sábado, 17 de março de 2012

Guarde em ti o Bem

Para ler ao som de: Guardo em mim - Teresa Cristina

É só alguém se dar mal que aparece uma pobre alma para reproduzir o batido dizer popular: decepção não mata, ensina a viver. Talvez devido ao fato de ter encontrado afago na frase em funesto momento pretérito, o caridoso repete o ditado sem submetê-lo ao mais superficial processo reflexivo, na mais afável intenção de confortar aquele que foi marcado pelo dissabor. De tão repetida, massacrada na língua popular, a sentença passou por um processo de cristalização; e na imagem criada a dor sentida no momento adverso tornou-se degrau certeiro para sucesso futuro.

Contudo, amigos, sabemos que não é bem assim. O sofrimento talhado à brasa em nossas experiências não é compreendido sempre como aprendizado para vitórias futuras ou como passagem efêmera no caminho dourado da glória. A decepção causa fissuras, traumas, nas personalidades. Na tentativa de preservação, evitamos contato com o que já causou desconforto e agonia, com o que, na memória, está etiquetado com a palavra Mal. Ressabiados por conhecermos os tristes finais, negligenciamos partidas e não nos entusiasmamos com começos sensacionais.

E no medo de errar novamente temos a pior companhia. Nos distanciamos da verdade frente aos olhos pelo simples fato de lembrarmos do gosto azedo que o passado nos ofereceu. Por receio, enquadramos perspectivas, limitando ao usual a vida que poderia ser espetacular. Agora surge a pergunta: o que tudo isso tem a ver com o futebol? Quem conhece minimamente as ideias de Joel Santana sobre o esporte e soube da história do jogo da última quinta-feira já deve suspeitar.

Apaixonado pelo uso de cabeças-de-área, Joel não costuma abrir mão de escalar no mínimo uma trinca deles. Contudo, com a série de contusões que abateu o elenco do Flamengo, restou-lhe somente três volantes de ofício no grupo: Luiz Antônio, Muralha e Maldonado. O veterano chileno, que ainda não alcançou o melhor de sua forma física, foi preterido em detrimento dos outros dois jovens, mais leves e habilidosos, na partida contra o Olimpia na Libertadores. Assim sendo, o Rubro-Negro entrou em campo com uma formação ofensiva, de toque de bola, enfim, diferenciada.

Até os vinte e cinco minutos do segundo tempo o que se viu foi arte, sem dúvidas a melhor partida do Flamengo desde 2009, quando o time foi campeão brasileiro. A progressão dos meias defensivos e o apoio dos harmonioso dos laterais deu traços finos a estética do jogo. A beleza foi tanta que viabilizou o despertar de um atleta que vêm de seis anos de sonolência. Ronaldinho foi, por instantes, mágico, vibrante, vivo. Levou ao delírio a massa que esquentava o gélido Engenhão (ou Stadium Rio, mais apropriado). Ilustrando tudo isso há o terceiro gol, de Luiz Antônio, com o ponto-futuro dos volantes e a maestria do Camisa 10. A velocidade do guardião da zaga e a genialidade do Gaúcho pareciam ser o clímax de uma festa.

Com vocês sabem, não foi. Em espírito, o time foi ao vestiário depois do terceiro gol, desapareceu, deixando em desalinho os mais de 30 mil torcedores que lá estavam. Veio o empate, as críticas e o pior: o questionamento da formação usada pelo técnico flamenguista. Sim, delegou-se à escalação bem-sucedida do técnico o peso do abatimento moral daqueles onze homens que defendiam o mais popular clube do Brasil. Por erro de falsa causalidade, sobrou para a inventividade de Joel Santana. Se o treinador teve culpa, não foi pela escalação, e sim pela inoperância de sua única (e rotineira) alteração, a entrada de Negueba.

É necessário cuidado com a maneira como será encarada a decepção do amargo empate. O mundo caiu em cima do grupo: como deixar uma vitória assim escorrer pelo ralo? A indagação é válida, claro. Não obstante, a única certeza que é necessária ser guardada da tragédia contra o Olimpia do Paraguai é a eficiência da linha média leve, com poder de ataque e reestruturação defensiva. Embora atacado pela imprensa, Joel não deve deixar-se marcar pelo insucesso. O dia 15 de março não deve causar arrepios de temor e sim de inspiração; naquele insucesso há o germe da destruição do pragmatismo e o começo de um incipiente projeto arrojado. Projeto que pode levar a uma estrada promissora.

Por Helcio Herbert Neto.

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