sábado, 29 de setembro de 2012

A Onda e o Imperceptível


Saltam aos olhos as ondas do mar. De longe, o que se destaca é a curva que se desenha no horizonte e vai progredindo e afinando até se chocar contra o chão. É claro que a espuma, seja ela espessa de dia de ressaca ou fina de manhã de bonança, passa despercebida em meio à imensidão azul e ao volumoso som das pancadas da arrebentação. Por incapacidade da percepção humana, algo escapa, dissolve no ar, embora sólido. Inevitável.

Não há dúvidas sobre a volúpia do movimento que toma conta do Rio de Janeiro. Por mais que a liderança de Eduardo Paes seja quase inviolável, austera (como seu governo e sua condução da dinâmica social, mas isso deixemos para outras conversas...), um clamor por uma política mais humana na sede da Olimpíada de 2012 vem crescendo. A figura de Marcelo Freixo ganha cada vez mais força entre jovens. Isso é notável, basta andar pelas redes sociais ou pelas ruas que é possível entender o impacto desse movimento.

Essa onda é, em muito, motivada pela consciência da importância desses próximos anos pra história da cidade. Sim, é necessária a mudança na gestão, a troca de um síndico, um administrador que se vincula a pequenos cartéis que comandam setores que impedem o desenvolvimento da cidade (a situação dos transportes é o mais representativa: preço alto, serviço péssimo) por um político que entenda as nuances do lado social.

Mas na moldura clara e simples das eleições, há um aspecto que também se esconde e é notado por muitos poucos. Apesar da crescente tomada de posição dos cariocas sobre a visão mais humanizada do fazer político, outro candidato de posição semelhante, porém mais radical que Freixo, sofre uma injustiça monumental, sem dúvida a maior desse processo eleitoral.

Cyro Garcia, nome do PSTU para a disputa à prefeito, não foi a nenhum dos debates televisivos já realizados. Vale ressaltar que, no princípio do período eleitoral, ele possuía a mesma porcentagem de votos que Aspásia Camargo, do PV. Obviamente, com a projeção oferecida pelos programas, a candidata “verde” conseguiu ultrapassar a marca inicial, subindo um ou dois pontos percentuais.

Qual o critério de seleção para os debates? O apelo e número de votos ou engajamento com o pensamento “bacaninha” da zona sul? Cyro realiza uma campanha nas redes sociais pra conseguir participar de pelo menos algum desses programas, o que realmente seria bom, pelo bem daquilo que alguém um dia chamou de democracia. Alguém que hoje parece estar bem longe, no além do horizonte. Nas ilhas Cagarras, talvez.










Por Helcio Herbert Neto.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Voo das oito

Foto: rioacima1.blogspot.com.br
Pink Floyd - Wish You Were Here
Este texto deveria ter entrado no blog ontem, mas por motivos de força maior isso só aconteceu hoje.

Ele ainda não havia aberto os olhos, mas já tinha a exata dimensão de sua ressaca moral. Antes de permitir que o feixe tímido de luz pousado no quarto fizesse contato com sua pupila pela primeira vez, foi puxando tudo pela memória. Infantilmente, tentou burlar a própria consciência refazendo os flashes que tinha na cabeça de forma que soassem menos frustrantes. 

O que era para ser um exercício de redenção, no fim das contas saiu pela culatra. E aí, junto com a primeira claridade do dia queimando a retina, e o toque insuportável do despertador, vieram à tona: o convencimento do fiel escudeiro, a brisa da Guanabara e do Aterro soprando de volta a sobriedade até o destino final, Ipanema. Não o bairro dos cartões postais, mas o de um glamour soturno, obsceno. Na areia, a fumaça do último cigarro descortinou a lata quente de cerveja em primeiro plano, e a lua, desajeitada, ao fundo. Ela não vem.

Ela partiu no voo das oito. Com respeito, houve aviso prévio, mas despedidas, sentimentalismo, nem pensar. Não fazia o estilo dela. Ele não sabe muito sobre o estilo dela. Talvez nem ela saiba, e por isso seja excessivamente atraente. Aliás, as mulheres, quem as criou? Deus, ou qualquer coisa do tipo, é um gênio demoníaco. O mundo pode se esforçar o quanto for para banalizar peitos e bundas, mas nunca conseguirá borrar a beleza dos detalhes. O cabelo mal preso e as mãos sutis a consertá-lo, o dente apertando o lábio inferior - ansiedade ou tesão? -, e o perfume que não se crê notado, mas salva vidas por acaso...séculos de existência e linguagem das mais variadas formas e nenhum maldito inspirado conseguiu me ser convincente ao descrever nosso estado de espírito quando tudo isso está bem diante dos olhos.

Voltamos ao ponto. O tempo curto pré-determinado torna a relação estratégica e forma uma espécie de paixão calculista, onde não existe necessidade de se defender, mas paira constante o medo do fim. Ele nunca foi bom estrategista. Em duas noites, negligenciou tudo que (não)aprendera. Ela partiu no voo das oito, e doeu. Hoje, mais uma segunda-feira em que a ressaca sussurra a tortura cotidiana ao pé do ouvido.

O que isso tem a ver com futebol? Com sinceridade, absolutamente nada. Mas, às vezes, a não menção é, por si só, um excelente discurso.


Por Beto Passeri.
 










quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Profissão Nômade

Existem profissões capazes de serem executadas durante anos pelo mesmo profissional, na mesma empresa. Um trabalhador é capaz de conviver dez anos no mesmo ambiente, com  as mesmas pessoas, sem entrar no mérito da obrigação e da monotonia que sua vida pode se tornar, mas se for preciso ele fica.

No futebol as coisas são um pouco diferentes. Até existem os jogadores que passam cinco, dez, vinte anos no mesmo clube, criam vínculo, se tornam ídolos devido ao tempo de permanência na equipe, mas a maioria costuma jogar por diversos clubes, ficando por períodos curtos em cada um. Fico imaginando o desgaste, a dificuldade que é para esse jogadores trocar de cidades, estados, países ou até continentes constantemente. Para a familía, então. Imagina um jogador com filha(o) e esposa. Ter que ficar escolhendo escola, academia, hobbys por cada cidade que passam. Perder as amizades que fizeram, a casa que montaram, enfim, mudar tudo em função da profissão que lhe sustenta.

Mas aí chegamos na profissão mais nômade de todas, e no assunto central: o técnico de futebol. Existe alguém capaz de ficar menos de dois meses em uma empresa, não por competência, mas sim por uma simple escolha do seu superior. Escolha baseada em nenhum motivo que lhe condiz, e sim por uma questão cultural de que tudo que acontece no time a culpa recai sobre você? Sim, no futebol tudo é possível.

Casos recentes como o de Cristóvão Borges, ex-técnico do Vasco, retratam bem como é a profissão de técnico, mais específicamente no Brasil. Cristóvão assumiu o Vasco em 2011, após o então treinador Ricardo Gomes sofrer um AVC. Desde então, o time de São Januário nunca esteve fora da zona de classificação para a libertadores. Em 2012, o treinador teve perdas significativas no elenco, a diretoria não repôs à altura, o time teve uma queda de rendimento, mas, mesmo assim, sua pior posição era o quarto lugar. Cristóvão não tinha a simpatia da maioria da torcida, que alegava que ele fosse retranqueiro e constantemente o chamava de burro. Mas como pode um cara que coloca o time no G-4 por 48 rodadas, com um time desfigurado ser ruim? Coisas de "torcedor". Enfim, a goleada contra o Bahia em casa foi a gota d'água para que a situação ficasse insustentável e forçasse o pedido de demissão de Cristóvão Borges, depois de pouco mais de um ano no comando do Vasco. Para os padrões brasileiros, até que foi muito tempo.

Agora quem sofre com a pressão é Luiz Felipe Scolari, o Felipão, possível futuro ex-técnico do Palmeiras. Depois de levar um time medíocre ao título da Copa do Brasil deste ano, extraindo o máximo de futebol do elenco que tinha em mãos, o treinador pentacampeão do mundo com a seleção provavelmente deve sair do alviverde, que está na zona do reixamento (posição merecida pelo time que tem).

Enfim, vida de técnico de futebol é assim, sujeita a mudanças constantes de lares, cidades, etc. Às vezes por pressão da torcida, outras por conflito de idéias com dirigentes... O fato é que no Brasil, nunca teremos um Alex Ferguson (no comando no Manchester United da Inglaterra há 26 anos). Bem que o brasileiro poderia ser assim tão exigente em questões como a política, né? Mas aí já é querer demais.




Por Felipe Exaltação.

Quando acaba o tesão



Quando eu era mais novo, como toda pessoa mais nova, acreditava em tudo. Não me refiro ao Velho Noel, mas aquela balela completa que todo jovem razoavelmente engajado e uma meia dúzia de adultos xaropes acreditam. Opressão, revolução, luta de classes... e, em pleno ano de 2005, eu enxergava o mundo com os olhos da Guerra Fria.

Alguns anos se passaram, fui descobrindo traumas que eu nem sabia que tinha – não tantos quanto eu deveria para me tornar célebre -, adquirindo outros pelo caminho, criando vícios, intolerâncias, e lendo mais Bukowski do que o saudável.

Hoje, o inconformismo intelectual me serve de esconderijo para a minha covardia e falta de vigor, como se o mundo estivesse morrendo de medo da minha indignação. E não há indignação no fim das contas. Há só uma enorme resistência a levantar da cama todos os dias, pois se a vida é predominantemente um saco, a melhor saída é, então, o menor esforço.

O que sempre me motivou a tirar os pés da coberta e a não explodir a bomba atômica que guardo na segunda gaveta do armário do meio foi a paixão. Esse sentimento de gente desequilibrada, que move o mundo; os adeptos da experiência visceral. Flertes, fodas, bichos de estimação, álcool, música, poesia, futebol, qualquer coisa que liberte e nos faça lembrar que estamos vivos.

Mas talvez estejamos mais perto do fim do que imaginamos. Não um fim físico, do 2012 apocalíptico encerrando o universo da mesma forma que começou. Um fim moral, emocional. Tenho a impressão de que a música tem sido menos música a cada show visto, que o cinema tem sido menos cinema a cada filme assistido e que o futebol tem sido menos futebol a cada temporada acompanhada. Para que tudo se torne virtual, há que se esvaziar o material. Inclusive – e principalmente – as pessoas. Nostalgia? A quem ler 1991 na minha identidade vai ser difícil aceitar a refutação.

O fato é que o grito sai abafado por mais esforço que eu faça. Minha falta de tesão não me permite o heroico brado retumbante, não. Seja para endossar a bonita campanha do deputado Marcelo Freixo à prefeitura do Rio, ou para salvar a bisonha do Flamengo no Campeonato Brasileiro.





Por Beto Passeri.

domingo, 9 de setembro de 2012

Eu, que não cumprimento ninguém



É comum ver gente se prender a hábitos e costumes para regrar seu cotidiano. Trabalho às nove da manhã, antes, é claro, a tradicional lida no jornal e o café reforçado. Depois o trânsito gigantesco das metrópoles, o programa de rádio usual, o beijo morno na esposa, cama às onze, impreterivelmente. Tudo bem, não somente os aceito como os respeito, e muito. Entretanto, é importante fazer algumas ressalvas, ainda mais quando esses dogmas quadrados, de arestas polidíssimas, entram com o pé na porta pelo esporte a dentro.

Não se trata de aclamar a abjeta idéia de inovar no manto, pondo uma camisa azul (e horrível) no Santos, antigo queridinho da crônica esportiva, pelo simples fato de romper com o tradicional. Há tempos que essa novidade vem assombrando o time da Baixada Santista e seu filho pródigo, Neymar. Mais uma apresentação neguébica na Seleção ontem mostra como, para os supersticiosos, a criatividade dos publicitários atingiu as atuações do melhor jogador do Brasil do ano passado.

Também não há aqui uma ode ao espírito iconoclasta de qualquer forma, somente por sua audácia e vanguarda. Nem mesmo ódio ao comum e cinza regrado roteiro dos ortodoxos. Talvez eu não seja o mais indicado para fazer essa crítica. Eu, que não gosto de cumprimentar ninguém somente pelo ato de cumprimentar. Principalmente ao me lembrar do sorriso amarelo que sempre vem depois da troca de beijinhos ou aperto de mão. Se é para se aproximar, que seja por conversa, não por moral.

Se não bastasse a onda de higienização que vem tomando conta do futebol, esvaziando e elitizando estádios pelo país, se não fosse suficiente o batalhão de assessores que torna quase impossível a aproximação de jornalistas e torcedores com os jogadores, agora puseram juristas na parada. Tudo bem, aceito o empoeirado argumento da “Ordem”. Mas suspender o Loco Abreu por beijar o emblema do Botafogo, no Figueirense e Flamengo do primeiro turno?

Exagero. Tratar a relação de um atleta com seu ex-clube como desrespeito é incentivar a falta de identidade no “nosso” antigo esporte. O resultado de tudo isso é ver a antiga alegria do povo, a Seleção Canarinho, reduzida à uma empresa digna de caixa baixa, a seleção da CBF. A atitude, que pode realmente se consolidar na terça-feira, é mais um dos aspectos desse atentado à proximidade de pessoas com entidades que, tudo indica, vai culminar na transformação dos times em franquias, sistema semelhante a esse que espalhou McDonalds pelo mundo.

Considero isso tudo um atentado à naturalidade, que tranformou o futebol no esporte mais apaixonante do planeta. A simplicidade, que encanta e mobiliza massas, vem agonizando aos poucos. Contudo, é um ponto de vista individual. Encontro poucos por aí dispostos a avolumar o som desse Bloco do Eu Sozinho. Eu, que vale ressaltar, não cumprimento ninguém.









Por Helcio Herbert Neto.