quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Entre o céu e o inferno



Não corre, por entre a gente cubana, rios de leite e mel. Nem mesmo um messias de vastas barbas seria capaz de transformar aquele rincón em um Eldorado. Faltam recursos naturais e ocorre, no histórico da ilha, uma reincidência nefanda de barbáries e da gana de atrozes. E, vale lembrar aos desavisados, antes de discussões triviais: não houve personagem messiânico que influiu no curso da História.

Sim, correm meninos atrás da bola. Ou da lata. Ou mesmo da garrafa que, na lúdica imaginação infantil, pode mimetizar o objeto que levanta multidões ao entrar na rede. Embora o beisebol seja o esporte com maior poder de atração junto aos cubanos, bares e restaurantes transmitem, por exemplo, o Campeonato Espanhol, aproximando o trio latino-americano do ataque do Barcelona e os garotos que brincam nas ruas de Havana, sob escassa iluminação.

Agilizam seus movimentos as pessoas que buscam um lugar nas filas para as compras. Utensílios que custam, além de valores em moeda local, horas a fio. A dificuldade de suprimento gerada por um embargo e um regime inverossímeis podem ofuscar os avanços em áreas da Saúde e da Educação, registrados durante a última metade de século? À beira do oceano e ao som da reconhecida música cubana, não deixa de ser uma lástima perder tempo.    

Ligeiros se mostram os representantes do governo norte-americano, em busca de um mercado ignorado desde um distante ano de 1959. Apesar de muitos estadunidenses ainda vestirem capacetes, virarem canhões para a Baía dos Porcos e lembrarem saudosos de Ronald Reagan, a Guerra Fria acabou. Para fortalecer laços comerciais, será preciso fazer concessões. Reconhecer, inclusive, os méritos que residem do outro lado das léguas marítimas que separam ambos os países.

Móveis sãos os movimentos dos muitos militares cubanos espalhados por La Habana, também dando mostras de que aguardam resultados do entrevero entre Kennedy e Kruschóv. A belicosa postura contrasta com as belezas inúmeras da cidade que foi, durante muito tempo, o paraíso e o purgatório das Américas. Contraste semelhante ao da imagem recorrente de um carro da Polícia Militar, exibindo um fuzil a descansar, diante dos mares cariocas. As semelhanças latino-americanas...

Longe da contaminação física que os extremismos costumam causar, repousa a única certeza que vive na ilha: Cuba é só um lugar. Muitas vezes, por mais elementar que pareça, é necessário bradar tal frase. É um território ocupado por uma Havana Velha culturalmente evoluída, por um inebriante gosto de tabaco, por sonhos, por sangue, ou por tudo que homens e mulheres forem capazes de ali construir.  

Havana, Janeiro de 2015.


Por Helcio Herbert Neto.