Nem todos os times estrearam ainda, mas a bola já começou a rolar pelo maior torneio de futebol do planeta. Tratarei assim daqui para frente a Taça Libertadores, e justificarei o porquê para não ser perseguido pelos devotos da Champions League.
Numa sociedade onde cada vez mais “Time is money”, não há como escapar do consequente pragmatismo que isso gera. Se a pressa é inimiga da perfeição, não dá para negar que a lentidão, ou melhor, a calma, é inimiga do lucro. Lucro em todos os sentidos, não só financeiro propriamente dito, mas de conquistas sob todas as formas.
É aí que se encaixa o nosso ópio – o futebol –, que apesar de ser uma válvula de escape social, não foge às regras que ditam o ritmo da vida cotidiana. Eu podia jurar que isso era balela de uma geração passada e nostálgica, mas é mesmo incontestável que o futebol tem se tornado mais chato.
A força física, a disciplina tática, a falta de improviso e até a ditadura do politicamente correto contaminaram o esporte, sobretudo no Brasil, berço de um estilo completamente diferente. Mas não gostaria de pegar por esse ponto, até porque a pauta foi debatida incessantemente após o baile do Barcelona sobre o Santos no Mundial e se esgotou um pouco.
A questão é que a Copa Libertadores da América, ano após ano, aparece cada vez mais como o suspiro único de um futebol antigo em meio a tudo isso. Totalmente anacrônico, o torneio continental é uma afronta ao status quo do futebol e da sociedade. Longe de ser romântico, é verdade, longe de ter um futebol primoroso também, mas dono de um “futebol-futebol”.
A graça da Libertadores é ser assim mesmo, meio torta, marginal, mas verdadeira. Ela vai de encontro ao artificial, ao perfeccionismo martelado em nossas cabeças. A Champions League é legal de ver, sim, mas é espetacular demais, usa muita maquiagem.
O torneio europeu é aquela modelo de capa de revista, com cabelos dourados obedecendo a um penteado extravagante; com uma barriga impecável sob um decote ousado; quilos de pó sombreando os olhos mais brilhantes que as joias enormes penduradas em suas orelhas e em seu pescoço. Uma perdição, um “exemplo” para qualquer mulher e uma quimera para todo homem.
Mas aí você vira a esquina da banca de jornal e dá de cara com a Libertadores. A moça que saiu para passear com o cachorro do jeito que estava em casa. De short surrado e camiseta branca desbotada. Cada poro de seu rosto exposto pela falta de maquiagem, cada traço seu evidenciado pela ausência de bijuterias.
O cabelo preso displicentemente e os olhos castanhos formam o par mais charmoso que você já viu, mas ninguém sabe explicar bem o porquê. Ela talvez seja magra demais, não seja um exemplo de mulher gostosa, mas é real e chega a te comover.
Todos gostariam de passar uma noite com a “mulher Champions League”, mas acabariam namorando a Libertadores. A primeira tentaria manter sua pose de árvore de natal, mediria suas palavras e seria tão perfeita que torraria a paciência de qualquer um. A segunda, não. Ela seria assim mesmo, da forma como veio ao mundo, despreocupada, falaria o que pensa e faria algumas nojeiras na sua frente sem medo de receber um olhar de reprovação. Aí moraria o seu charme e, consequentemente, o desejo de todos os homens que não têm a pretensão de andar de mãos dadas com um quadro de exposição.
O torneio continental europeu, em sua grande maioria, é constituído por equipes que comem urubu e arrotam peru. Lindos estádios com campos macios, uniformes belíssimos, treinadores de postura, jogadores caros e... nada. No final das contas, Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique e uns cinco times que variam muito pouco serão os oito primeiros. É previsível, é hegemônico e, mais do que isso, o futebol está longe de ser o que pintam.
E, mesmo que fosse, a Libertadores ainda daria mais tesão. Os estádios são acanhados, os campos têm buracos, o futebol pode deixar a desejar, mas é o futebol verdadeiro, sem tentar servir de modelo. É o futebol que não se preocupa com o politicamente correto, que não faz fair play dentro de casa, que esconde as bolas quando está ganhando, que a altitude pode definir resultado e que, quando não dá na técnica, vai no coração. As torcidas fazem foguetório, o treinador invade o campo, o corpo de cada atleta treme da ponta do dedão ao último fio de cabelo. O gol irregular faz parte do jogo. Isso, para mim, é espontâneo, é da natureza humana, logo é futebol.
Já não consigo mais esperar para ver o Fluminense, time mais caro dessa edição, cair nas quartas de final para um time paraguaio com um gol de carrinho de um atacante anônimo. Não posso resistir à tentação de ver o atual campeão brasileiro passar sufoco para se classificar num grupo considerado fácil. E, acima de tudo, adianto os ponteiros só de imaginar a cara dos comentaristas que são verdadeiros videntes na Champios League, mas que “infelizmente” errarão todos os palpites nas oitavas de final da Libertadores.
Por Beto Passeri.