segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Libertadores, o antídoto contra a caretice


Nem todos os times estrearam ainda, mas a bola já começou a rolar pelo maior torneio de futebol do planeta. Tratarei assim daqui para frente a Taça Libertadores, e justificarei o porquê para não ser perseguido pelos devotos da Champions League.

Numa sociedade onde cada vez mais “Time is money”, não há como escapar do consequente pragmatismo que isso gera. Se a pressa é inimiga da perfeição, não dá para negar que a lentidão, ou melhor, a calma, é inimiga do lucro. Lucro em todos os sentidos, não só financeiro propriamente dito, mas de conquistas sob todas as formas.

É aí que se encaixa o nosso ópio – o futebol –, que apesar de ser uma válvula de escape social, não foge às regras que ditam o ritmo da vida cotidiana. Eu podia jurar que isso era balela de uma geração passada e nostálgica, mas é mesmo incontestável que o futebol tem se tornado mais chato.

A força física, a disciplina tática, a falta de improviso e até a ditadura do politicamente correto contaminaram o esporte, sobretudo no Brasil, berço de um estilo completamente diferente. Mas não gostaria de pegar por esse ponto, até porque a pauta foi debatida incessantemente após o baile do Barcelona sobre o Santos no Mundial e se esgotou um pouco.

A questão é que a Copa Libertadores da América, ano após ano, aparece cada vez mais como o suspiro único de um futebol antigo em meio a tudo isso. Totalmente anacrônico, o torneio continental é uma afronta ao status quo do futebol e da sociedade. Longe de ser romântico, é verdade, longe de ter um futebol primoroso também, mas dono de um “futebol-futebol”.

A graça da Libertadores é ser assim mesmo, meio torta, marginal, mas verdadeira. Ela vai de encontro ao artificial, ao perfeccionismo martelado em nossas cabeças. A Champions League é legal de ver, sim, mas é espetacular demais, usa muita maquiagem.

O torneio europeu é aquela modelo de capa de revista, com cabelos dourados obedecendo a um penteado extravagante; com uma barriga impecável sob um decote ousado; quilos de pó sombreando os olhos mais brilhantes que as joias enormes penduradas em suas orelhas e em seu pescoço. Uma perdição, um “exemplo” para qualquer mulher e uma quimera para todo homem.

Mas aí você vira a esquina da banca de jornal e dá de cara com a Libertadores. A moça que saiu para passear com o cachorro do jeito que estava em casa. De short surrado e camiseta branca desbotada. Cada poro de seu rosto exposto pela falta de maquiagem, cada traço seu evidenciado pela ausência de bijuterias.
O cabelo preso displicentemente e os olhos castanhos formam o par mais charmoso que você já viu, mas ninguém sabe explicar bem o porquê. Ela talvez seja magra demais, não seja um exemplo de mulher gostosa, mas é real e chega a te comover.

Todos gostariam de passar uma noite com a “mulher Champions League”, mas acabariam namorando a Libertadores. A primeira tentaria manter sua pose de árvore de natal, mediria suas palavras e seria tão perfeita que torraria a paciência de qualquer um. A segunda, não. Ela seria assim mesmo, da forma como veio ao mundo, despreocupada, falaria o que pensa e faria algumas nojeiras na sua frente sem medo de receber um olhar de reprovação. Aí moraria o seu charme e, consequentemente, o desejo de todos os homens que não têm a pretensão de andar de mãos dadas com um quadro de exposição.

O torneio continental europeu, em sua grande maioria, é constituído por equipes que comem urubu e arrotam peru. Lindos estádios com campos macios, uniformes belíssimos, treinadores de postura, jogadores caros e... nada. No final das contas, Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique e uns cinco times que variam muito pouco serão os oito primeiros. É previsível, é hegemônico e, mais do que isso, o futebol está longe de ser o que pintam.

E, mesmo que fosse, a Libertadores ainda daria mais tesão. Os estádios são acanhados, os campos têm buracos, o futebol pode deixar a desejar, mas é o futebol verdadeiro, sem tentar servir de modelo. É o futebol que não se preocupa com o politicamente correto, que não faz fair play dentro de casa, que esconde as bolas quando está ganhando, que a altitude pode definir resultado e que, quando não dá na técnica, vai no coração. As torcidas fazem foguetório, o treinador invade o campo, o corpo de cada atleta treme da ponta do dedão ao último fio de cabelo. O gol irregular faz parte do jogo. Isso, para mim, é espontâneo, é da natureza humana, logo é futebol.

Já não consigo mais esperar para ver o Fluminense, time mais caro dessa edição, cair nas quartas de final para um time paraguaio com um gol de carrinho de um atacante anônimo. Não posso resistir à tentação de ver o atual campeão brasileiro passar sufoco para se classificar num grupo considerado fácil. E, acima de tudo, adianto os ponteiros só de imaginar a cara dos comentaristas que são verdadeiros videntes na Champios League, mas que “infelizmente” errarão todos os palpites nas oitavas de final da Libertadores.

Por Beto Passeri.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Revolução Silenciosa e o Azar dos Fatos



Sempre têm aqueles que mudam de opinião quando o resultado final anotado no placar desmente o modo de pensar anterior. Não é para menos. Desde que um pensador italiano, na metade do segundo milênio, sentenciou que vale tudo para alcançar um objetivo, a frase "o fim justifica os meios" pode ser ouvida em qualquer esquina, legitimando o ideal de que mais valem os resultados que os processos. Contudo, lá vem o universo do futebol, pródigo em apresentar alternativas. No caso, foi o Vasco que tratou e vem tratando de mostrar o grande valor das escolhas e da idoneidade do percurso.

O título do campeonato brasileiro de 2011 ficou com o Corinthians, todo mundo sabe. Mas o Vasco de Juninho e Felipe lutou bravamente pela taça até o último segundo do derradeiro jogo do segundo turno. Embora classificado para a Libertadores desde o meio do ano, quando venceu a final da Copa do Brasil, o time cruzmaltino permaneceu aguerrido. Garantiu um ano intocável, marcado por um espírito esportivo e por uma dedicação rara. Diferentemente de outros clubes que, acomodados com as faixas conquistadas no primeiro semestre, encararam o nacional de pontos corridos com ares de pré-recesso.

Passado o ano de 2011, as glórias decaíram sobre o campeão e o Vasco da Gama foi posto de lado. Atitude compreensível  na Sociedade do Resultado. Porém foi só começar o ano que a equipe de São Januário veio com mais uma atitude, mais gestos que ratificam aquela alma apresentada no ano passado. Enquanto o comportamento usual dos atletas diante do atraso dos pagamentos dos salários é uma passividade acompanhada do famoso corpo mole, o elenco do único time carioca da primeira divisão do brasileiro situado na Zona Norte resolveu ser ativo e digno. Na toada das greves e manifestações que aparecem desde o ano passado no Brasil e no Planeta, os homens que vestem a camisa da Cruz de Malta resolveram posicionar-se.

Como resposta a imperícia financeira dos dirigentes, o grupo de atletas resolveu não realizar a habitual concentração brasileira. Vale ressaltar que na Europa os jogadores se apresentam na manhã das partidas, exceto raras exceções. Essa informação só comprova o comprometimento dos vascaínos com seu trabalho, a preocupação em "honrar as cores do clube". Verdade é que o gesto em nada alterou o rendimento atlético em campo nas partidas que sucederam a decisão. O time é líder de seu grupo na Taça Guanabara e pode ser considerado um dos melhores do Brasil nessas primeiras fagulhas de futebol em 2012.

Contudo, veio a Libertadores e a primeira derrota no ano. Com certeza muitos esquecerão a capacidade técnica e tática que o Nacional do Uruguai mostrou na noite de quarta-feira. Esquecerão também as ausências de Rômulo, Alan e Fágner, jogadores de importância extrema, tanto na construção de jogadas de ataque quanto na solidificação do sistema defensivo. Entretanto, o mais triste é que muitos não esquecerão a altivez da  recusa à concentração do elenco. E é lógico que muitos ligarão a derrota a manifestação: erro de falsa causalidade. Sinceramente, torço para que tais opiniões não reprimam os debates e mudanças que a demonstração de personalidade desse grupo de homens deu início.

Por Helcio Herbert Neto.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

É bom tê-lo de volta


Para ler ao som de Oasis - Hello

Chega de jogos sonolentos, do martírio que se transformou (ou foi transformado pelos burocratas que tomam conta do esporte) o futebol nesse verão. Recomeça nessa segunda semana de Fevereiro a apresentação dos grandes times brasileiros nos nem sempre bem-cuidados tapetes verdes. É chegada a hora de voltar a se emocionar, de reencontrar as respostas perdidas do cotidiano no urro uníssono do gol e da vitória. Hora também de encontrar questões e soluções dentro das quatro linhas que possam iluminar, por que não, a vida humana, seja na esfera pública ou privada.

É verdade que os Campeonatos Estaduais têm sua beleza. Ver a bravura de atletas e torcedores de clubes menores que, apesar de abatidos por todas as situações adversas que suas condições lhes impõem, permanecem a batalhar, é encantador. Entretanto, a administração negligente das federações e clubes acaba por apagar até mesmo as raras faíscas de encanto que esses torneios possuem. O espírito aguerrido dos fanáticos pelos mais humildes clubes, por exemplo, a cada ano, está mais escasso, visto que os estádios mais modestos ou são interditados ou apresentam preços que não estão de acordo com a realidade do (ainda) subdesenvolvido Brasil.

A falta de comprometimento dos jogadores dos times grandes também auxilia a tarefa que os responsáveis pelos campeonatos regionais tomaram para si de prolongar, velada e erradamente, as férias dos profissionais de futebol. Só um flamenguista sabe o quão duro é ver um jogador como Ronaldinho se esconder na sombra da bandeirinha de escanteio, apenas um botafoguense sabe como é doloroso ver o voluntarioso Loco Abreu se esquivar de divididas, caminhar em campo. Aconteceu no clássico de domingo, mas também nas rodadas anteriores. Se para nós, que assistimos confortáveis aos jogos, a partida desce como uma pílula de Maracujina, para os homens que ali correm, sob o Sol impiedoso da mais quente estação tropical, os noventa  minutos tem efeito purgante.

O que será dito agora todos os envolvidos no meio já sabem, porém, tendo em vista a inércia que assola a estrutura do primeiro semestre do futebol tupiniquim, não custa nada reforçar. O calendário esquizofrênico do início do ano está enfraquecendo os intensos laços que ligam as agremiações de menor porte com a população apaixonada que as abraça. Em vez de incentivar a perpetuação dos Estaduais, quem os defende do modo atual está contribuindo para a sua extinção. Sob nosso olhos, vagarosamente, definham os torneios que deram início ao amor do país ao esporte que risca o gramado com uma bola nos pés. É necessária a diluição das partidas durante o ano, defendendo a manutenção das estruturas dos clubes menores ao longo dos doze meses, e a diminuição no número times nas primeiras divisões. Atualmente, cariocas e gaúchos assistem 16 times lutando pelo título. Em São Paulo são 20.

Todavia, finalmente, começa a fase de grupos da Copa Libertadores e, aos poucos, é dissipada a monotonia. Depois da gélida fase preliminar que Flamengo e Internacional tiveram de passar, é dada a verdadeira largada para disputa do mais importante troféu do continente. Terça-feira, no Engenhão, o Fluminense enfrenta o Arsenal de Sarandí e injeta ânimo no cenário do futebol, fatigado pelo longo período de sombras que tomou conta desses ares. É hora do reinício.

Olá, Futebol. É bom tê-lo de volta.

Por Helcio Herbert Neto.