos de cerveja para dividir com seus ídolos e sinalizadores para colorir a festa.

Era o Campeonato Inglês das "novas arenas", do "público europeu" (uma das maiores bobagens que já escutei), do dinheiro de estrangeiros bilionários, mas era o melhor campeonato do mundo terminando em clima de Libertadores nos anos 80/90.

E a gente aqui no Brasil, para variar, fica como os otários, aqueles do 'complexo de vira-latas' do Nelson Rodrigues. Atrasados, revirando lixo, tentando enfiar o modelo dos outros no nosso e quebrando a cara, pois eles nunca se encaixam. Estádios vazios, ingressos caros para jogos sofríveis; um calendário lamentável com horários ainda mais lamentáveis. Dois ou três times que se salvam um pouquinho - justamente os que têm algum talento no meio de campo - e o resto todo brigaria para não cair mesmo diante do Hull City, Fulham e companhia, que são infinitamente mais organizados que o Flamengo - e longe de ser só o Flamengo - que vi ontem em campo.

Saudades da Rainha.



Por Roberto Passeri.























quinta-feira, 8 de maio de 2014

Começa a Copa

Reprodução/Facebook/Mowa Sports


Foram 24 os convocados pelo técnico Luis Felipe Scolari: Julio César, Jefferson e Victor; Daniel Alves, Maicon, David Luiz, Henrique, Thiago Silva, Dante, Marcelo e Maxwell; Luiz Gustavo, Fernandinho, Hernanes, Paulinho, Ramires, Oscar e William; Neymar, Bernard, Hulk, Jô e Fred. Por último, a gente. Em campanhas publicitárias e discursos políticos, é a hora de amarrar o amor nas chuteiras, cantar o orgulho e o amor de ser brasileiro.

Quem anda por aí, contudo, não notou esse ufanismo ao longo de toda a preparação. Isso não é novidade. E parecia que o relógio já estava nos acréscimos para que o jogo começasse entre o real e o midiático, nas ruas. Quando você esperava o ônibus hoje, antes do trabalho ou das aulas, não sabia que o pontapé já havia sido dado no Rio de Janeiro.


Talvez, vinte minutos depois, tenha percebido que tinha algo de diferente. Hoje, 24 horas de greve dos rodoviários. Em um futuro próximo, a promessa é de paralisação plena. Os garis ensinaram e os motoristas tomaram nota, atentos. Esperaram um momento de destaque internacional da cidade para trazer ao público o absurdo das jornadas duplas (condutor-trocador) e a dificuldade de repasse do banco de horas de trabalho extra. A convocação foi o estopim.


A tensão, de fato, descambou para a violência de motoristas e passageiros. O clima pesado culminou em depredação de veículos e discussões entre ambos. Como era previsto também. Essa relação só prejudica a adesão social ao movimento. Quanto aos veículos de imprensa, não se pode esperar nada além de uma abordagem caótica, onde é mostrado o transtorno causado, e não os anseios.


Professores das redes estadual e municipal já decidiram deflagrar uma parada na semana que vem. Até agora, nada de gente nas ruas -- nem para festejar a Copa do Mundo, nem para construir novos protestos como os de junho do ano passado. A movimentação acontece entre as classes. A bola já está rolando. Começa a Copa.


Por Helcio Herbert Neto.