terça-feira, 27 de novembro de 2012

Àquela tarde na Cinelândia

(Divulgação/Carlos Magno)

Recorro as solitárias linhas deste blog para contar o que eu vi na tarde desta segunda-feira. Criaram um feriado, uma festa, para reivindicar a participação no lucro do petróleo, que virou a Arca de Noé do governo Lula/Dilma após a descoberta do tesouro do Pré-Sal. Não satisfeitos em cravarem a navalha na carne do Maracanã, Cabral, Paes e o bloco dos contentes se tornaram líderes manifestantes (vejam vocês...) do protesto "Veta, Dilma", que maculou a arena de democrática da cidade com um movimento pelego, esvaziado e sem alma. Eles só não contavam que ainda existe vida nas antigas terras abençoadas por São Sebastião, de Garrinchas e Joões Cândidos.

Ainda sobre a manifestação que teve como algumas das atrações o glorioso conjunto de pagode Molejo, os dançarinos do Hawainos, além de escolas de samba e Xuxa. A Furacão 2000 também. É verdade que Fernanda Montenegro esteve lá, bem como Alcione e uma bela versão do hino nacional, espasmos de importância em uma tarde em que até a chuva não teve altivez para cair com personalidade. A contagem oficial marcou 200 mil pessoas. Real? O mais simbólico de tudo que envolveu a produção é a escolha do nome. Mais uma vez, uma estratégia brilhante de publicidade esvaziou um movimento suntuosa da iniciativa civil, o remontou e o entregou ao público em uma bandeja de prata, como se ali existisse uma joia singular e legítima.

Durante o decorrer político do Código Florestal, circulou na internet uma ação pública que pedia a revisão daquele atentado às preciosidades naturais brasileiras. E a luta conseguiu algum êxito, Dilma foi colocada nos coletes do desconforto e realizou algumas poucas alterações. E eis que a corte política que impõe ordem nos Mares de Morros do Estado do Rio utiliza o mesmo nome, a mesma marca e ainda pede, repetidamente, durante a apresentação no palco da Cinelândia, que as pessoas se manifestem nas redes sociais. Mordaça política, manobra publicitária. Chame como quiser.

Entretanto, nem assim foi possível silenciar a massa descontente do país, mais especificamente, no Maravilhoso Cenário para um Cidade. Estudantes levaram cartazes que lapidam a palavra "Injustiça", tão empurrada pelos nossos ouvidos todos os dias durante esse período de campanha. Realmente, o projeto de Lei atropela da Constituição Cidadã em alguns pontos, como o trecho que exige a remissão financeira para os estados produtores de riquezas. Amigos, há atitude mais cidadã do que dividir os lucros, inibir a macrocefalia que canaliza os fluxos migratórios nacionais para o eixo Centro-Sul? Talvez se fosse aprovada a obrigatoriedade da utilização dos royalties para a educação, o ato alcançasse o ápice de cidadania.

Uma comuna, sim, das mais belas e tradicionais, foi formada na Rio Branco, na altura do Largo da Carioca. Estava lá, não vi bandeira de partido político nesse instante. Uma barreira humana, que trazia a comunhão de índios da Aldeia Maracanã, estudantes e pessoas com a máscara do incrível personagem "V", símbolo dos Anonymous.  E foram fortes, destemidos. Com o trio elétrico se aproximando, eles permaneceram. O choque lógico se formou, empurrões entre os que se sentem contemplados pelo governo e pelo o que constatam o esquecimento."Esse governo não me representa", ouvi, enquanto empurrões, tapas e agressões podiam ser vistas.

Com a passagem da comitiva, a diluição do cordão era certa. Ou não. O barulho continuou, irritou. Já estávamos na frente do Theatro Municipal. Alcione se apresentava, carros de políticos do interior utilizavam o instante de projeção que aquele circo oferecia. O hino teve fim, Paes pedia para as bandeiras serem abaixadas, tanto por trazerem sorrisos aproveitadores quanto por deixarem feias as fotos das capas dos matutinos do dia seguinte. "Temos que enaltecer esse momento, um dia de movimentos pacíficos que as pessoas pediram Justiça", disse o mestre de cerimônias. Estava na esquina entre a Avenida Rio Branco e a Rua Araújo Porto Alegre. Senti um cheiro seco, atmosfera pesada. Incompetência minha assumo. Vi pessoas tapando o rosto.

Era o último golpe daquele dia 26 de novembro, a irremediável eutanásia no grupo de manisfestantes. Cerca de cem pessoas foram tratadas com as regalias dos subversivos: spray de pimenta. Os olhos secam, o sistema respiratório é concretado. Tudo estava pronto para as apresentações popularescas tomarem a Cinelândia. Na antiga arena de idéias agora ecoava um som qualquer, de pouca identidade. Com assento mesmo, portando a dignidade dos arcaísmos. Caiu a noite. Mas os descontentes são muitos, não vão se calar assim. Nem mesmo aumentando o som dos auto-falantes.

                                                                                                                 
por Helcio Herbert Neto.                        

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Cada dia mais difícil



Uma expressão/apelo que ouvimos com frequência nas salas de aula e irrestritamente nas dinâmicas de RH é "fazer diferente". Se você conseguir fazer diferente e ainda ser "proativo" ao mesmo tempo, praticamente garante seu futuro. Aliás, certa vez, em uma dessas entrevistas que você vai meio obrigado, eu estava num transe entre a demência e o sono quando ouvi a psicóloga (cof) dizer os pré-requesitos para a vaga, e, obviamente, eram os que já mencionei. Acordei e me pus seriamente a pensar em como um vendedor de loja e - tem mais - um estoquista poderiam fazer diferente e ser proativos no seu dia a dia. Segundo a mulher que estudou quatro anos de Freud-Jung-Lacan, a proatividade é "antecipar os problemas, reagir as ações antes que elas aconteçam", ao passo que fazer diferente é "mudar o rumo das coisas, chocar". Ali, naquela entrevista na Cinelândia, entendi que eles talvez precisassem da Mãe Diná vendendo camisas e de um estoquista subindo e descendo caixas totalmente nu, ereto de preferência. Achei aquilo tudo meio esquisito e dei o fora.

Gracinhas à parte, essa coisa de fazer diferente me incomoda bastante desde que me entendo por gente. Não sei se é uma especificidade da minha personalidade ou um desconforto geral, mas nunca tive a menor paciência para iniciar um aprendizado da estaca zero. É óbvio que fui alfabetizado, aprendi a cagar e a me limpar sozinho, dentre outras coisas, porém a maioria delas necessidades básicas. Na segunda aula de violão sem conseguir tocar uma música inteira, larguei aquilo de mão. Com flauta, gaita, surfe, skate, arco e flecha e muitas outras atividades foi exatamente igual. Mais do que o fato de não conseguir realizar minimamente aquilo, o que me angustia até hoje é "quanto vai demorar e quanto vou ter que me esforçar para eu ser o melhor nisso?". Não digo ser o Jimmy Page ou o Kelly Slater, claro, mas pelo menos ser incrivelmente bom. Pode soar obsessivo, e talvez seja, mas a mediocridade me apavora, e para tocar, praticar ou jogar mal, a não ser que seja muitíssimo prazeroso, não vale a pena.

Não se trata de um excesso de competitividade - até porque minha preguiça para divididas é maior -, eu só sustento a teoria de que somos pressionados e recalcados por tudo que veio antes, o que nos torna subdesenvolvidos, atrofiados, às vezes até natimortos. Além do conteúdo produzido até hoje ser incomensurável, vivemos a época que tudo está disponível o tempo todo; pegamos gosto por alguma coisa, vamos nos aprofundando naquilo, descobrimos referências, e elas jamais findam, seja no rock, na poesia, na pintura e até no futebol.

Um menino de Liverpool que pega uma guitarra com interesse pela primeira vez, um dia saberá dos Beatles e dos outros tantos, e é provável que seja esmagado por eles. A reação natural é dizer "Que isso! Ele vai ver que pode chegar lá também e isso será uma motição" ou "Nada! Vai pegar essas referências e absorvê-las". Pode ser, mas Messi é o maior artilheiro da história do Barcelona, três vezes melhor do mundo, um gênio incontestável e segue sendo comparado a Maradona e, logo, a Pelé. Mesmo em seu íntimo, quando deita a cabeça no travesseiro, Messi, como já admitiu, deve pensar em como Ronaldinho fazia aquelas mágicas. Neymar é Neymar, mas pensa em Messi, em ser Messi; melhor que Messi. E os que nunca chegam? Para os deuses já é doloroso, imagine para os mortais. Em quatro épocas diferentes da minha vida eu comecei a escrever um livro, e em nenhuma delas passei da página 25. Na 26ª, ou algo muito próximo disso, eu reli, lembrei dos meus autores-referência, senti desgoto pelo meu texto e chorei. Talvez eu me cobre muito ou talvez o mundo simplesmente esteja  ficando cada vez mais difícil de tão saturado. Vai saber.


Por Beto Passeri.



segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Brinde à seco


(Divulgação/Fluminense)

Domingo à noite e nada mais a fazer. Os quatro se sentam ao bar para elocubrar qualquer coisa inútil, rir de meia-dúzia de personagens antigos do bairro, e, é lógico, beber. A conversa caminhava em velocidade lenta, fatos e histórias passavam como em um carrossel naquela noite quente de domingo, até que o exercício de memória chegou ao ponto crítico, doloroso. O assunto agora era o amor. Um se fez de frio, outro de romântico satirizado, o terceiro assumiu seus casos com a amargura típica, e o último já tinha tomado cerveja demais para assumir qualquer posição. Todos cômodos, escondidos em seus figurinos. Até que uma pergunta trouxe um desconforto inédito ainda naquela movimentada esquina da praça.

Qual foi o último beijo sóbrio que você deu? Silêncio. Coçadas na cabeça, ajeitadas na cadeira. Parece que o tema já havia sido abordado em outro momento, dois ali estavam pouco menos desconcertados em consultar suas memórias. Só um pouco. O exercício era doloroso. O último cinema, um passeio pela tarde... um encontro no boteco. Mas o beijo foi antes de começar a beber. Vale? Fazia tempo, para alguns ali, uma vida, que o romance tinha encravado em si o cheiro de fim de noite na Lapa. 

Assumimos uma rotina, seja nos dias de semana, seja na higiene pessoal, que enquadra a vida em um polígono de arestas de navalha. Inerte, estanque. Fugimos do abismo que é tentar o diferente, romper o "de sempre", optamos pelo confortável. O assustador é perceber que as doutrinas do dia-a-dia invadiram até o amor. Desenvolvemos obrigações, estágios e passos e morremos abraçados a eles. Beber antes de sair à noite, rezar antes de dormir, reeleger políticos medíocres. Tudo por medo do novo, por fobia ao ineditismo.

Com a audácia dos dois confidentes do bar, eu pergunto à vocês: qual o último time que ousou? Quando seu time transgrediu o convencional, em âmbito técnico, tático ou emocional? O santista pode dizer que seu time, em 2010, buscou isso. E é verdade, mas por poucos meses. Quase é possível contar os dias dessa façanha nas mãos. Antes, talvez o Cruzeiro, no começo do milênio. E só.

Não falo aqui dos já sacrificados volantes, da falta de audácia dos laterais, da ausência do já mitificado "Meia Clássico". A questão é mais profunda. Não há atração pelo heterodoxo, pelo pouco comum, pelo excêntrico. O medo das críticas, o cotidiano, os filhos à criar. Tudo prega os audazes no chão. Nada contra o Fluminense, cheio de méritos, inquestionável. No entanto, é inegável que hoje tivemos mais um campeão engessado, inerte, bem-comportado e chato.

O bar esvaziou, o sorriso surdo das belas meninas da região agora não pode mais ser visto. A madrugada abre os braços para os quatros amigos que,bêbados, tentam esquecer o duro questionamento. No fim de tudo, a cama e a consciência. A inquietude do dia seguinte também, será ela a responsável por mudar aquele sentimento de náusea iniciado em uma despretensiosa conversa de bar. Talvez no fim de semana seguinte, dediquem um brinde aos que têm a altivez de acordar dispostos a fazer diferente. Dessa vez, um brinde à seco.

                                                                                  
Por Helcio Herbert Neto. 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A Confissão ou Chico das ruas

(Internacional/Divulgação) A decisão certa de Francisco resultou na sua ausência na próxima rodada do Campeonato Brasileiro.


Francisco Carlos Nascimento, juiz da partida do Inter contra o Palmeiras, no último fim de semana, acertou, algo raríssimo nos últimos anos do futebol. A presença de um sem-número de câmeras somada aos interpretativos e poucos conclusivos regulamentos do esporte que chuta a bola emitiu um atestado de incompetência para todos os juízes. E o Chico rasgou-o documento, fez o certo. Como? 

Tudo indica que com a ajuda da tecnologia. O delegado Gérson Baluta parece ter se utilizado da informação  obtida com repórteres à beira do campo. Se utilizou dos instrumentos que a humanidade (em sua errônea e longa caminhada...) conseguiu desenvolver para ajudar a decisão de um solitário, bem-alimentado e aflito colega entregue ao som de urros de mais de duas dezenas de machos famintos. Fez o certo. Pena que contrariou a idônea e inquestionável FIFA.

Uma entidade que, além de toda a corrupção, da qual não falaremos aqui ("esquecimento" raro neste empoeirado e mal-criado blog), ainda é omissa e inerte. Que abaixa o queixo para não ver como as novas tecnologias ajudariam o futebol. Obsoleta como uma foto de lambe-lambe. O que o bravo Chico fez foi, acima de tudo, um ato de honestidade. Honestidade cristalina, subversiva e natural.

(Prefeitura/Divulgação) O trabalho de um chico custou-lhe um prejuízo inestimável.

Francisco teve a sensação dos ambulantes e camelôs. Não possuem aval das autoridades, mas têm o choro do bebê em casa, uma família para cuidar. Muitos roubam, erram sabendo. Chico não. Se os poderosos afrouxam, neste exato instante, o cinto da calça após o lanche da tarde, é hora de atacar, de manter-se vivo, até que eles se sintam incomodados com o cheiro de quem não lhes oferece o sangue em subserviência. Pode parecer uma visão idealizada, e realmente é. O que seria de nós sem nossos santuários.

O resultado de sua altivez: está fora da escala de árbitros nos jogos da Série A na próxima rodada do Brasileirão. Culpado sem provas. E se houvesse confissão, nada haveria a perdoar. Chico fez o que seus homônimos fazem todos os dias nas ruas. Eles não compactuam com o erro que vem de cima. Tentam, com os ombros, fazer o melhor possível. Com a atitude tomada no instante crucial do gol de Barcos, a comitiva de arbitragem ali presente arrombou uma porta, deu início à uma combustão que demoraria décadas para ser iniciada. A privação de agora pode representar, em um futuro próximo, o nascimento de uma nova burocracia do futebol, sem descomposturas, sem pactos escusos e com o auxílio das mais avançadas tecnologias. Morre nasce trigo. Vive e morre pão. 

Por Helcio Herbert Neto.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Release me, Brasil



O calor nefasto acobertado pelo trágico horário de verão só reforçava a minha total dessintonia com a cidade àquela altura. Eu já abandonara qualquer forma de cumplicidade com o Rio havia meses, e agora eu me tornara praticamente um sociopata. Dali a 40 dias eu estaria pisando no glamouroso Velho Continente, Reino Unido, Londres, e isso nem de longe me tornava arrogante, mas me distanciava inevitavelmente de tudo. Em pouco mais de um mês eu ainda precisaria entregar resenhas na faculdade, garantir uma nota, fazer a prova de diplomação espanhola, pedir demissão do trabalho, economizar mais grana, confessar minha paixão platônica a duas colegas e me considerar escritor suficiente para encarar o que está por vir. Eu não faço a menor ideia do que está por vir e estou excitantemente apavorado - posso voltar apenas com meia dúzia de fotos e escritos soltos, morrer bêbado e congelado na Piccadilly Circus ou me tornar barman do Ministry of Sound e receber meus amigos com uísque escocês duas vezes por ano na lareira da minha casa pelo resto da vida.

Eu assistia a um quase decisivo Flamengo e Atlético Mineiro e não conseguia prestar a mínima atenção nos lances da partida. Há algum tempo eu ando numa relação de desencantamento com o futebol, tal qual uma criança no seu primeiro Natal após saber da inexistência do Velho Noel, ou outra dessas coisas que nos são arrancadas de forma quase brutal. Eu cheguei ao meu limite de tolerância com a brasilidade e, mais especificamente, com a carioquicidade, e ambas estavam representadas ali, no campo e em volta dele, o tempo inteiro, ajudando a esculpir nossa pífia identidade nacional. Eu já me vejo arrumando a mala.

O futebol é essa torre de marfim do imaginário coletivo? É o símbolo de conquista de uma democracia racial e, ao mesmo tempo, possibilidade de ascensão social? Ou é tão segregador e desigual como tudo que ocorre neste país do “vamos que vamos”? É remédio universal e veneno de si mesmo, sob a narrativa da “molecagem”, da “malandragem”, que perpetua essa caracterização abominável do brasileiro, do carioca. Flamengo e Atlético passaram 50% do tempo sem jogar bola, apenas batendo papo com o árbitro da partida. Bernard quis uma mão inexistente dentro da área no “esquema”, tal qual um flanelinha pedindo gorjeta descabida na Cinelândia. Vágner Love passou o jogo inteiro sem pegar na redonda, mas “desenrolou” um cartão amarelo para o defensor do Galo. Ronaldinho se atirou num teatro muito mal encenado na meia-lua, e o árbitro foi na dele, pois não é profissionalizado, não recebe o treinamento necessário e trabalha sempre no “mais ou menos”. E eu estava torcendo minimamente para o Flamengo, que corre risco de rebaixamento, quando vi Paulo Sérgio no banco - jogador de nível técnico duvidosíssimo, sumido desde abril e que de um dia para outro ressurgiu das cinzas ou, muito mais provável, das mãos de um empresário com “treta” na Gávea.

É insuportável falar disso justamente por achar que uma das causas para tanto fracasso social em todos os aspectos é esse “complexo de vira-lata”. Mas o fato é que, a 40 dias de uma cerveja num pub, estou nauseado de ainda estar aqui, andando no metrô superfaturado, ruim, onde as pessoas se acotovelam umas as outras e se pisoteiam em busca de um lugar, para no minuto seguinte se entreolharem com um risinho de canto de boca – “oh, que divertida a nossa vida de safari”.

Eu não aguento mais viver sob o ideário de uma “Cidade Maravilhosa”, como se uma foto noturna do Cristo Redentor justificasse um dos custos de vida mais caros do mundo. Como se a imagem icônica do Pão de Açúcar limpasse as ruas lotadas de mendigos e o cheiro de mijo por cada esquina, e os cidadãos passando na tangente, dando esmola motivados por uma certa culpa cristã, mas com nojo de tocar a mão do indigente. Como se o fato de falar mermo, ixqueiro e ser descolado “uhul” redimisse a responsabilidade por absolutamente nenhum serviço funcionar como deveria. Migué; tudo se construiu sobre o apego pelo migué irrestrito, em qualquer instância. Como a imagem metonímica que vejo agora de Ronaldinho com a mão na cintura, rindo e pedindo mais uma falta inexistente. E a lembrança da existência das cúpulas de futebol, das federações inescrupulosas, da CBF e de uma Copa do Mundo que está por vir, abafada pelas manchetes do Mensalão.

Eu só preciso do BA 4208 ligando as turbinas numa pista qualquer do Galeão Antônio Carlos Jobim, pronto para me levar longe da Bossa Nova, que não tem muita culpa, e de todo o resto. Os meus ouvidos entupidos pela pressão, felizes por não escutarem o que a senhora de cabelos grisalhos da poltrona ao lado - que está indo passar as festas de fim de ano com a filha recém-casada – tem a dizer ao marido barrigudo, duas poltronas a minha direita. Eu quero rock. Release me, Brasil.


Por Beto Passeri.