terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Folia dos Sem-Gravatas


Diz a lenda que durante sua melancólica passagem pela Fiorentina Sócrates deu uma festa de Carnaval. Com o objetivo de espantar a tristeza que a distância de sua terra e de sua gente inspirava, convocou os brasileiros que estavam atuando na Itália. E os compatriotas não eram poucos. Encantados pela Seleção Brasileira da Copa da Espanha, os clubes italianos investiram pesado para ter os ídolos de uma das mais inesquecíveis equipes de todos os tempos. O reencontro com os colegas ao som do genuíno samba seria uma alternativa para relembrar os ares perdidos e deixar de lado a solidão.

Os jogadores gostaram da ideia e compareceram ao Carnaval Socrático. Junior, por exemplo, cruzou a Bota, indo de Turim a Florença para viver os bons momentos que a festa prometia. Entretanto, todos os convidados que chegavam se deparavam com a figura funesta do barbudo e alto homem empunhando uma enorme tesoura. A cena, de tão macabra,  poderia ser tirada de qualquer um desses filmes de terror que tiram o sono de crianças. Embora espantados, os recém-chegados recebiam o caloroso e apertado abraço do Magrão.

Mal sabiam que o pior ainda estava por vir. Após a efusiva recepção, o anfitrião examinava meticulosamente as vestimentas do convidado. Caso ele trouxesse uma dessas elegantes gravatas italianas amarradas junto ao pescoço, era solicitado que aguardasse na porta. Enquanto os aprovados na inspeção seguiam para a folia, o engravatado aguardava ansiosamente. De súbito, Sócrates cortava o refinado troféu estilístico que o desavisado trazia junto a gola da camisa. Enfurecido, o convidado gritava, ameaçava se retirar e perguntava a razão de tal disparate. "Aqui vai ser todo mundo informal", dizia o dono da festa. Resignado, o Sem-Gravata tinha que se contentar em vivenciar cada segundo do eufórico baile.

Daquele ato imposto de desprendimento surgia um sentimento de identidade. Todos que ali estavam eram semelhantes e, após a 'loucura' de Sócrates, aproveitariam aquele momento desprovidos de dispensáveis cerimônias. Muitos dos que estiveram presentes afirmam que foi uma das melhores festas que tiveram o prazer de frequentar em solo italiano. Claro, ao serem perguntados, eles se esquivam até hoje de dizer se em seus figurinos constava ou não o valioso e perseguido acessório.

O episódio ajuda a compreender a campanha do Senador Cristovam Buarque, do PDT de Brasília, pela aprovação da obscura proposta que obrigaria filhos de políticos eleitos a frequentarem escolas públicas. Vereadores, deputados, senadores, bem como prefeitos, governadores e presidentes teriam de matricular seus filhos em escolas públicas para não perderem seus mandatos. Criado em 2010, o projeto segue na geladeira; longe dos holofotes da mídia e distante de ser prioridade na lista de questões a serem debatidas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, ainda não há previsão para que ela entre em vigor.

Assim como os convidados reagiram à atitude do meio-campista na folia na década de oitenta, alguns políticos se sentiram ofendidos. O simples exercício imaginário de ver seus filhos em meio às mazelas do sistema público gerou náuseas nos mandatários. Tal sentimentos lhes revela a dor diária de pais e mães que têm nas escolas públicas a única opção para a ascensão social de sua prole. Todavia, do alto da Torre de Marfim em que se situam, preferem ignorar a realidade da maioria dos brasileiros e seguir suas aristocráticas vidas engravatadas.

A chegada do Brasil ao posto de sexta maior economia do mundo engana desavisados. Mostra um progresso que pouquíssimos podem desfrutar. A diferença entre pobres e ricos segue sendo uma mal crônico. O antídoto para esse abismo social está, obviamente, na educação. A proposta de Cristovam Buarque, se aprovada, em muito contribuiria para que fossem redobradas as atenções pelas políticas de educação. No entanto, a essência dessa poção é mais poderosa e foi provada por aqueles que presenciaram a idiossincrasia de Sócrates. Equidade. Palavra que poucos compreendem como os Sem-Gravata da festa em Florença.

Por Helcio Herbert Neto.

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