sábado, 21 de julho de 2012

Perdeu a hora


Para ler ao som de: Leoni - Hora de Pular do Trem

A solução para o martírio que têm sido esses últimos dias. Encontrar no amor o fim do despencar oco das páginas do calendário. Tudo tão vazio, tão sem sentido. Por que não inundar a existência vã com a presença mítica ou mitificada da mais quente paixão? Parece razoável. Idiossincrasias? Aceito-as todas. Basta que eu seja brindado com um futuro pródigo em memórias perfumadas. Troco cada agressivo silêncio atual pela promessa de dias melhores. Torna-se mais fácil ainda abdicar de tudo ao ver o desfile, imponente, daquela figura pelos quatro cantos da vida. Graciosa e austera; lá se vai tudo que tinha. A recompensa, há de se esperar.

Audaciosa proposta de fim de noite. Ao fechar das portas, entre vassouras e cadeiras viradas para o ar, o acordo é feito. De certo, só a esperança. E como é bom respirar o ar puro e crente de quem possui dias brilhantes a esperar em uma esquina dessas. Do lado, um sorriso cristalino. É sabido que lá reside um potencial desalinho. Não: nada é certo. Na dúvida descansa toda a aflição das vésperas e de todas as noites  sem dormir. Também dos dias sem vontade de sair da cama. Analisando assim, parece realmente válido.

Bailam braços e pernas por ruas, avenidas e campos esverdeados. Por onde passa, o mito comove massas passionais. Virtuosas apresentações aquela presença incandescerá aqui ao lado. Entretanto, quando dou de costas, eis que surgem intrigas, sarcasmo e sempre dúvida. De um lado tão boa, doutro, dor. Ainda que reste todos os mais baixos sentimentos, as noites melhores virão. Pior do que eram dificilmente serão. É necessário acreditar nisso para manter-se erguido diante às mazelas que ainda me tiram o chão.

De súbito, surge o silêncio. Um indizível silêncio, que persegue todas as horas dos dias. O mito ainda está no mesmo lugar, mas já não responde. Isso é um álibi. Pule, desista disso. Encare todo com a sobriedade de uma segunda-feira morna, não mais preciso é duvidar: já deu errado. Se fosse importante sua voz voltaria, sentiria falta, legitimaria mais rápido o acordo. O contrário acontece, o vazio sonoro é a mais firme respostas. Hora de desertar. Contudo, o prazo ainda dá margem a uma crença. Em vez de ser laico, a opção escolhida é o sectarismo religioso. Religião cega que crê em argumentos fracos e foge das respostas evidentes.

Perde a hora de desistir. A posição se alterna, agora é a submissão que resta. Mendigo a presença daquilo que foi sempre imaterial. Implacável, o objeto desejado enumera todas as falhas cometidas, expõe todas as fraquezas. Na conta, agora não somente os problemas de sempre. O peso de mais um forte desilusão posa no dorso. Pela frente, a mesma rotina de sempre; mais tenebrosa que nunca. Mas o jogo tem que ser jogado, e é assim que vai ser.

                                                                                                
por Helcio Herbert Neto.                                                                       

segunda-feira, 16 de julho de 2012

'Fruto da Juvenília'


Sempre quando pergunto sobre a produção do álbum que decifrou os mistérios do Lado Obscuro da Lua, é assim que Roger responde. Austero, fala que o álbum é um espasmo manco da juventude. O medo  da ferocidade do tempo, as aflições políticas, a experiência de constatar o trivial de tudo que é feito na existência... tudo isso que foi alcançado no Dark Side of the Moon, segundo o cérebro do Pink Floyd, é uma pueril tentativa de jovens de fazer arte. O disco, para Roger Waters (repito, novamente...), é um retrato de uma época em que faltava maturidade musical a ele e a banda.

Nos anos que seguiram, Roger Waters ganhou maturidade. Gravou outros tantos trabalhos com o Floyd, entre eles o The Wall, obra que partiu somente de sua inventividade e, sem que houvesse a participação de nenhum dos outros 'dispensáveis' da banda, expandiu-se chegando até aos cinemas. Sim, ele não precisava de ninguém. Tornou-se megaempresário midiático, fundou a Britannia Row, um estúdio gigantesco que tinha espaço até mesmo para receber suas idiossincrasias. Era hegemônico, respeitado. Grande Roger. Família construída, pés nos chão, almoço na mesa e sem nenhum louco das ruas de Camden Town gritando sob efeito lisérgico ou simplesmente eufórico com a possibilidade da vida mudar para melhor.

Não era mais o fim da década de sessenta. O mundo não havia pagado o dívida e tudo andava  comum e cinza como sempre foi e como ainda vai ser. A época de underground havia desaparecido e deixado poucas lembranças que não o dinheiro em sua conta. Clubes, teatros e fazendas não mais recebiam o antigo quinteto de Syd Barret. Agora, os quatro dinossauros sobreviventes só aparecem em estádios e arenas. Roger mal entendia o que aqueles outros três imprestáveis faziam ao seu lado no palco. David ainda queria cantar. Aparecer em destaque e deixá-lo como figuração: ele, Roger Watters, o dono da música. Quanta ousadia.

Podem ir, sou melhor só. Quem buscaria um show do Pink Floyd na ausência da regência de Mr. Waters? Sua saída era a liberdade, que só a maturidade pode fazer acender. Um disco solo, uma nova mulher, e família. Dinheiro e turnê. Música, as vezes. Os anos lhe conferiram cabelos brancos e uma rotina mais regrada e material. As composições não fluíam como em outrora. Claro que fluíam, ele ainda era o mesmo, agora mais velho e sábio. Sempre falam isso, que a vantagem de ganhar idade é a sabedoria que dela emana. As reverências que recebia por onde passava mostravam isso.

Bom ser experiente. Há tempo ainda para o tradicional fish and chips em tarde de futebol. Nesse tempo de mais calmaria, tornou-se fã de futebol. Os vizinhos se ligavam no Arsenal então achou válido vestir vermelho e branco para conseguir penetrar na aristocracia londrina. Aos poucos, rendeu-se aos encantos do esporte inventado pelos ingleses. Só podia ter saído daqui, pensou. Sozinho, na sala, tinha a frente a mais recente televisão lançada na loja e a mão gordurosa apoiada na calça. O frango e a batata aguardavam ao lado, entre suas pernas. A partida era animada, digna de arrancar um sorriso. Todos jovens, jogando de um lado para o outro e sendo assistidos por milhões de pessoas. Eles são mitos, embora em tenra idade. 

Novos. Como Rick, Nick, David e ele em 1973. Gravando os mais loucos sons para criar a textura para mostra o outro aspecto de tudo. Como são doces os frutos da juvenília. Sou hoje tributo de mim mesmo, um viajante sentado à beira do caminho esperando um trem que já passou e não vai voltar. Tentou não pensar, era tarde. Na estante, a capa do Dark Side parecia fazer doer a vista. O peixe ficou subitamente amargo. O juíz apitou o fim do jogo, havia acabado. Tudo. Levantou-se, foi à cozinha e viu a geladeira cheia. Sentiu-se confortável. Agora podia continuar mentido para todos, falar que havia melhorado com o tempo.
                                                                                                                       
por Helcio Herbert Neto.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Aos Velhos Tempos




Ele era do tipo bonitão. Não era tão bom de papo, mas nunca precisou levar muito na conversa. Italiano, charmoso, trazia uma bagagem imensa. Poderoso, isso. Daqueles tipos que chamam atenção, que te fazem virar a cabeça numa festa e perguntar “quem é aquele cara?”. E assim levava.

Sempre tinha com quem transar. E ostentava mesmo, sem cerimônia. Gostava de se mostrar e exibia as mulheres que havia conquistado como troféus. Assim, ia fazendo fãs, virava uma referência pouco a pouco por toda a região. Mas também tinha rivais. Lembro da minha época de marombeiro, de Academia; o italiano sempre dividia – a contragosto, claro - as mais maravilhosas com um praieiro de Santos que até então ninguém tinha ouvido falar. Eu observava de longe, ainda era bem novo para aquela galera.

O tempo passou, o italiano se consagrou mesmo como uma lenda das conquistas, uma espécie de Hugh Hefner do Brasil. Nos conhecemos melhor uma vez. A parceria foi passageira, mas bastante intensa. Tínhamos muito em comum. Ele tinha o sotaque carregado, mas eu entendia, pois também sou de família italiana. Aprendi muito com ele, e ele – por que não? – comigo. Libertei-o do território nacional, no qual tinha se acomodado há tempos. Conheceu o mundo, ficou mais marrento que nunca. Não por isso, mas paramos de nos falar.

Cada um tomou seu rumo, admito que as coisas ficaram boas para mim. Quanto ao italiano, não ouvia mais falar. Porém, depois de anos sem notícias, soube que estava na pior. Que perdera todo o dinheiro de uma parceria, suas mulheres o haviam abandonado e que muita gente boa e jovem tinha tomado seu lugar. Corri atrás de mais informações, claro. “Ah, é, ele está falido”, me disseram. “Parou no tempo, achou que sobreviveria do passado, mas ninguém está nem aí”. Me bateu uma melancolia muito grande, me recordei daqueles anos que pareceram uma eternidade. Precisei voltar ao Brasil.

E lá estava ele mesmo. Na sarjeta, pobre, castigado. Pelas derrotas no caminho e, mais ainda, pelo triunfo dos outros. Levei-o para casa, ele tomou um banho e se meteu na roupa mais fina que tinha. Prometi que o levaria a um bom bar e que se lembraria dos bons tempos. Era nítido que estava sem jeito, tímido. Precisávamos beber um pouco. Sentamos numa mesa, logo propuseram um jogo de vira-vira. Achei que aquilo não fosse dar certo, confesso, mas conforme os fracos iam ficando pelo caminho comecei a enxergar nos olhos já menores do italiano aquele 'monstro' de anos atrás.

Sobraram quatro pessoas na mesa. Estavam todos altos, mas eu podia sentir a concentração do italiano, olhava sem parar para uma moça espetacular que observava tudo calmamente. O italiano desafiou o ‘Imortal’, apelido de um gaúcho amigo meu de longa data também, e que eu sabia que não desistia de jogo nenhum. Uma dose para cada um e o cara foi à lona. Do outro lado, um outro também caiu. Eram só os dois agora. O sujeito, meio prepotente, jurou levar o italiano para o Inferno. Ele não respondeu. Sorriu de canto de boca, ergueu o copo, como que brindando debochadamente, e venceu.


Levantou, completamente bêbado, mas mantendo a postura. Caminhou na minha direção, me puxou pelo braço e me levou até onde estava aquela mulher, a mais linda do bar. Agarrou-a, beijou a moça com toda a vontade que um beijo pode ter, com todo o tesão prestes a explodir. De repente, empurrou-a para mim, soltou uma gargalhada e disse: “Aos velhos tempos, professor”. Ele estava de volta. E eu também.



Por Beto Passeri.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Faz tanto tempo assim?











Quase sempre que falamos de passado fica a impressão de que estamos nos referindo a um tempo áureo, melhor que o atual e que jamais voltará. A terceira premissa certamente é verdadeira; as outras duas são discutíveis, mas eu, guiado pelo meu pessimismo com o futuro, tendo a acreditar que não são falaciosas como um todo. De qualquer forma, não é o passado em si que me interessa agora. É o não-passado, o ‘falso passado’, ou seja lá como você queira chamar.

A definição de passado é tudo aquilo que já passou. E a definição, tão simples, é muito genial. Isso porque é exatamente assim que deveria funcionar, mas não funciona. Pois não interessa o quanto o relógio ou calendário nos direcione, só nos encontraremos através sentimento de pertencimento daquele tempo e espaço. 

Ou seja, se em 100 anos nada acontecesse no mundo além do passar dos dias e das noites, nós não consideraríamos esse período como passado. Por outro lado, se em 60 segundos toda a história da humanidade mudasse, esse minuto seria um marco e dividiria dois tempos bem distintos, tal qual foi o milésimo de segundo em que a primeira partícula do Big Bang explodiu. O que me separa da Independência do Brasil não são 190 anos, mas o fato de eu não conseguir me imaginar em tal conjuntura. O que me distancia das minhas primeiras festas de aniversário não são esses anos de vida gastos até aqui, mas a memória embaçada, destorcida, quase bêbada daquele tempo.

Claro que essas são comparações extremistas – e a graça é essa -, mas é inegável que estamos condicionados ao tic-tac do relógio, que “pensa” por nós, evitando uma confrontação com nossas próprias vivências. Vamos ao ponto: 2006. Não parece tão distante assim, né? (Agora mesmo, numa fração de segundos, você recorreu a um ponto de referência - seis anos atrás – não foi?). Claro que todo mundo irá se surpreender relembrando detalhes de seis anos atrás, como era a vida pessoal, amorosa, o trabalho, etc, mas uns se espantarão mais e outros nem tanto. Para alguns, seis anos significa metade, um terço da vida; para outros, um piscar de olhos. Essa discrepância do relativismo de idades e também a intensidade das mudanças me leva a buscar um ponto comum, que é o motivo pelo qual este texto está neste blog: o futebol.

Todo esse pensamento me ocorreu assistindo à final da Eurocopa, quando os comentaristas falavam sobre a formação dessa atual seleção da Espanha. 2008, na outra Eurocopa. Mas eu precisei buscar um ponto de referência ainda mais forte e acabei me detendo na Copa do Mundo de 2006.

Você ainda tem a(o) mesma(o) namorada(o) ou marido/esposa que tinha em 2006? Pois o Brasil era inquestionavelmente a melhor seleção do mundo, referência do futebol arte, e a Espanha...ninguém levava a Espanha a sério. Você tem o mesmo emprego? Porque Ronaldinho Gaúcho era o atual melhor jogador do mundo. Hoje ele está no Atlético Mineiro, que àquela época disputava a Série B do Campeonato Brasileiro. Você ainda mora na mesma casa? Pois fique sabendo que Seedorf, um dos craques do Milan campeão da Liga dos Campeões no ano seguinte, acaba de fechar com o Botafogo do Rio de Janeiro, que em 2006 comemorava um estadual depois de seis anos sem levantar um troféu.

Você não mudou muito desde 2006? Mas Iniesta, eleito melhor jogador desta Eurocopa e autor do gol do único título Mundial da Espanha, era reserva na seleção e no Barcelona. Messi, três vezes melhor do mundo e já um dos maiores jogadores da história do futebol, também.

Você se aposentou nesse tempo? Ronaldo, Zidane e Romário também. O último, inclusive, chegou ao milésimo gol. Você se formou no colégio ou na faculdade de 2006 para cá? Neymar, que tinha 14 anos, se formou no Santos. Entrou nos profissionais, ganhou um tricampeonato Paulista, uma Copa do Brasil e uma Libertadores que não vinha desde Pelé.

Faz tanto tempo assim, é? Faz. Faz porque a diferença entre um minuto, uma hora e uma vida não é o que acontece, é o que a gente sente.









Por Beto Passeri.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Espanha, Itália e a Extinção do Segundo Atacante


Espanha campeã. E ai? O que fica para o futebol?

Com certeza o que mais chama a atenção em uma primeira análise é a faiscante ausência da referência. Com base (novamente) no modelo azul-grená da Catalunha, Vicente del Bosque abandonou a fixação pelo tradicional atacante de área nos momentos decisivos, muito em virtude da má fase de Fernando Torres, muito pela contusão do dinâmico David Villa. A formação campeã, pródiga nas trocas de passes e em um avanço massivo e consistente manteve a identidade conseguida com Luís Aragones em 2008 e condecorada na Copa de 2010.

Entretanto, é vã qualquer crença de que esse estilo de jogo vai se propagar pelo mundo. A maneira coletiva dos 'Rojos' se apresentarem é fruto de condições ímpares: a perícia de seus atletas, o espírito do tempo ao qual esse grupo se insere, e outras arestas que condicionaram o brilhantismo espanhol. Ver no método dos vencedores da Eurocopa 2012 a tônica para um novo futebol nos próximos anos é um ato de leviandade. Há sim, um outro processo em percurso, mais silencioso e pulsante, que caminha na ponta dos pés para não atentar os torcedores do esporte mais praticado do planeta.

Os segundo-atacantes foram à bancarrota. O processo, que teve estopim na formação do império do sistema 4-2-3-1 na Copa da África, parece estar consolidado. O fato de acrescentarem mais um dígito no 'nome' do sistema de jogo (que, antigamente, era composto por apenas três números, referentes à linha defensiva, média e ofensiva) indica uma mudança substancial. A fusão entre a frente de meias e de atacantes que aconteceu em decorrência do desenvolvimento da condição física do esporte foi aplaudida por muitos no último mundial. 'A volta dos três atacantes', alguns sentenciaram. Não. A transformação do segundo-atacante em meio-campo seria uma frase mais apropriada.

Di Maria, Sturriedge, Robinho... todos já encarregados de impedir o avanço dos laterais nos clubes. A Euro só oficializou a jornada dupla dos atletas da posição. Solitários, os atacantes agora raramente aparecem acompanhados antes da chegada dos meias. O rechaço final à alegação de que vivemos uma 'onda ofensiva' é a constatação de que Ramires, volante de origem, ocupa o mesmo posto no Chelsea que Lucas, o ofensivo jovem, exerce no São Paulo. Quando um cabeça-de-área e um meio-atacante podem exercer a mesma função, ocupar a mesma faixa de campo, há alguma mudança no modelo ortodoxa.

A Itália, a surpreendente vice-campeã, também lança mão do 4-2-3-1, exigindo de Cassano uma colocação mais lateral e preocupada com o avanço do time adversário. Aliás, fica marcado o fascículo da redenção do time azul dentro de campo nessa competição, embora que ainda maculado pela recente aparição de casos de manipulação de resultado. Pirlo, Buffon e Balotelli (que possui somente UM ano a mais que Neymar) assumiram a responsabilidade de restabelecer o time tetracampeão no cenário da bola. E conseguiram majestosamente.

Por Helcio Herbert Neto.