Professores em manifestação no Rio: movimentos não chegam ao futebol (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Ao som de My Generation - The Who
A canção se encaixa perfeitamente nesse nosso tempo. É bem verdade que ela foi feita sob o teto de um mundo que passava por espasmos muito mais convulsivos do que os que hoje abalam os alicerces cotidianos daqueles que cedo pela manhã já têm certeza que, pouco antes do jantar, vão poder desfrutar da notícias do dia no Jornal Nacional pela noite. A música foi feita enquanto muitos acreditavam que as unções lisérgicas de Thimothy Leary e as armas do MR-8 mobilizavam massas. Havia ainda legiões que aguardavam a chegada da salvação que viria de outro mundo — alardeada por David Bowie no épico disco "The Ziiggy Stardust". A bateria insana de Keith Moon, no entanto, não passa impune aos ouvidos de qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade sobre o nosso agora.
A primeira geração do segundo milênio tomou às ruas. Não só no Brasil, mas no mundo. Nos Estados Unidos, a morte do garoto negro Trayvon Martin gerou manifestações, destruição de vidraças e choque com a polícia na Flórida. No Chile, toda semana, há cerca de três protestos no Centro de Santiago. No fim dos atos, um grupo autointitulado 'Los Encapuchados' destrói símbolos da opressão e do capital. No Rio, até a semana passado, a Câmara dos Vereadores foi ocupada em reação ao movimento de reação contra os avanços populares rumo ao fim do monopólio dos transportes na cidade balneário dos grandes eventos. Os professores da rede pública fazem uma das maiores greves dos últimos anos na tentativa reverter a comoção popular das jornadas de junho no país para o setor.
E o futebol? Nessas linhas cibernéticas, onde sempre tentamos enfatizar os pontos de interseção entre as manifestações políticas, culturais e sociais com o esporte do povo, hoje você não encontrará um brado esperançoso sobre a função deste nesse instante único do século. Muito pelo contrário: nos gramados descansam plácidos os conservadores. Exemplos como o do capitão Alex, do Coritiba, que se declarou contra a péssima administração da CBF são escassos, quase inexistentes. A Copa das Confederações e a vitória esmagadora do Brasil foi o marco final das jornadas que tomaram o país em junho deste ano.
E agora mais esse exemplo de conservadorismo no caso Sheik, do Corinthians. O fato evidencia, primeiramente, como o uso das imagens e alguns tipos de brincadeiras nas redes sociais de ídolos provocam comoções. Agora, ir ao treino do time, levando faixas contra o gesto e incitando a violência contra as práticas homossexuais é de uma falta de humanidade brutal. Ou falta do que fazer. Gostaria de dizer aos torcedores do Másculo Timão que sim, há homossexuais nos vestiários do atual Campeão Mundial. Senão no time profissional, na base. Assim como também há no meu Flamengo, ou em todos os outros times.
Até mesmo as bandeiras das torcidas cariocas que traziam mensagens políticas e esboçavam manifestações progressistas, como a da Palestina da Torcida Jovem Fla, desapareceram com a higienização dos estádios para a Copa do Mundo do ano que vem. Copa do Mundo que não terá, como todos já esperavam, negros nos estádios, bem com já não existe nos jogos de fim e meio de semana. O fenômeno é fruto do aumento do preço dos ingressos e do clima high society das novas arenas (que belo sinônimo para estádio, não?).
Com o grito abafado das torcidas e a dinâmica conservadora do futebol, parece que os ecos dos movimentos populares não se comunica com o que acontece dentro de campo. Não há ruídos após o fosso. Intocáveis, cartolas, jogadores e técnicos permanecem distantes desse anseio por mudanças, não protagonizado, dessa vez, por Pete Townshend, mas pelos Black Blocs e pela Mídia Ninja. Não é tentar causar, grande sensação, histeria. Só seria bom ver que os ídolos também falam da minha geração.
por Helcio Herbert Neto.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
terça-feira, 20 de agosto de 2013
É o “Ai, Jesus!”
Disse há algum tempo aqui mesmo que, se é verdade que o
campeonato de pontos não mente, determinando como campeão o “melhor time”, é
verdade também que torneios de mata-mata, como a Copa do Brasil, tampouco
mintam. A questão é que esses campeonatos fazem perguntas diferentes, logo
respondem de formas diferentes, e falar em verdade e ou mentira não faz sentido.
O Brasileirão pede regularidade, consistência, peças de reposição, capacidade
de concentração, competitividade, tudo em longo prazo. Difícil, dificílimo. Em
geral, ganha o Brasileirão o time que consegue manter esses fatores em um nível
razoavelmente equilibrado durante a maior parte do ano.
Por isso discute-se, por exemplo, se
um Coritiba com o time bem armado, concentrado e com veteranos no comando pode
se segurar no lombo do touro por muito tempo. Alex já se contundiu, Deivid
também, o time segue fazendo partidas muito competitivas, mas começa a perder
fôlego. No perde-e-ganha de cada rodada, começa a perder mais do que já perdeu
outrora, e isso significa queda na pontuação no médio-longo prazo. Deve
terminar na primeira metade da tabela, mas longe do campeão. Por outro lado, o
Corinthians é citado toda semana como “um time que ainda não engrenou”. Não sei
não. A verdade é que o Corinthians perdeu apenas duas em 15 rodadas e levou
apenas seis gols. Seus jogadores se contundem ou são convocados para seleções
nacionais e entram outros de nível parecido (Guerrero por Pato ou Sheik, por
exemplo, ou Danilo por Douglas). Pode-se dizer que o time joga mal aqui e ali,
que às vezes não encaixa o jogo, mas não se pode dizer, do Corinthians que Tite
comanda há quase três anos, que o time jogou de sacanagem. Isso significa que,
no louco emaranhado de expectativas revertidas do campeonato, você pega uma
série de, digamos, cinco jogos do Corinthians e vê que o time ganhou uma ou
duas, empatou uma ou duas e, se perdeu, foi no máximo uma partida. Um time que
perde duas a cada quinze rodadas, em média, tende a acabar o campeonato com um
aproveitamento no mínimo razoável. Mas aí você coloca a capacidade de
substituição disponível no elenco, você pega o poder de mobilização da torcida
corintiana e você pensa que, na hora em que o torneio começar a afunilar, que
as vitórias começarem a ser efetivamente obrigatórias, a bola vai ficar mais
quente e pesada, o gol vai ficar menor, todo goleiro adversário vai virar um
gigante. E vê que, nessa hora, a tendência de um time como o Corinthians é ultrapassar seus adversários atuais. A uma competição que pergunta quem consegue ficar mais
tempo em cima do lombo do touro, no futebol brasileiro de hoje, 20 de agosto de
2013, eu respondo: Corinthians. Mas essa não é a pergunta que a Copa do Brasil,
que dá o pontapé inicial em suas oitavas de final hoje, com o Vasco visitando o
Nacional-AM em Manaus, faz.
E é por isso que a edição deste ano
promete tanto. Ao contrário de muitos anos anteriores, o futebol brasileiro
felizmente voltará a ter seus maiores clubes se enfrentando em jogos realmente
decisivos (vaga ou taça na beira do campo). Sou partidário do campeonato de
pontos corridos, acho fundamental que essa seja a principal corda tocada pelo
futebol nacional de um país ao longo de uma temporada, mas sou fã do mata-mata
e sinto muita saudade de ver os grandes clubes do futebol brasileiro se
mordendo. Cruzeiro e Flamengo, Santos e Grêmio, Botafogo e Atlético são os
primeiros, mas muitos outros ainda vão acontecer. Levou tempo demais para a
CBF entender que sacrificar os estaduais e a Sul-americana
em nome desse tipo de competição é uma decisão óbvia. Ninguém quer ver jogo
vazio na quarta à noite contra um Zé Ninguém da América do Sul, ninguém é
trouxa mais de querer manter a tradição dos finados estaduais, que deveriam
ser, no máximo, torneios de verão. Mas todo mundo quer assistir aos jogos dessa
semana. Passeie pelos canais dos torcedores nas redes sociais e essa
mobilização fica evidente.
Apesar da modernização do futebol
nacional, da arenização dos nossos estádios e outras falcatruas, essa temporada
está meio retrô. Galo e Botafogo são os times do ano, jogando futebol
brasileiro (apesar de, no caso do segundo, o comando ser de um
surinamês-holandês), o Maracanã, mesmo tendo passado na clínica do Dr.
Hollywood, está de volta, as torcidas têm intensificado a tendência de cantar
mais o amor pelos clubes que gritos de guerra contra outras torcidas, contra a
PM, contra o lateral ou o volante bisonho que eventualmente habita o escrete de
seus times. Tendência, aliás, que já vem de algum tempo. Essa Copa do Brasil é
a chance de fechar o ano retrô do jeito mais clássico possível: com um monte de
decisões emocionantes entre os clubes mais importantes do país (menos o São Paulo que, em função do título do ano passado, ficou preso à Sul-americana).
Tem arte, tem manha, tem
sobrenatural, tem foguete (ops, isso não tem), bandeiras e arquibancada. Tem
cancha cheia, tem zebra, tem de tudo. Dificuldade alguma se compara à
dificuldade de levar um Brasileirão de pontos corridos, mas algo me diz que o
título da Copa do Brasil 2013 vai ser quase tão gostoso quanto isso. É a
primeira vez, desde que me entendo por gente, que o futebol brasileiro vai
fazer as duas perguntas na mesma temporada: “quem consegue ficar mais tempo no
lombo do touro?” e “quem tem a manha de levar um mata-mata encruado entre todos
os grandes do país?”. A primeira ainda é possível responder sem parecer
lunático e eu já apostei no Timão. A segunda resposta, só se for nos búzios ou
no tarô. Faltam oito jogos apenas para o seu time ganhar um dos títulos mais
alucinantes que o futebol brasileiro pôs em jogo nos últimos anos. Ai, jisus!
Por Bruno Passeri.
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Quem calou esse amor?
Em
08 de agosto de 2007 - há praticamente seis anos, portanto - Botafogo e São
Paulo fariam um jogo de arrepiar no Maracanã. Era a décima oitava rodada da
quinta edição do campeonato brasileiro por pontos corridos, o tricolor era o atual
campeão, havia conquistado Libertadores e Mundial menos de dois anos antes,
tinha um time forte, um elenco encorpado e todos achavam, não sem qualquer
razão, que era o bicho-papão da época, apesar do futebol chato e truncado do
time dirigido por Muricy Ramalho. O Botafogo era dirigido por Cuca e jogava o
futebol mais bonito do país havia alguns meses, tinha um time rápido, técnico, bem montado e arrojado como a maioria dos times de Cuca e fazia
golaços atrás de golaços, muito em função da rara vocação para pinturas de seu
avante, o polêmico Dodô. Foi naquele ano que ouvi pela primeira vez o cântico
“E ninguém cala esse nosso amor”, um dos mais bonitos que havia escutado num
estádio brasileiro até então. Naquele ano, a torcida do Botafogo parecia mobilizada.
E não era para menos. Final de estadual, semifinal da Copa do Brasil, futebol
vistoso e consistente, o ano prometia.
O
Botafogo tinha assumido a liderança na quarta rodada, perdido para Vasco e
Corinthians na quinta e sexta rodada, respectivamente, e depois retomado o primeiro lugar entre a
sétima e a décima sexta rodada, quando perdeu o posto para o São Paulo. Naquele
08 de agosto, portanto, o São Paulo tentava completar a sua terceira rodada na
ponta, enquanto o Botafogo tentava resgatar, jogando com o apoio de sua
torcida, a posição que fora sua por onze rodadas.
O
Botafogo entrava com Marcos Leandro, Juninho, Renato Silva e Luciano Almeida
(Adriano Felício); Joilson, Túlio, Leandro Guerreiro e Lúcio Flávio
(Ricardinho); Jorge Henrique (Alessandro), Dodô e André Lima. O São Paulo
formava com Rogério Ceni, Miranda, Breno e Alex Silva; Reasco (Hernanes),
Josué, Jorge Wagner, Leandro (Diego Tardelli) e Richarlyson; Dagoberto (Júnior)
e Borges.
Com
a expulsão de Túlio, o moral um tanto abatido pela eliminação trágica diante do
Figueirense pela Copa do Brasil em pleno Maracanã dois meses antes, a carência
de goleiro e a possibilidade de suspensão de Dodô por doping, o Botafogo não
teve fôlego para impor seu jogo e perdeu por 2 x 0, gols de Alex Silva, aos 18 do
segundo tempo, e Leandro, nove minutos depois. A partir dali, o São Paulo
consolidou a liderança que manteria até o final da competição, sagrando-se
bicampeão. O Botafogo despencou até terminar o certame em nono. E o segundo semestre daquele ano ainda reservou a eliminação vexatória na Copa Sul-americana para um combalido River Plate. O ano promissor
acabara em decepção em todas as frentes. Guardou-se a bandeira, engavetou-se a
camisa, fechou-se o peito.
O
Botafogo atual é muito diferente. Naquela época, tinha chororô, hoje tem gol
anulado do adversário. Naquela época tinha Lúcio Flávio, hoje tem Seedorf.
Naquela época o goleiro entregava a rapadura a cada dois jogos, hoje é o melhor
em atividade no país. Naquela época, não se aventava a titularidade de um
garoto da base, hoje a espinha dorsal do time é composta por três veteranos
(Jefferson, Bolívar e Seedorf) e três jovens identificados com o clube (Dória,
Gabriel e Vitinho). Aquele era um time que encantava. Esse é um time que
compete, que detesta perder, que supera dois
meses de salario atrasado comendo grama em campo e que, ainda por cima, joga um
belo futebol.
Algo
parece ter mudado no Botafogo. Todos falam disso, todos notam. Menos a torcida
do Botafogo. Eu sei que cachorro mordido por cobra corre até de linguiça e que
não é a primeira vez que o Botafogo faz que vai, mas não vai. Dessa vez, entretanto,
algo indica que pode ser diferente. Seedorf é boa parte desse “algo” porque é
um jogador extraordinário e de caráter transformador. Dificilmente um time
que contou com ele deixou de disputar os títulos mais importantes que estavam
ao alcance. Uma administração menos estriônica do que os arroubos bebetanos e montenegrinos
também respondem por parte do processo. A versão reload do Oswaldo de Oliveira também. O investimento nas categorias
de base também. As boas ações do marketing
do clube também. A torcida ainda não.
Provocações
à parte, a torcida do Flamengo tem razão quando pergunta à do Botafogo em alto
e bom som nas arquibancadas: “cadê você? Cadê você?”. O Flamengo titubeia, o
Botafogo é líder inconteste, e mesmo assim o lado vazio da arquibancada é o de
sempre. Cadê a torcida do Botafogo?
Esperar
que tudo se encaixe para enfim se mobilizar não é oportunismo, é miopia. Porque
talvez seja justamente a mobilização (salários em dia também não fariam mal algum) o elemento que falte para a coisa acontecer. Na brilhante vitória sobre
o Vasco, no último domingo, parecia ter mais gente no setor destinado ao
Botafogo do que no clássico contra o Flamengo. Essa gente pareceu cantar mais
forte. O time ganhou e agradeceu com um belo gesto, provavelmente mais um
capitaneado por Seedorf. É como se o craque pedisse ao time para reconhecer o
esforço dos torcedores que venceram anos de feridas mal cicatrizadas para estar
ali de corpo e alma. E como se, ao mesmo tempo, ele pedisse ao torcedor para
acreditar no que vê.
Muito
se compara o Botafogo ao Atlético Mineiro. Faz algum sentido. Esse ano, a massa
atleticana acreditou. Apesar do vice no brasileiro passado, dos vexames
seguidos contra o Cruzeiro, dos quarenta e tantos anos de fila, eles
acreditaram. Mergulharam de cabeça, sem medo de nova desilusão. As coisas
evidentemente não são tão preto no branco assim, ainda que assim queiram as cores das camisas dos dois times. As relações no universo nunca são tão causais. Em todo caso,
convém não duvidar da mobilização apaixonada de uma massa.
O
amor pede um salto de fé. A torcida do Botafogo precisa reabrir o peito,
desfraldar de novo a bandeira e dar o pulo cego. Se a madrugada vai dar em muito ou dar em Sol, ninguém pode dizer. Mas é preciso amar como se cada jogo em si
fosse o campeonato. Como se não houvesse amanhã. Porque na verdade não há.
Por Bruno Passeri.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Mano e a roleta-russa rubro-negra
Mano
Menezes é um dos treinadores que mais gosto de ouvir falar sobre futebol no
Brasil. Ele enxerga bem o jogo, mantém sempre a calma e evita a qualquer custo
fazer bravatas e fanfarronices, como tantos cânones de beira-de-campo que
conhecemos.
Não
é por acaso que o Flamengo o perseguiu desde o começo da temporada. Ele carrega
a marca da reestruturação de times em sua carreira. Isso porque assumiu o
Grêmio em frangalhos para disputar a série B em 2005, montou um time competitivo
misturando jovens a jogadores mais rodados e, embora não tenha sido brilhante,
a campanha rendeu o acesso que, no final das contas, era o objetivo principal.
Foi um grande bônus a glória na “Batalha dos Aflitos”, como ficou conhecida o
dramático jogo decisivo entre Grêmio e Náutico, vencido por um tricolor com 8
jogadores em campo (três expulsões), com direito a pênalti defendido pelo
goleiro Galatto e gol de Anderson (atualmente no Manchester United) no
finalzinho. Mano seguiu no Grêmio até 2007, quando fez aquele time de 2005
evoluir, com novas peças, lançando garotos como o próprio Anderson – que se
transferiu para o Porto em 2006 -, como Lucas Leiva e Carlos Eduardo e chegou a
uma improvável final de Libertadores, perdendo para um dos maiores times que o
Boca Juniors montou em sua história.
Dali
Mano seguiu para o Corinthians que acabara de naufragar na série A. O desafio
era maior, uma torcida absurdamente grande e exigente enfurecida pela vergonha
do ano anterior. Mano adotou procedimento parecido, buscando jovens revelações
e alguns jogadores mais rodados – embora baratos –, conquistou a série B e chegou
à final da Copa do Brasil em 2008, perdendo para o Sport de Recife. Em 2009,
com o cofre do clube respirando sem aparelhos, Mano já contava com Ronaldo
Fenômeno, entre outros, no time que conquistou Campeonato Paulista e Copa do
Brasil, garantindo a vaga para a Libertadores de 2010, de onde sairia com uma
derrota pelas oitavas-de-final na bacia das almas para o Flamengo de Adriano e
Vagner Love, então campeão brasileiro.
Em
2010, após a recusa de Muricy Ramalho, então treinador do Fluminense, Mano
assumiu a Seleção com a missão de reestruturar a base de um time que havia
perdido da Holanda nas quartas-de-final da Copa daquele ano sem apontar para
qualquer caminho de renovação (a média de idade do time naquela Copa foi umas
das mais altas da história da seleção). A missão, de novo, era espinhosa. Mano
apostou em meninos que começavam a despontar no cenário brasileiro, como
Neymar, Oscar, Lucas e o até Hulk, bastante jovem e desconhecido na época. Afundou em
competições importantes, enfrentou as dificuldades de não ter as Eliminatórias
Sul-americanas como teste de fogo e demorou quase dois anos para apresentar
algum resultado. Quando o time começava a dar liga, vieram a derrota para o
México nos Jogos Olímpicos, a troca de comando na CBF e a ansiedade pelos
destinos do escrete canarinho nas Confederações e no Mundial. Mano foi
duramente afastado do cargo para dar lugar a Felipão.
Então,
ele se recolheu. Passou um semestre longe do foco, pareceu que assumiria um
time de ponta europeu (falou-se no Porto), que tomaria um rumo diferente do
costumeiro. Mas não.
Mano aceitou cumprir sua aparente sina e assumiu o
desafio de, novamente, manobrar o transatlântico na piscina.
Pegou o Flamengo no meio da temporada, com a maior parte das receitas comprometidas com adiantamentos e dívidas deixados pela vasta história de usurpação deixada pelas diretorias anteriores, um time fraquíssimo, com poucas perspectivas de contratações e o modesto objetivo de se manter na série A para esperar dias melhores em 2014, quando – dizem – os cofres receberão injeção de oxigênio. Mano ganhou carta-branca da diretoria e até a torcida parece ter mais paciência dessa vez do que teve em outras. Está clara para todos a missão da temporada: evitar o vexame e planejar a próxima com mais saúde financeira e, logo, mais margem de manobra.
Pegou o Flamengo no meio da temporada, com a maior parte das receitas comprometidas com adiantamentos e dívidas deixados pela vasta história de usurpação deixada pelas diretorias anteriores, um time fraquíssimo, com poucas perspectivas de contratações e o modesto objetivo de se manter na série A para esperar dias melhores em 2014, quando – dizem – os cofres receberão injeção de oxigênio. Mano ganhou carta-branca da diretoria e até a torcida parece ter mais paciência dessa vez do que teve em outras. Está clara para todos a missão da temporada: evitar o vexame e planejar a próxima com mais saúde financeira e, logo, mais margem de manobra.
Quando
perguntado sobre o trabalho de reforma que realizou nos elencos de Grêmio e
Corinthians, o atual técnico do Flamengo alega – e concordo com ele – que naquelas
situações, em que pese da dramaticidade do descenso, o desafio era mais fácil.
Os adversários na série B são menos competitivos, você não joga clássicos, um
elenco mais modesto pode dar a liga necessária e as coisas começam a acontecer.
A série A oferece a um clube grande não mais do que quatro ou cinco “carnes
assadas” por temporada. O restante das 32, 33 rodadas é clássico em cima de
clássico, pedreira em cima de pedreira, às quartas-feiras e aos finais de
semana. Você precisa assimilar uma derrota doída e três dias depois precisa
encarar nova pedreira e, com o equilíbrio do campeonato, a queda na tabela é
brutal quando se perde duas ou três seguidas. Cair na zona dos quatro últimos
da tabela significa a obrigação de vencer a qualquer custo, o que pode ser
muito complicado para um grupo emocionalmente fragilizado e sem confiança. Pior
ainda quando o grupo é fraco mesmo. Depois da derrota por acachapantes 3 x 0 para
o Bahia na quarta-feira, Mano afirmou: “o preço que se paga por um projeto como
esse feito assim é alto. Às vezes, alto demais”.
Como
exemplo, pode-se pegar o Palmeiras, que atualmente está jogando a série B.
Contratou algumas peças até interessantes com investimentos modestos, peças que
o técnico Gilson Kleina vai lançando aqui e ali sem a pressa da série A, as
vitórias vão chegando, a torcida lota o Pacaembu, o noticiário passa a ser
positivo, a pressão diminui, o garoto que não conseguia dominar uma bola há
três anos hoje é titular da lateral e até Valdivia volta a jogar, e jogar muito
bem. Aos poucos, o time vai encorpando, batendo muitos adversários menos
competitivos, assumindo a liderança com tranquilidade e começando a roçar as
mãos pensando na Copa do Brasil (em se tratando de Palmeiras, por que não?). No
ano o que vem, o Palmeiras terá seu estádio de volta, novinho em folha, onde
sua torcida provavelmente erguerá um caldeirão tinhoso que renderá uma grana
boa de bilheteria, patrocinadores que hoje fogem começarão a fazer fila na
porta, o caixa do futebol se reforçará, a torcida estará confiante, os
jogadores também. Vai saber? Time gigante é time gigante, e quando a coisa
acende...
O
Flamengo, a seu modo, também aposta nisso. Com o advento do Maracanã, com a
força de sua torcida e com um time competitivo montado com investimentos mais
pesados, 2014 pode ser um ano bom. Mas o caminho para essa virada, embora doa
menos no orgulho do que a série B, é muito mais penoso. Não se sabe ao certo a
folha de pagamentos do Flamengo, não é público o quanto está sobrando para
encaixar algumas contratações. Fato é que, se elas não acontecerem, o time
flertará perigosamente com o descenso. Mano é bom treinador, conseguiu
organizar o que parecia inorganizável, mas não basta. Talvez dois ou três
jogadores mais cascudos, mais apurados tecnicamente e comprometidos com o
projeto bastem. Mas eles precisam chegar. O clube vive um dilema: corto
despesas radicalmente para ter um horizonte melhor no médio prazo e arrisco
uma tragédia ou arrisco algumas despesas para evitar a tragédia e comprometo,
ainda que parcialmente, esse horizonte de médio prazo?
Sinceramente,
não sei o que pensar. Apoio a reconstrução e não acho que Grêmio, Corinthians e
Palmeiras mereciam ou deveriam ter ido necessariamente à B para fazê-la. Como
não acho que Flamengo e Vasco, os dois grandes que vejo mais ameaçados nessa
temporada, devam seguir o mesmo caminho para reformar a casa. Mano é o
treinador mais indicado para o projeto atual do clube e o perfil da torcida do
Flamengo é o mais indicado também, porque estará lá em peso para o que der e
vier.
Mas o pior cego é o que não quer ver, e o comando do Flamengo precisa enxergar que manter as coisas como estão é jogar roleta-russa.
Por Bruno Passeri.
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