sábado, 28 de janeiro de 2012

O Homem que pintou a Cidade


Ano de eleição, vocês sabem como é. Entre as estratégias mais usadas pelos candidatos está a tentativa de nos convencer que nossa visão de mundo é equivocada. Eles pretendem nos ensinar a reinterpretar suas carreiras, nos intimam a compartilhar de uma ideia florida, criada por profissionais de publicidade e assessores de imprensa. Não se tratam de mentiras, longe disso. Os políticos, principalmente os mandatários que mandam nas terras brasileiras, não tem esse costume. 

Já na tentativa de reinventar  modo de ver o que acontece ao nosso redor, o honorável prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, passou dos limites. É só andar pelas ruas que os mais atentos notarão a nova tonalidade das calçadas e das algumas partes das pistas de rolamento da Cidade Maravilhosa. Pessoalmente, por muitos momentos passei  pelo vermelho sangue que colore o município e ignorei. Um dia vi desenhada no chão uma figura que aludia ao trânsito de ciclistas. Sinceramente, não entendi.

Posteriormente, fui ver que a prefeitura havia anunciado que, até meados de 2012, os cariocas iriam poder desfrutar de 300 quilômetros de pistas destinadas aos amantes de ciclismo. O programa, segundo a própria prefeitura, ultrapassaria a área de esporte e lazer e poderia ser considerada uma iniciativa de vanguarda nos transportes, propagando o ideal de uma vida saudável unido a famigerada sustentabilidade. Um belo projeto, que poria a cidade em um posto de destaque na utilização das bicicletas no cenário global.

Quando andando pelas trilhas vermelhas, notei a sutileza que distinguia o programa promovido e a ralidade posta ali, sob meus pés. Aquele traçado rudimentar que recebia meus tênis castigado naquele instante fazia parte da gloriosa malha cicloviária carioca. Sem proteção lateral, com uma largura insuficiente e com pouca (ou nenhuma) sinalização. Ali estava o projeto transdisciplinar que aglutinou a dedicação e as verbas de várias secretarias municipais.

Com certeza constará na lista realizações da atual administração a "construção" das faixas vermelhas que trarão a solução para o transporte público, para saúde e para o meio ambiente da cidade que sediará os dois maiores espetáculos esportivos do planeta nos próximos quatro anos. Para trás, ficarão os aumentos abusivos no valor das passagens ministrados pelo cartel das companhias de ônibus, as péssimas condições dos hospitais municipais e o aumento da poluição da bacia hidrográfica da Barra da Tijuca. 

Agora é só esperar o bombardeio nas campanhas. Vai ser o eleitor que vai definir se a cor oficial da cidade será ou não o vermelho das ciclovias. Os narizes de palhaço podem auxiliar na ornamentação...

por Helcio Herbert Neto. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Beato


Foi pela boca do ex-jogador e agora diretor de futebol do Palmeiras, César Sampaio, que Marcos anunciou publicamente o fim de sua carreira. Termina assim, num piscar de olhos. Aos 38 anos, castigado pelas várias lesões, pelo mau hábito do cigarro e pelos próprios feitos honrosos.

Um adeus que vinha se chegando há tempos, mas sempre sem coragem. Sempre a necessidade de um descanso no ritmo frenético era abafada pelo calor, pelo carinho da torcida (não só – e principalmente – a palmeirense). A convicção de não estar mais no mesmo nível de outrora se perdia na linha passional do futebol. Na linha de quem ama o que faz. Vinte anos. De carreira, de Palmeiras acima de tudo, de seleção e de falhas gritantes, de entrevistas raras – para o bem e para o mal -, de milagres e de mil lágrimas.

Duas décadas dedicadas exclusivamente ao Palmeiras, desde 1992, quando ainda era um menino, tinha cabelo vasto e nem sonhava chegar aonde chegou. Reserva de Velloso, a história de Marcos mudou em 99, com a contusão do goleiro titular e a oportunidade de guardar o gol palmeirense em uma Libertadores. Nunca mais saiu.

Pênaltis históricos defendidos contra o rival Corinthians, a conquista da América duas vezes (Libertadores e Mercosul) e o Mundo pela seleção, dentre outras tantas vitórias. A mais saborosa e mais dolorosa delas, por mais paradoxal que seja, a da Série B, em 2003, levando o Porco de volta à elite do futebol brasileiro.

Apesar de compreensível, dói a todos receber a aposentadoria de um goleiro que foi muito além das três traves, de um jogador que foi muito além do gramado e de um atleta que foi muito além do clube ao qual jurou e cumpriu fidelidade.

Mais que defesas inenarráveis sob o nome de um dos maiores goleiros brasileiros de todos os tempos, o futebol perde um ícone, uma personalidade daquelas que é cada vez mais difícil de se encontrar. Como o próprio Marcos disse certa vez, "o futebol está ficando muito chato, não se pode dizer e nem fazer nada". E sentiremos falta dessa língua afiada.

É de histórias assim que o futebol se constrói, e nós é que devemos agradecer por podermos contá-las depois.

Um dos profetas mais famosos da história é São Malaquias, que teria previsto a morte de todos os Papas, desde Celestino II (1144) até o último, que seria Pedro Romano, e viria – morbidamente – logo após o atual, Bento XVI. Na última profecia, São Malaquias escreveu:

Na perseguição final à sagrada Igreja Romana reinará Pedro Romano,
que alimentará o seu rebanho entre muitas turbulências,
sendo que então, a cidade das sete colinas (Roma) será destruída
e o formidável juíz julgará o seu povo.
Fim.


Como nem todos acreditam em Malaquias, nem em Papas, mas creem em Marcos, o fim é esse:

Na perseguição final à apaixonada torcida alviverde reinará Marcos Santo,
que defenderá o seu clube entre muitas turbulências,
sendo que então, a cidade do Palestra Itália estará comovida
e o formidável destino julgará os seus fãs.
Fim.



Por Beto Passeri.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Folia dos Sem-Gravatas


Diz a lenda que durante sua melancólica passagem pela Fiorentina Sócrates deu uma festa de Carnaval. Com o objetivo de espantar a tristeza que a distância de sua terra e de sua gente inspirava, convocou os brasileiros que estavam atuando na Itália. E os compatriotas não eram poucos. Encantados pela Seleção Brasileira da Copa da Espanha, os clubes italianos investiram pesado para ter os ídolos de uma das mais inesquecíveis equipes de todos os tempos. O reencontro com os colegas ao som do genuíno samba seria uma alternativa para relembrar os ares perdidos e deixar de lado a solidão.

Os jogadores gostaram da ideia e compareceram ao Carnaval Socrático. Junior, por exemplo, cruzou a Bota, indo de Turim a Florença para viver os bons momentos que a festa prometia. Entretanto, todos os convidados que chegavam se deparavam com a figura funesta do barbudo e alto homem empunhando uma enorme tesoura. A cena, de tão macabra,  poderia ser tirada de qualquer um desses filmes de terror que tiram o sono de crianças. Embora espantados, os recém-chegados recebiam o caloroso e apertado abraço do Magrão.

Mal sabiam que o pior ainda estava por vir. Após a efusiva recepção, o anfitrião examinava meticulosamente as vestimentas do convidado. Caso ele trouxesse uma dessas elegantes gravatas italianas amarradas junto ao pescoço, era solicitado que aguardasse na porta. Enquanto os aprovados na inspeção seguiam para a folia, o engravatado aguardava ansiosamente. De súbito, Sócrates cortava o refinado troféu estilístico que o desavisado trazia junto a gola da camisa. Enfurecido, o convidado gritava, ameaçava se retirar e perguntava a razão de tal disparate. "Aqui vai ser todo mundo informal", dizia o dono da festa. Resignado, o Sem-Gravata tinha que se contentar em vivenciar cada segundo do eufórico baile.

Daquele ato imposto de desprendimento surgia um sentimento de identidade. Todos que ali estavam eram semelhantes e, após a 'loucura' de Sócrates, aproveitariam aquele momento desprovidos de dispensáveis cerimônias. Muitos dos que estiveram presentes afirmam que foi uma das melhores festas que tiveram o prazer de frequentar em solo italiano. Claro, ao serem perguntados, eles se esquivam até hoje de dizer se em seus figurinos constava ou não o valioso e perseguido acessório.

O episódio ajuda a compreender a campanha do Senador Cristovam Buarque, do PDT de Brasília, pela aprovação da obscura proposta que obrigaria filhos de políticos eleitos a frequentarem escolas públicas. Vereadores, deputados, senadores, bem como prefeitos, governadores e presidentes teriam de matricular seus filhos em escolas públicas para não perderem seus mandatos. Criado em 2010, o projeto segue na geladeira; longe dos holofotes da mídia e distante de ser prioridade na lista de questões a serem debatidas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, ainda não há previsão para que ela entre em vigor.

Assim como os convidados reagiram à atitude do meio-campista na folia na década de oitenta, alguns políticos se sentiram ofendidos. O simples exercício imaginário de ver seus filhos em meio às mazelas do sistema público gerou náuseas nos mandatários. Tal sentimentos lhes revela a dor diária de pais e mães que têm nas escolas públicas a única opção para a ascensão social de sua prole. Todavia, do alto da Torre de Marfim em que se situam, preferem ignorar a realidade da maioria dos brasileiros e seguir suas aristocráticas vidas engravatadas.

A chegada do Brasil ao posto de sexta maior economia do mundo engana desavisados. Mostra um progresso que pouquíssimos podem desfrutar. A diferença entre pobres e ricos segue sendo uma mal crônico. O antídoto para esse abismo social está, obviamente, na educação. A proposta de Cristovam Buarque, se aprovada, em muito contribuiria para que fossem redobradas as atenções pelas políticas de educação. No entanto, a essência dessa poção é mais poderosa e foi provada por aqueles que presenciaram a idiossincrasia de Sócrates. Equidade. Palavra que poucos compreendem como os Sem-Gravata da festa em Florença.

Por Helcio Herbert Neto.