sexta-feira, 30 de março de 2012

Armazém de Secos e Molhados


A morte – considerada doloroso fim  para os desavisados transeuntes que inundam as ruas e as filas de banco desses nossos dias   –  continua a ser paradigma mesmo após todas as tecnologias criadas pela dedicação, suor e dor de gerações passadas. Dos mais intrigantes pensamentos que nos atravessam no recostar do confortável travesseiro na iminência do sono, é exatamente o mórbido que causa calafrios. Contudo, há figuras capazes de transpor até a mais insolúvel das questões da existência: personagens que, por meio do papel que exerceram nesse grande espetáculo tragicômico do dia-a-dia, fincam o totem da eternidade e tornam a existir no momento em que é evocada a prática pela qual o gênio alcançou a sublimação.
Não cabe indagar a posição de Millôr Fernandes na escala dos pensadores brasileiros (deixem os rankings e as comparações para as postagens mais objetivas e divertidas sobre o futebol). Fato é que, sem dúvidas, trata-se de um dos maiores do Século XX. No Pasquim, no Teatro, nos livros, Millôr foi magnífico. Humorista que suscitava gargalhadas dos expectadores, crítico literário de ímpar destreza, homem de opiniões impactantes, foi um grande formador de opinião. Como tantos. Não foi por tudo isso que ele alcançou a perenidade.  Muitos são bons, excelentes no que fazem; singulares são os que  penetram conceitos, alcançam simbiose em uma prática e são evocados toda vez que tal é exercida.
'Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados' sentenciou.  Na verdade urrou, não se sabe onde nem quando. O que se sabe é que, com uma simples linha, traduziu todo o espírito de uma profisssão e que toda vez que um Chapa Branca for realizar um elogio pecaminoso, toda vez que um repórter desavisado recorrer a visões hegemônicas por ser mais confortável, toda vez que um escritor periódico (dura realidade...) se vender por algum preço, seja ele qual for, a frase volta, ecoa, lateja, tortura. Efêmera Via Crucis, de segundo ou semana,  que dói e corrói quem um dia pensou em passar a verdade.
O pensamento também traz o humor ácido e fresco de Millôr, que é capaz de formular imagens fantásticas e autoexplicativas. O que mais seria um jornalista acomodado com a situação do que um gordo e velho vendedor de bazar? Fantástico. Com tão poucos caracteres, o Filósofo da Ironia desenhou um quadro aterrorizante para os devedores. E bem assim, simples e refinado, passou mensagem a todos que um dia pensarem em informar fatos e versões, vozes e silêncios. Devido a essa simplicidade, a repercussão de sua morte não tenha sido tão midiática.
Eu sei, pode ser uma idéia minha. Mas o contraponto se faz necessário devido a proximidade no calendário: Chico Anysio teve muito mais espaço após seu derradeiro momento do que Millôr Fernandes. Evitando a comparação novamente, o estrondo entorno do fim da vida do humorista global foi muito mais audível do que o assovio que permeou os instantes que sucederam o ponto final do grande pensador. Talvez pelo medo dos que veêm na frase um profético atentado contra sua vida profissional. Talvez porque realmente o homem tenha se transformado em eterno.

Por isso, correndo na direção contrária, salvo a persistência do mito. Sem os soluços dos mais próximos e lugar comum da maioria, não digo o velho 'Descanse em Paz'. Peço, incarecidamente: Millôr, não descanse.




Por Helcio Herbert Neto.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Despedida Animal


Era uma quarta-feira chuvosa no Rio de Janeiro e a velha e conhecida Colina se encontrava totalmente apagada. Um cenário quase sombrio, não fosse um único foco de luz revelando o motivo da festa. O holofote solitário perseguia o dono do espetáculo, que adentrava ao gramado de São Januário sob fogos ininterruptos e gritos apaixonados da legião de fãs conquistada ao longo de intensos 16 anos. E todos eles passavam como um filme na cabeça de Edmundo nos poucos segundos que o ídolo demorou para chegar ao meio. Em lágrimas, recebeu a camisa oficial do jogo amistoso que marcaria sua despedida, vestiu e levou ao delírio o torcedor vascaíno, que tanto se acostumou às idas dolorosas e vindas festejadas do Animal.

O Barcelona de Guayaquil, adversário do Vasco na final da Libertadores de 1998, foi o time escolhido para a festa. Naquele ano Edmundo já havia se transferido para a Fiorentina, mas para os cruzmaltinos não importava, era como se tivesse jogado. Um ano antes, em 97, o Animal, junto dos jovens Felipe e Juninho - hoje de volta ao Vasco e presentes em sua despedida -, havia levado o clube ao título Brasileiro, com direito a recordes de artilharia e três gols sobre o Flamengo nas semifinais do torneio.

Uma carreira marcada, sobretudo, pela passionalidade. Polêmico, politicamente incorreto, apaixonado pelo Vasco e ídolo também do Palmeiras; relações que ele mesmo classificou como 'amor de mãe' e 'amor de mulher' respectivamente. Daqueles jogadores raros de se ver hoje em dia. Adepto da experiência visceralmente vivida em campo. Completamente entregue, e muitas vezes até atrapalhado pelo excesso de paixão. E assim desenhou sua trajetória inconstante, mas inegavelmente vitoriosa. Uma página do futebol brasileiro. Emocionado, foi merecidamente homenageado por ela nesta quarta-feira.

Os torcedores do Vasco que fizeram o sacrifício de ir a São Januário debaixo de chuva certamente foram recompensados pelo gran finale do Animal. Depois do hino nacional, das palavras do presidente Roberto Dinamite e das lágrimas do dono da festa, ele não fez cerimônia. Com uma forcinha do árbitro, que marcou pênalti em falta fora da área, o craque fez a alegria dos vascaínos e, claro, a sua. Mas o clímax foi mesmo no segundo gol, quando Fagner cruzou e o Animal emendou de primeira, com muita categoria; na comemoração, a provocante reboladinha, imortalizada no Flamengo e Vasco de 97.

A festa continuou, com uma chuva de gols, o placar de 9 a 1 e, no fim a substituição tão aguardada. Aos gritos já famosos de "Ah, é Edmundo", o atacante deixou o campo com os olhos marejados e batendo no peito. À beira do gramado, enrolado em uma bandeira do Vasco, o ídolo não conseguiu dizer muitas palavras. Apenas um obrigado que não podia faltar e o adeus que certamente deixará saudades.







Por Beto Passeri via ogol.com.br

Uma correção na História






















- Pela porta dos fundos, por favor - Foi assim com os grandes, os maiores. Por lá passaram o Precioso Negro, o Maior zagueiro do Brasil, o Mestre, o Eterno Camisa Dez. Todos eles não tiveram a Lagoa Rodrigo de Freitas como paisagem da fotografia final de uma passagem brilhante pelo Rubro-Negro da Gávea. Longe dos aplausos e da histeria dos fãs, esses gênios ouviram, no momento derradeiro, desaforos da diretoria, acusações injustas. Não obstante, o recente retorno de uma das mais carentes figurass do futebol ao Flamengo pode suavizar o histórico de tristes fins pelos quais padecem os idolatrados vermelhos e negros.

O jogo de vaidades que ocorre dentro do Flamengo já sacrificou mitos; botou últimos capítulos lastimáveis nas mais belas estórias de craques. Devido a volúpia que toma os acontecimentos que acontecem sob o manto sagrado, a briga de egos e a disputa por poder acabam por implodir relações perenes, causando mágoa e dor. Está na História do Clube, pode conferir. A lista dos maiores jogadores traz sempre um asterisco, um porém, muito devido ao desfecho das passagens pelo clube.

O primeiro a padecer do supracitado mal foi Leônidas. Precursor do fenômeno da idolatria, do fanatismo no esporte, o Diamante Negro teve no Flamengo o ponto alto de sua carreira futebolística. Durante sua jornada com a camisa vermelha e preta, uniu uma legião de torcedores à já populosa nação Rubro-Negra (sim, Leônidas da Silva tinha torcida própria, maior do que muitos clubes da época). Entretanto, após briga com a diretoria do clube, que via na figura audaz daquele jogador uma afronta aos preceitos da preconceituosa aristocracia carioca da época ("um ídolo negro? Deus me Livre!"), o maior jogador da época transferiu-se para o São Paulo.

Depois foi a vez do seu companheiro de time, Domingos da Guia. Considerado o maior zagueiro brasileiro da história, Domingos era amado pela massa de torcedores que lotava os estádios onde o flamengo jogasse, não importando a localização. Apesar de tudo, de todo o sentimento e toda magia que rondava o futebol do defensor, membros da diretoria brigaram de maneira ríspida com o atleta. Resultado: para Bangu foi Domingos encerrar sua carreira no mesmo time que o revelou.

A mais trágica das passagens de encerramento da trajetória de craques foi escrita na carreira de Zizinho.  Depois uma carreira brilhante no Flamengo e a conquista do tricampeonato carioca, o primeiro depois da conquista Homérica de um Moderato ensanguentado, o Mestre Ziza foi negociado em uma obscura trama que teve o turfe como plano de fundo. No Jockey Club da Gávea, o maior meia daquela geração (a posição na época não tinha esse nome, mas a função exercida pelo Camisa 5 da Copa de 50 era exatamente a que Xavi exerce hoje no Barcelona) foi para o Bangu contra sua vontade.

Outros casos apenas confirmam a usual forma de agir dos inúmeros comandantes que passaram pelo o time mais popular do Brasil; a saída de Zico é um exemplo ímpar. Apesar do retorno em momento posterior, a despedida para Udine em lágrimas é uma imagem que lateja no coração dos torcedores. A demissão conturbada de Romário, embora tenha acontecido após uma trajetória que angariou poucas taças, também ratificam a linha de administração dos mandatários do time.

E agora, no princípio da segunda década dos anos dois mil, um suburbano, amparado no anseio popular, sabota o velho hábito dos dirigentes. Não que eles não tenham tentado; exatamente o avesso disso. Ano passado Adriano se candidatou, a diretoria e a comissão técnica urraram em coro uníssono a negativa. Contudo, passados fracassos sucessivos do time em 2011 e 2012, o Imperador de Milão retorna nos braços do público. O clube abre suas instalações para a recuperação do Homem por trás do mito, para a regeneração pessoal e profissional do ex-morador da Vila Cruzeiro.

Pelas mãos da torcida o Imperador é reconduzido ao grupo do Flamengo e traz consigo pena umedecida, disposta a escrever na lauda da gloriosa história do Rubro-Negro o mais belo fascículo de redenção. Para isso, somente resta ao atleta recolocar a coroa de louros na cabeça e voltar a mostrar o futebol que encantou o planeta e o transformou no único Imperador que alcançou a apoteose devido ao clamor popular. Tal mudança histórica agora depende simplesmente do esforço e da dedicação de Adriano.









Por Helcio Herbert Neto.


quarta-feira, 21 de março de 2012

Está faltando 'rock and roll'

Para ler ao som deMoney - Pink Floyd

Para onde estamos indo? Sou pressionado a começar pela velha e infindável questão. Prossigo. Estamos caminhando para a evolução? Imagino que em breve, então, as crianças terão desenvolvidos polegares adaptados aos microbotões e olhos biônicos que não falharão ao primeiro sinal de cansaço da vista. Só aguentaremos viver tantos anos conforme propõe a medicina se inventarem almas artificiais e formatarem, de tempos em tempos, nosso cérebro.

Se nunca fomos bons como os animais no contato com o mundo, ficamos ainda piores. Engolimos a comida e bebemos para fugir; somos incapazes de parar um instante para escutar o que quer que seja e condicionamos os nossos olhos a não enxergar. O tempo levou os nossos sentidos e, hoje, apenas existimos - vazios e deprimidos -, não vivemos.

O mundo está todo sem alma. A intensidade, a paixão, a experiência visceralmente vivida, ou reduzindo a uma só expressão, o “rock and roll”, isso é uma raridade. Esvaiu-se quando passamos a ser moldados, quando nos tornamos subprodutos tortos de nosso sistema.

A sociedade do espetáculo capitaliza, num sentindo bem amplo, a experiência. Não se vende mais carros ou refrigerantes, e sim estilos de vida, sentimentos (“Abra a felicidade e colecione”, etc.). Vende-se a dimensão própria da experiência. ‘O mercado de consumo cria “substitutos de moralidade” e acaba por desenhar o nosso comportamento.

Se antes de uma data comumente utilizada para o consumo, como o Natal, por exemplo, você não se unir ao frenesi descontrolado que invade as lojas de presentes, você decepcionará as pessoas que ama e quer bem. Isso faz com que apenas alguns - particularmente insensíveis ou corajosos - não cedam a essa chantagem. Estamos diante, pois, da fluidez e da fragilidade das identidades contemporâneas.’

A fotografia e a TV, por exemplo, já captaram a experiência um dia; já relataram fatos em um tempo não tão remoto; hoje, a experiência já se realiza na encenação, o fato se constrói como discurso midiático. Morte, vida. Tragédia, comemoração. Certo, errado. Tudo é, já em si mesmo, espetáculo.

A consequência disso é uma pasteurização ampla, geral e irrestrita de toda a vivência. Falta ‘rock and roll’ – inclusive no próprio rock and roll -, e o futebol é uma das dimensões da vida em que isso fica claro.

O jogo perde seu caráter lúdico, ou seja, deixa de ser o jogo pelo jogo (o que apaixona) e passa a ser o jogo por algo muito além dele. O espetáculo com todos os seus tentáculos: TV, publicidade, fama, interesses obscuros e, acima de tudo, muito dinheiro. O mundo da bola, outrora tão romântico, hoje é a galinha dos ovos de ouro das emissoras, é a lavagem tosca dos petrodólares, é o grito de força da China, enfim, é qualquer coisa que movimente rios de capital.

Em alguns lugares, talvez pela precariedade econômica, que impede a mercantilizarão total, ou mesmo pela própria matriz cultural, como é o caso da América do Sul, o esporte preserva algo de lúdico, algo de visceral ainda. Mas o Brasil emergiu, agigantou-se, e o futebol acompanhou a potencialização da economia.

Se por um lado isso permitiu uma “estruturação” como nunca, por outro descaracterizou totalmente o “jeito brasileiro”, minguou o nosso jogo. Astros e times espetaculosos, mas coadjuvantes de um futebol absolutamente burocrático, quase Fordista. O talento esvaziado pela falta de tesão.

Apenas reflexo da sociedade, como sempre é, foi e será dentro dos gramados. 






 Por Beto Passeri.

sábado, 17 de março de 2012

Guarde em ti o Bem

Para ler ao som de: Guardo em mim - Teresa Cristina

É só alguém se dar mal que aparece uma pobre alma para reproduzir o batido dizer popular: decepção não mata, ensina a viver. Talvez devido ao fato de ter encontrado afago na frase em funesto momento pretérito, o caridoso repete o ditado sem submetê-lo ao mais superficial processo reflexivo, na mais afável intenção de confortar aquele que foi marcado pelo dissabor. De tão repetida, massacrada na língua popular, a sentença passou por um processo de cristalização; e na imagem criada a dor sentida no momento adverso tornou-se degrau certeiro para sucesso futuro.

Contudo, amigos, sabemos que não é bem assim. O sofrimento talhado à brasa em nossas experiências não é compreendido sempre como aprendizado para vitórias futuras ou como passagem efêmera no caminho dourado da glória. A decepção causa fissuras, traumas, nas personalidades. Na tentativa de preservação, evitamos contato com o que já causou desconforto e agonia, com o que, na memória, está etiquetado com a palavra Mal. Ressabiados por conhecermos os tristes finais, negligenciamos partidas e não nos entusiasmamos com começos sensacionais.

E no medo de errar novamente temos a pior companhia. Nos distanciamos da verdade frente aos olhos pelo simples fato de lembrarmos do gosto azedo que o passado nos ofereceu. Por receio, enquadramos perspectivas, limitando ao usual a vida que poderia ser espetacular. Agora surge a pergunta: o que tudo isso tem a ver com o futebol? Quem conhece minimamente as ideias de Joel Santana sobre o esporte e soube da história do jogo da última quinta-feira já deve suspeitar.

Apaixonado pelo uso de cabeças-de-área, Joel não costuma abrir mão de escalar no mínimo uma trinca deles. Contudo, com a série de contusões que abateu o elenco do Flamengo, restou-lhe somente três volantes de ofício no grupo: Luiz Antônio, Muralha e Maldonado. O veterano chileno, que ainda não alcançou o melhor de sua forma física, foi preterido em detrimento dos outros dois jovens, mais leves e habilidosos, na partida contra o Olimpia na Libertadores. Assim sendo, o Rubro-Negro entrou em campo com uma formação ofensiva, de toque de bola, enfim, diferenciada.

Até os vinte e cinco minutos do segundo tempo o que se viu foi arte, sem dúvidas a melhor partida do Flamengo desde 2009, quando o time foi campeão brasileiro. A progressão dos meias defensivos e o apoio dos harmonioso dos laterais deu traços finos a estética do jogo. A beleza foi tanta que viabilizou o despertar de um atleta que vêm de seis anos de sonolência. Ronaldinho foi, por instantes, mágico, vibrante, vivo. Levou ao delírio a massa que esquentava o gélido Engenhão (ou Stadium Rio, mais apropriado). Ilustrando tudo isso há o terceiro gol, de Luiz Antônio, com o ponto-futuro dos volantes e a maestria do Camisa 10. A velocidade do guardião da zaga e a genialidade do Gaúcho pareciam ser o clímax de uma festa.

Com vocês sabem, não foi. Em espírito, o time foi ao vestiário depois do terceiro gol, desapareceu, deixando em desalinho os mais de 30 mil torcedores que lá estavam. Veio o empate, as críticas e o pior: o questionamento da formação usada pelo técnico flamenguista. Sim, delegou-se à escalação bem-sucedida do técnico o peso do abatimento moral daqueles onze homens que defendiam o mais popular clube do Brasil. Por erro de falsa causalidade, sobrou para a inventividade de Joel Santana. Se o treinador teve culpa, não foi pela escalação, e sim pela inoperância de sua única (e rotineira) alteração, a entrada de Negueba.

É necessário cuidado com a maneira como será encarada a decepção do amargo empate. O mundo caiu em cima do grupo: como deixar uma vitória assim escorrer pelo ralo? A indagação é válida, claro. Não obstante, a única certeza que é necessária ser guardada da tragédia contra o Olimpia do Paraguai é a eficiência da linha média leve, com poder de ataque e reestruturação defensiva. Embora atacado pela imprensa, Joel não deve deixar-se marcar pelo insucesso. O dia 15 de março não deve causar arrepios de temor e sim de inspiração; naquele insucesso há o germe da destruição do pragmatismo e o começo de um incipiente projeto arrojado. Projeto que pode levar a uma estrada promissora.

Por Helcio Herbert Neto.

terça-feira, 13 de março de 2012

A Queda da Bastilha



Há mais de 200 anos, a Revolução Francesa escreveu um capítulo importante da história da humanidade. Para muitos, o marco inicial do Período Contemporâneo. De forma muito, muito resumida, explicarei o que se passou.

A estrutura social da França antes da revolução era totalmente estamental, dividida em três Estados que compunham a sociedade da seguinte forma:

Primeiro Estado*: dividido em baixo e alto clero, mas aqui vamos nos abster ao alto clero. A parte mais nobre da Igreja, que vivia, assim como o Segundo Estado, somente dos impostos pagos pelo Terceiro Estado e da troca de favores.
Segundo Estado*: formado pela nobreza, detentora dos grandes privilégios, entre os quais a isenção de impostos e o recebimento de pensões do Estado. Obviamente, não “colocavam a mão na massa”.
Terceiro Estado*: a maior parte da população, desde pequenos e médios burgueses a camponeses explorados. As cerca de 20 milhões de pessoas que compunham esse segmento trabalhavam para fornecer alimentos e privilégios à “nata” da sociedade.

“A insatisfação da maior parte da sociedade francesa, sobretudo dos setores enriquecidos da burguesia, devia-se principalmente naquele ponto: custeavam um aparelho burocrático administrativo, sem terem direitos políticos, sem serem reconhecidos como cidadãos e, portanto, sem poderem interferir, ainda que por meio de representantes, na elaboração das leis.”*

O fato é que a crise que assolava o país catapultou a revolta* do Terceiro Estado que, de tanto ouvir “não” do Rei Luis XVI* na Assembleia Geral, resolveu pegar em armas. Menosprezado, o povo invadiu a Bastilha, prisão real que simbolizava o Antigo Regime, e a tomou de assalto. Começava a Revolução.

É preciso, aqui, cometer um deslize histórico e fazer um recorte, me limitando a dizer que o Terceiro Estado conseguiu sua sonhada Declaração de Direitos Humanos; a igualdade civil, jurídica e política. Por fim, mandou Luis XVI para guilhotina e comemorou* o assassinato de seu monarca. Porém, brigando entre si, a baixa burguesia (jacobinos) e a alta burguesia (girondinos), não conseguiram dar sequência a um governo democrático*.

Sem domínio, o povo viu um jovem general com status de heroi assumir o comando da nação através de um Golpe de Estado, o 18 Brumário. Logo depois, Napoleão Bonaparte se nomeou Imperador da França e centralizou o poder, dando sequência a mais quase 20 anos de conflitos. Dentro e fora do país.

* Pontos de trágica semelhança com o futebol brasileiro
“ “ – trecho retirado do livro ‘História Geral e do Brasil’, Editora Harbra


Por Beto Passeri.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Exceções do futebol atual.


É chato, clichê, mas não tem pra onde fugir. Conversando na mesa de um bar, na faculdade ou no trabalho, quando o assunto é futebol não tem como não falar de Lionel Messi e Neymar. É impressionante o quanto a qualidade técnica desses dois jogadores destoa dos demais, ficando mais evidente a qualidade do argentino, claro, por jogar na Europa e enfrentar marcadores mais qualificados que o brasileiro.

Essas duas peças raras nos fazem acreditar  que ainda há esperança que a técnica prevalecerá no futebol. Hoje só o que vemos são atletas cada vez mais preparados fisicamente e menos tecnicamente. Os jogadores, antes franzinos com qualidade, vem dando lugar a jogadores com nível bem abaixo e sempre muito mais preocupados com tática do que "jogar bola". Não estou desprezando o valor que a tática possui, mas fica muito mais vistoso um futebol jogado com qualidade do que puramente tático.

Essa discussão ( técnica x tática ) nos leva para outra excelente questão. Hoje vemos cada vez mais times que abdicam de um futebol bem jogado em troca de vitórias. Vencer ou jogar bem ? É claro que se for possível obter os dois melhor, mas nem sempre isso é possível. Apesar de fã do futebol bem jogado, quando se trata desta discussão citada, sou adepto do futebol resultado, em um campeonato de pontos corridos é sempre mais importante ganhar e conquistar os três pontos, pois com vitórias, a torcida passa, ou deveria passar, a apoiar mesmo com um futebol feio. Isto é apenas opinião pessoal, em nennum momento quero dizer que é um concenso geral, o futebol é apaixonante por isso, sempre gerando belos debates.

Voltemos aos nossos extraterrestres do futebol. Muitos já dizem que Messi é o melhor de todos os tempos. Não vi Pelé, nem Maradona, mas acho cedo demais pra isso, e muitos outros que Neymar tem talento pra chegar ao nível do argentino, ainda falta, mas é bem possível. O fato é que equanto estivermos discutindo e apreciando a forma de jogar desses dois, a gente se esquece um pouco desse jogo truncado que o futebol virou.

Por Felipe Exaltação.

quinta-feira, 8 de março de 2012

A democracia da Copa do Brasil

                                Estádio  Estadual Lourival Baptista, que recebeu o jogo River Plate e Grêmio na noite de quarta-feira

Começa a primeira fase da Copa do Brasil e já se fazem audíveis os suspiros dos eufóricos que veêm na competição um exemplo singular de equidade. Todo ano é assim. Ao verem grandes times como Grêmio e São Paulo jogando em palcos não tão glomurosos como o Lourival Baptista ou o Mangueirão, esses entusiastas estufam o peito para ressaltar o caráter igualitário do torneio.  De tão repetido, o aposto 'Competição mais democrática do país' já se tornou um clichê. Mas seria isso verdade? Seria realmente um modelo democrático de disputa esse que vigora no maior mata-mata da nação mais vezes campeã da Copa do Mundo?

Desde sua criação, a Copa do Brasil já teve 22 edições. Dessas, apenas 5 foram vencidas por times que não constam entre os 12 maiores do país. Somente Criciúma,  Juventude, Santo André, Paulista e Sport foram capazes de bater a hegemonia dos grandes e levantar a taça. Entretanto, o título da competição não foi um marco para a mudança administrativa desses clubes. Muito pelo contrário. O exemplo do Sport Club Recife ilustra bem a trajetória desses 'Campões à Deriva': um ano após ganhar o título e a vaga na Libertadores da América, o Rubro-Negro de Pernambuco foi rebaixado para a segunda divisão.

A tal democracia fica mais distante quando observado o regulamento das duas primeiras rodadas da competição. Em caso de vitória por dois ou mais gols na casa do adversário, o vencedor elimina o jogo de volta. Como se não bastasse a perda da oportunidade de projeção da marca e, por conseguinte, do faturamento com patrocínio e publicidade, quando derrotado por placar elástico, o perdedor ainda divide a renda do confronto com a equipe vitoriosa. Assim, com metade da renda e fora da competição, as pequenas agremiações seguem obscuro e tortuoso trajeto rumo ao esquecimento da grande mídia.

Como entender quem vê democracia nesse modelo que favorece a hegemonia da liga dos mais ricos e populares times do cenário nacional? fácil. Basta entender a crença no mito da democracia política que ainda vigora nessas terras. Apesar do oligopólio vigente nas comunicações, da perpetuação de filhos da ditadura no senado e no congresso, da manutenção da pobreza em escalas estratosféricas e da calamidade que é o sistema educacional, ainda há gente que acredita que somos independentes e livres, senhores de nossos destinos. Muita gente se dá bem com a difusão dessa ideia, já que, em caso de insucesso, basta delegar a culpa a já enfadada ignorância do povo brasileiro, que é para muitos a culpa de todos os males que acontecem no país.

Enquanto aplaudem essa falácia, seja na Copa do Brasil seja na política, os poderosos brindam a perpetuação lá em cima, no topo da hierarquia. Os grandes times conseguem seus títulos, sua promoção e aumentam a arrecadação. Os políticos mantém o controle sobre tudo que acontece no maravilhoso país tropical. Já os marginalizados, esses seguem seu penar.

E ainda vêm me dizer de igualdade...

Por Helcio Herbert Neto.


sábado, 3 de março de 2012

'Nós vamos criar um monstro'


René Simões sentenciou em 2010 na Vila Belmiro a frase mais impactante do futebol nos últimos anos. Após a vitória do Santos sobre o Atlético Goianiense, o então técnico da equipe do Cerrado usou da primeira pessoa do plural para apontar a culpa de todos os que compõem o universo futebolístico brasileiro na formação de uma monstruosidade chamada Neymar. É bem verdade que o transcorrer dos anos não deu apenas um herdeiro para a jovem promessa verde e amarela: com o desprender das folhas do calendário vieram a responsabilidade e o destaque no cenário global do esporte. Hoje referência, o Camisa 11 do time da Baixada Litorânea Paulista já não comete as indisciplinas de outros tempos. Contudo, o bradar de René se enche de sentido quando observado o comportamento tático dos times que tem o rapaz de cabelo moicano como estrela maior.

Em termos de habilidade e técnica, Neymar é indiscutível. Sua agilidade e capacidade de finalização o transformam no mais decisivo jogador brasileiro na atualidade. Entretanto, a obsolescência das estratégias adotadas no Brasil torna sua presença viciante, fazendo adictas as equipes que possuem essa importante peça. Quando vestindo branco, dez homens de mesmo traje aguardam uma magia qualquer para resolver os monótonos jogos do começo da temporada. Magia que, aliás, geralmente acontece. Contudo, quando em campo representando o time da CBF, apesar de todo o peso que é posto sobre seus estreitos ombros, o jogador não consegue ser magistral. E isso é perfeitamente compreensível.

Enquanto o Planeta reaprende o valor da coletividade pelo futebol, o time de Mano mantém-se preso a uma solitária estrela. Com o advento do Barcelona de Guardiola, seguido da infusão do mesmo espírito nas seleções da Espanha e da Alemanha, observa-se a difusão da ideia tática de conjunto, do aumento do valor do grupo em detrimento às particularidades em todo o mundo. Ainda alheio a esse pensamente, a seleção da CBF mantém um sistema com setores estanques e uma crença indefectível na capacidade da única estrela ofensiva em destaque no cenário mundial. E vem daí a desvantagem; os grandes esquadrões agridem os adversários com um front composto por onze e o Brasil tem um bravo e solitário guerreiro espartano.

Claro que o comandante técnico da antiga (e saudosa) Seleção Canarinho não é o único com culpa do cartório. O grupo dos selecionáveis não possui, como em tempos passados, estrelas de carreiras consolidadas. Basta ver o trio ofensivo que acompanhou o driblador de Santos na tarefa ingrata de furar a equipe Bósnia no mais recente jogo organizado pela CBF:  Hernanes, até outro dia volante, Leandro Damião, jovem centro-avante que passou os últimos seis meses se recuperando de grave lesão, e Ronaldinho Gaúcho, esse sim, de renome, mas que resiste na lista dos 23 por questões que não pertencem as 4 linhas. Todos  incapazes de auxiliar Neymar no trabalho de reencontrar a velha identidade ofensiva brasileira.

A situação de 'Último dos Moicanos' acaba por atrapalhar até o próprio astro pop. O desenvolvimento tático  do Príncipe de Santos é atrapalhado por essa falta de coletividade, encontrada tanto na seleção quanto nos clubes do país com mais títulos de Copa do Mundo. Ao examinar sua maneira de se portar em campo, torna-se plausível o questionamento sobre a necessidade da ida da maior estrela brasileira ao exterior. O diálogo com esse fantasma de coletivismo que ronda a Europa pode ser decisivo na evolução do mais promissor jogador que apareceu nesse território continental.

É inadmissível que todas as esperanças de título da Copa em 2014 residam somente ali, no canto direito da defesa dos adversários do Brasil. Por mais habilidoso e promissor que Neymar seja, é desumano delegar a um só homem a tarefa de resgatar uma cicatriz nacional existente há mais de 6 décadas, apagar o Maracanazo e levantar a taça no estádio que será erguido no mesmo lugar onde residia o austero 'Maior do Mundo'. Entretanto, ainda não é possível prever se realmente René Simões de alguma forma tinha razão e toda essa carga concentrada de responsabilidade vai resultar na criação de um franzino e megalomaníaco monstro.


Por Helcio Herbert Neto.