quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Foi dada a largada

Bernardo Tabak/G1

Parabéns, cariocas. A bandeira olímpica já se encontra na cidade. A vida do Rio mudou muito desde a chegada desse pedaço de pano , não? Ufanismos à parte, acho que é válida a descrição da nobre cerimônia de desembarque dos cinco arcos na futura sede dos jogos olímpicos.

Estive lá à trabalho, então tudo que consta nas linhas e que vai ecoar no vazio ambiente cibernético é fruto somente da minha experiência (errante). Nâo busque informações sobre esse dia em outras páginas. Será um desgaste inócuo.

Obviamente, nossa história começa com atraso. Não posso precisar de quanto tempo, mas o suficiente para que os salgadinhos distribuídos não fossem capazes de esfriar o clima de tensão. Presentes estavam membros da imprensa nacional e internacional. As várias nacionalidades davam ao apertado salão do aeroporto do galeão uma sonoridade áspera e pouco comum. É importante dizer que o espaço passava longe de estar preparado para receber um evento de tanta pompa.

Com o passar do tempo, percebi que aquela cerimônia era sim digna de um local tão mal-conservado e sufocante. (“Sejam bem-vindos à realidade aeroviária brasileira” aquele encontro serviu para dizer).
Quando chegada a hora, fotojornalistas foram levados à pista de pouso para fotografar Cabral, Paes e Nuzman, acompanhados de atletas medalhistas olímpicos, deflagrando a bandeira branca do Barão de Cubertain.

No momento, obviamente, um ar de pressa foi sentido por aqueles que cobriam a chegada. Porém, de súbito, a atmosfera local mudou para um tom acinzentado quando começou a circular a notícia que a entrevista coletiva prometida pelos políticos e atletas não aconteceria. Em vários dialetos, as reclamações foram pronunciadas.

Quando a legião esperada adentrou o recinto, o sentimento geral já era pouco propício para o decorrer de uma coletiva amistosa. Nada que algumas palavras mal colocadas não pudessem piorar. Enquanto as figuras ilustres se sentavam, a apresentadora contratada avisou que apenas três perguntas seriam realizadas (obviamente, por empregados das grandes corporações) e avisou como aconteceria o evento: primeiro, veríamos o filme com a música-tema de Rio 2016 e depois ocorreriam as entrevistas e pronunciamentos.

“Posso falar?!", interrompeu o prefeito Eduardo Paes. O desconforto foi evidente. A pobre locutora exibiu um constrangedor sorriso amarelo enquanto o showman carioca começou um rápido, mas bem cansativo, número de stand up comedy. Nada de inusitado nas pautas da prefeitura. Vieram algumas gracinhas que só fizeram rir o bloco dos contentes que sempre integra as primeiras filas dos eventos políticos. Para quem não sabe, há uma classe, a dos politiqueiros, que têm no riso sua principal forma de afagar o ego dos comandantes e, por conseguinte, garantir a manutenção de seus empregos. Tem as palmas também. Enfim, só eles riram.

Depois do imperdível espetáculo, houve a exibição do vídeo promocional da (belíssima) canção oficial dos jogos,quando, mais uma vez, o prefeito tomou a palavra e praticamente empurrou a apresentadora para os fundos do palanque construído para destacar os políticos e atletas dos demais, naquele apertado e pouco arejado circo. Não satisfeito em transformar aquele momento em uma tragédia cômica, o candidato à reeleição ainda piorou a situação com uma frase poética que pode entrar no livro dos mais bem elaborados aforismos da humanidade: “Batam palmas, vamos lá, eu quero ouvir. Vocês jornalistas não batem palma para nada, nem para um vídeo lindo desses. Não entendo vocês”.

Por mais que a frase se encaixasse muito bem em uma paquita ou no animador de plateia do Faustão, não foi esse o tom adotado. Ele foi direto e seco. Deu a entender que, em sua cabeça, realmente há megalomania tamanha que faz com que ele se julgue dono até mesmo das palmas da terra de São Sebastião.

Tiveram as perguntas, as respostas, e a velha fuga da estimativa do gasto total com os jogos olímpicos. Mas nada demais, isso já é comum. A parte mais interessante de todo esse festival macabro foi o final. O questionamento final foi endereçado a Carlos Arthur Nuzman, o presidente do COB. Tratava-se de uma pergunta dupla e, sinceramente , eu me esqueci da primeira parte. Após o fim da primeira resposta, de maneira pouco afetuosa, todos os que estavam na mesa se levantaram, prontos para sair daquele lugar. Mas a saída não tinha como motivo direto o cansaço pela desgastante viagem, que aconteceu logo depois da cerimônia de encerramento dos jogos londrinos.

A segunda questão apenas queria saber se havia previsão do Comitê Olímpico Brasileiro desenvolver um programa em parceria com o sistema educacional para que, além de aumentar o número de medalhas, o país conseguisse na preparação olímpica uma coesão entre esporte e educação, algo inexistente na história. Cabral e Paes, já levantados, falaram que isso é coisa do ministério da educação. Nuzman balbuciou meia dúzia de palavras que caberiam a qualquer pergunta, sob qualquer dialeto, e não esclareceu nada.

Fique calmo, amigo. Os preparativos apenas começaram. No fim tudo dará certo.




Por Helcio Herbert Neto.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

"Strange Fruit" do primeiro turno


"Nova York, 1939. Os garçons interrompem o atendimento, a clientela silencia e um breu retumbante toma a sala do Café Society, um bar construído no porão da Sheridan Square, no Greenwich Village. No escuro infinito, um ínfimo rasgo de luz focaliza o rosto de Billie Holiday. Um piano chama e Strange Fruit brota. Em apenas três minutos a escuridão da noite torna a invadir o café. É o tempo necessário para que ela entoe seu número final. Billie deixa o palco. Sem despedida, bis, nada. Apenas escuro e silêncio. Até que uma mão se junta a outra, e uma ovação inunda a sala. Mas não há volta. A diva não reaparece. E, invariavelmente, a cena se repete nas noites nova-iorquinas de 1939."

Doze anos após ser publicado nos Estados Unidos, o livro Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de Uma Canção, do jornalista norte-americano David Margolick, chega ao Brasil para contar a história de uma das músicas mais impactantes de todos os tempos. O jazz-hino, que para Margolick "contém toda a história dos direitos civis nos Estados Unidos", é considerado o primeiro protesto explícito contra o racismo que ocorria principalmente no sul do país. As linhas angustiantes do poema relatam metaforicamente a forma como os negros eram linchados, e seus corpos pendurados em árvores para apodrecerem, tais como "frutos estranhos".

Não bastasse à época o impacto causado pela letra e sua autoria - de Abel Meeropol, judeu comunista -, a canção era interpretada pela voz icônica e carregada de desprezo de Billie Holiday - negra e viciada em drogas. O que poderia ser um pesadelo pior para o americano 'comum' em plena Segunda Guerra?

Belo Horizonte, 2012. O borburinho do estádio emudece; no imaginário coletivo, quase tudo se apaga, e um solitário feixe de luz ilumina a camisa 10. Mais grená do que alvinegra, mais catalã do que mineira. Algum pandeiro pede, o dono da 10 parte do meio-campo sambando com um, dois, e define para algum companheiro o destino: seco, cirúrgico. O jogo termina, são mais três pontos para o Atlético Mineiro, e o treinador à beira do gramado segue montado em sua melancolia. E, invariavelmente, a cena se repete nas tardes dominicais de Campeonato Brasileiro

Apodrecendo há anos em alguma árvore no futebol nacional, o Atlético Mineiro passou a primeira metade do campeonato sem ser levado a sério. Rodada após rodada, estavam todos à espera, não do tropeço, mas da total derrocada do Galo. E ainda estão. Falta de títulos, fracassos consecutivos, ausência de ídolos, a superioridade do rival...e lá se foi o respeito. Alguns questionam a real grandeza do clube, mas na realidade o que há no ar é uma pertubação coletiva pelo estranho. Pelo fruto estranho.

Quarenta e um anos após a conquista do título Brasileiro, o Atlético acaba de realizar a melhor campanha de primeiro turno da história dos pontos corridos. Aproveitamento de quase 80%, com uma derrota apenas(para o São Paulo, no Morumbi). Os principais responsáveis por esse sucesso são Cuca - uma espécie de anti-herói amaldiçoado -, e Ronaldinho Gaúcho em grande forma, chamando para si a liderança de uma equipe(?!).

O que poderia ser um pesadelo mais esquisito para o espectador de futebol comum?


Por Beto Passeri.






quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Fabulário Geral do Delírio Cotidiano"



Às 5 a.m ainda não sabem se o Sol honrará seu compromisso com o dia, mas são impelidos a escolher o traje - calor ou frio? -, bêbados de sono. E aí se metem no banho, dormem duas, três vezes, perdem a hora e o tempo para comer. Lembram da quentinha, forçam ela na mochila entre um par de sapatos velhos e um casaco bolorento, mas eles brigam entre si, vazam, lhes fodem a vida; mochilas suja, barrigas vazia, e as cabeças pendendo pra fora do ônibus-galinheiro que sacode na esperança de despertar alguém para a vida. Mas estão todos quase mortos, são só almas, sem corpo - pele, músculos, ossos -, sem um pingo de felicidade. Até que encontram as esteiras rolantes das estações de metrô, e se dão o direito de pararem para sofrer enquanto o relógio aponta 15 minutos para o juízo final.

Poucas coisas representam melhor a melancolia da rotina do que um passeio de manhã bem cedo pelas estações de metrô e trem, e pelos pontos de ônibus, observando cada rosto inchado, cada traço triste e mal dormido, cada olhar à beira da desistência. Adiar prazeres, ou melhor, tê-los sempre ao alcance num futuro próximo é quase uma lei de sobrevivência numa sociedade em que tudo se consome e se esvazia antes que o tempo possa agir. Projetar no futuro a felicidade cria um combustível quase infalível para enfrentar o hoje insípido. A cerveja no fim do expediente, o salário no início do mês, as férias em algum momento do ano...

É desse tipo de esperança peculiar e injulgável que tem se alimentado o torcedor do Flamengo nas últimas semanas. Desde que a presidente Patrícia Amorim assumiu o Rubro-Negro (e aqui cabe ressaltar que não estou personificando e nem simplificando a culpa), em 2009, logo após a conquista do Campeonato Brasileiro, foram dois anos e oito meses de fracasso em quase todas as instâncias: páginas policiais, dois ídolos na fogueira - Zico e Andrade saíram pela porta dos fundos -, diversas eliminações vexaminosas e um projeto a longo prazo que traiu a expectativa de ver um novo grande ídolo. Ronaldinho se foi, levou o futebol que nunca jogou no Rio de Janeiro para Minas Gerais, e deixou na Gávea um título Carioca e uma dívida de 40 milhões de reais a ser paga.

O paternalismo de Joel Santana não foi suficiente para resgatar um grupo em frangalhos, e a opção por Dorival Júnior soou como derradeiro suspiro. O futebol melhorou, sim, mas o progresso mais significativo foi extra-campo. Na confiança do grupo em si mesmo, claro, e da torcida no próprio time. Voltar a torcer, a pertencer. Enxergar nos garotos precoces da base jogados aos leões uma maturidade inesperada. Mas ainda falta muito. E todos sabem o que é esse muito, só não querem admitir.

Paira um medo coletivo de se decepcionar de maneira cruel, quase como uma adolescente apaixonada receosa do pedido de namoro. O pedido foi feito por Adriano: "Me deem mais uma chance, eu sei que será a minha última". As consequências todos já conhecem, as probabilidades também. Mas e daí? Não vivemos de quimeras? Ou, como diria Charles Bukowski, no "Fabulário Geral do Delírio Cotidiano"? Não dá para levantar da cama sem pensar na viagem que sequer tem destino decidido, assim como não dá para suportar o Flamengo de hoje sem projetar o Adriano que já não existe mais.



Por Beto Passeri.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Deuses do Nunca



E nasceu no interior de Deus me livre, pau-a-pique, farinha, vira-lata, teia de aranha, ¿e a água?, a mãe que chora, o pai que abraça, o lago imundo, o mangue fétido, balsa-barco-ônibus para a escolinha de 11 alunos, menos que a quantidade de irmãos (14), e um professor - tia -, tia Vera. Vera sofrida, faz por amor, leva quentinha de casa e alimenta as crianças que passam oito horas com meia bisnaga até a hora da redenção.

Agora é pesadelo passado, lembrança mal gerada, aperto ruim no peito, ¿quimera?

E não para, não para, não cansa, não bate.
Sente a fome de outrora que hoje é outra,
Vê a meia-luz da cozinha velha na água,
na pista, no ginásio, no ringue.
E o cloro queima os olhos como o esgoto já queimou,
as argolas ferem os braços tal qual fez o coqueiro.
Aquele, seco, do quintal, que sangrou o moleque e depois se desculpou
E vai à lona na porrada, ô, menos doída que a de três covarde irmão

E de chafurdado na bosta do vira-lata perneta dissolvida na chuva sob o sol preguiçoso de um fim de tarde no Nunca, se projeta à frente do american dream, do robô chinês, e é o melhor do planeta na Terra da Rainha sob os olhares de milhões de TVs que ele nunca teve. Por alguns milésimos, minutos, provas. E na cabeça do abnegado uma telepatia peculiar nos instantes finais.

O cheiro da panela de barro
na torcida
O barulho do siri nas pedrinhas
na torcida
A mãe que chora, o pai que abraça
A Vera já velha,
os irmãos nem tão covardes
O vira-lata morto,
o coqueiro tombado
O primeiro técnico,
o primeiro treino
na torcida

E o americano passa, o russo derruba, o inglês se recupera, o chinês não erra, mas há tempo e espaço para recordar dos seus dez colegas de classe, dos dez colegas de classe dos outros, e dos outros, e dos outros mais; sem sorte, sem talento, natimortos. É só ele ali, e o ouro vai escapar. Escapa. Mas é prata, é bronze. Segundo, terceiro melhor do planeta. No último pau de arara, a joia rara.

Não melhora a condição do quadro de medalhas do país que nunca melhorou a sua de vida. Do mangue pro cloro, sem nunca ter visto um filtro; do galho pra argola, sem nunca ter visto um braço. De Deus me livre para a TV, sem nunca ter visto a vida. E chiam. E xingam o deus do Nunca.



Por Beto Passeri.