terça-feira, 12 de junho de 2012

Feliz 'Dia dos Apaixonados'


Seria muita pretensão minha falar em 'previsão', mas há exatos nove meses, quando soube que Andriy Shevchenko se aposentaria depois da Eurocopa realizada na Ucrânia, resolvi dedicar uma crônica da Série Marginalizados a ele. Conforme fui destrinchando e (re)montando a história de Shev, pude sentir realmente que havia algo especial guardado para o camisa 7 no futuro próximo.

Esse futuro chegou, teve início a Euro 2012, que divide suas partidas entre Polônia e Ucrânia. A primeira, longe de ser uma potência do futebol ou de ter algo interessante para narrar, estreou com um empate medíocre com a Grécia. Todas as outras seleções jogaram: a Holanda decepcionou ao ser derrotada pela Dinamarca, a Fúria Espanhola contou vantagem antes da hora e amargou um empate contra a já nem tão gloriosa Itália. A Alemanha venceu Portugal, e França e Inglaterra ficaram no 1 a 1. Todos os gigantes europeus haviam dado o ar da graça, o início da Euro estava completo, não faltava mais nada. Aí é que todos se enganaram. Ucrânia e Suécia fechariam o Grupo D, por mais que para muitos fosse figuração para a uma classificação encaminhada de França e Inglaterra.

Jogo chato, fraco tecnicamente. Como era de se esperar, o único brilho veio de Ibrahimovic, que abriu o placar já no segundo tempo. Frustração para os ucranianos, que não alimentavam grandes esperanças, mas que faziam a festa no estádio lotado em Kiev. Blokhin, maior artilheiro da União Soviética e técnico da Ucrânia, olha para as quatro linhas e para seu banco de reservas. Não tinha a menor soluç...vem cruzamento para a área sueca, uma cabeça esperta entra na frente do zagueiro e coloca a bola para o fundo das redes. Shevchenko. Simplesmente havia esquecido dele. Trinta e cinco anos, futebol decadente, a um passo do fim. Mas ainda sabia fazer gol; honroso, marcara e evitara a derrota da anfitriã na estreia.

Nem dez minutos se passaram, e o cruzamento dessa vez veio da esquerda, mas novamente uma cabeça se meteu na frente da marcação e empurrou a bola para dentro. Virada da Ucrânia, explosão de euforia no Estádio Olímpico, e um vulto correndo alucinado puxa a camisa, bate no peito e está à beira das lágrimas. Era Shevchenko. De novo ele. Ficou mais uns minutos em campo, alegou cansaço e foi substituído. Mais de 50 mil vozes gritando o seu nome; 100 mil mãos agitadas em sonoras palmas para Shev. O camisa 7 acenou, tímido, atônito. Escapara da morte por pouco quando pequeno, tornara-se um fenômeno do futebol em seu país, referência internacional, ídolo, mas aquilo certamente nunca havia lhe passado pela cabeça. Uma das cenas mais comoventes do futebol nos últimos tempos em um jogo que não se esperava nada além de muitas botinadas para cima. A campanha da Ucrânia poderia terminar por aí mesmo, desenhada sob o gran finale de Shevchenko

Um parabéns, ou melhor, um brinde, não aos namorados (tá, também a eles), ao seu amor estável ou seus bichos de pelúcia; um brinde aos apaixonados, essas pessoas desequilibradas capazes de amar qualquer coisa, adeptas da experiência visceralmente vivida, que morrem e renascem no espaço de tempo de uma fantasia e que esquecem os planos imaculados para viver na linha tênue da passionalidade. 





Por Beto Passeri.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Finalmente Greve



Talvez você não saiba, mas há 26 dias uma greve nacional está em curso. O fato tem sido pouco abordado nos veículos de comunicação de grande alcance, o que distancia a comoção popular da maioria dos espectadores. Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior, um total de 51 instituições de terceiro grau já haviam paralizado seus trabalhos. Os médicos federais também aderiram ao movimento e dão mais importância ainda à causa. E o que você com certeza não sabe é que, a partir da quarta-feira, as reivindicações tomarão um vulto maior ainda: os servidores federais da educação básica, profissional e tecnológica também prometem se juntar ao coro dos descontentes. Tudo isso muito obscuro, escondido da população em geral. E eis que brilha o futebol na tentativa de difundir uma causa coerente.

Lá pelas 6 e meia da tarde do chuvoso e gélido sábado do feriado prolongado, o Flamengo entra em campo. Abatido pelo caos interno e pela escassez de vitórias nos últimos sessenta dias, o time inspira poucos aplausos. Ao subir o túnel, além dos pequenos fanáticos que sempre se interessam pelos seus ídolos independentemente das circusntâncias, os jogadores rubro-negros trouxeram uma faixa branca com letras vermelhas. Suspeito de que muitos dos presentes no Enegnhão, entre jogadores, torcedores e funcionários, ignoraram a mensagem contida naquela lona plástica. Mas era o time do Flamengo que a trazia, apesar de tudo ainda é a maior torcida do país, o mais vitorioso time carioca, o maior campeão brasileiro... devia ser importante.

É bem verdade que o time da Gávea é o oposto do ideal de civismo. Sua presidente é uma vereadora que, como muitos políticos, tenta tirar proveito da paixão das massas para alcançar o sucesso em sua carreira política. Seu diretor de futebol nada tem a ver com futebol e que anda em êxtase com a posição que exerce (vide o caso da declaração de Cascão sobre Ronaldinho antes da saída do ex-jogador que foi parar no youtube). Isso para não falar do presidente do conselho deliberativo do clube que carrega o título de Capitão Léo por ser o inventor das divisões em pelotão de uma das mais violentas torcidas do Brasil. Contudo, nada disso é capaz de macular o gesto que motivou essa postagem.

Foi  naquele que parecia ser um começo tradicional de partida que muitos tomaram conhecimento da causa defendida por médicos e professores. Algumas arbitrariedades do Governo Federal, como a MP 568/2012, que altera o modelo de gratificação para a atividade médica, e o reajuste de 2% no salários dos professores universitários, valor bem abaixo da inflação, vieram à tona naquele princípio de noite para os presentes. E não só para eles. A imagem foi transmitida ao vivo para os assinantes do Pay-Per-View e também foi assistida por aqueles que, na impossibilidade de frequentar o estádio devido aos preços abusivos dos ingressos, transformaram em hábito a presença nos bares em hora de jogo. O futebol foi capaz de comover uma parte considerável da população que seguia alienada aos fatos.

O jogo foi 3 a 1 e o Coritiba foi derrotado. Muito bem. Os portais da internet devem dar destaque ao ato cívico protagonizado, não pelo time Vermelho e Preto, mas pelo futebol, certo? Não. Nenhum dos grandes sites deram ênfase à faixa. Pior, nem mesmo veicularam uma foto da entrada do time. Também por isso o blog não traz a imagem da entrada ao campo do time do pressionado Joel Santana. Pouco importa.  Acredito também que a fotografia da manifestação dos estudantes da Unifesp é mais criativa e impactante. E se preparem, porque, à revelia da negligência da mídia, a greve promete ainda muito mais impacto.

Por Helcio Herbert Neto.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Boca sem Dente



Para ler ao som de um clássico do Samba na voz do Grupo Revelação:
Boca sem dente - Grupo Revelação

A ingratidão é, talvez, o mais cruel dos sentimentos. Diferentemente de outros também odiáveis, como a temida raiva, aquele que é recebido pela ingratidão é colocado em posição menor, passiva. Obviamente, ao proteger em redomas pessoas sem análise prévia do histórico de tais, o benevolente abre uma brecha para que floresça a venenosa traição. Na hora, entretanto, pouco importa: vale a pena, por que não arriscar? Viver do retilíneo do calendário não parece um projeto excitante. Encontrar em algo o Oásis, a Redenção, é a posição mais otimista, que mais entusiasma o homem a pôr-se de pé ao soar o despertador. Sem a busca pelas paixões, tudo é vazio, sem sentido.

Isso explica a sede da Gávea lotada no começo de 2011 para a chegada do Ronaldo Gaúcho. Após o ano mais duro da história do centenário Rubro-Negro, que contou com a eliminação da Libertadores, briga contra o rebaixamento, 'apedrejamento' público do maior ídolo do Flamengo, agressões contra mulher na favela, sequestro e assassinato, entrar na parada por Ronaldinho parecia ser a resposta para todas as dores da imensa população que veste vermelho e preto em dia de jogo. Como um beijo úmido dado a um boêmio faz imaginar a regeneração, a chegada do melhor jogador do mundo em 2005 e 2006 trazia a esperança pra aquela gente que, não satisfeita com o martírio duro de seus cotidianos, ainda tinha no Flamengo mais uma fonte imaginação.

E em meio a sorrisos e bandeiras tremulantes, deu-se a recepção do último romântico do futebol (nome dado por Romário ao Camisa 10 da Seleção em 2006). Digo aqui dos verdadeiros flamenguistas, da massa passional que é rubro-negra sem pedir recompensa que não alegria. Nada disso diz respeito aos dirigentes de interesses escusos e promíscuos. Pelo contrário, esses manipularam o bloco popular ao contratar Ronaldo em busca de popularidade (Patrícia Amorim é política, em 2012 tem eleição...), aqueles não pensavam nisso: só na magia de um homem aplaudido de pé pelo Santiago Bernabéu ao entrar em comunhão com o pesado pedaço de pano que, em dias de glória, foi de Zico.

Encheram de vida o azul pálido do Engenhão, botaram sangue no estádio que até então nunca havia pulsado. Em um mosaico de som e cor, estenderam os braços àquele que fracassara nas últimas temporadas no Barcelona e na passagem pela Itália de Berlusconi. Aqui será diferente, 'Flamengo é Flamengo'. As bocas abertas vibravam. Depois da tempestade, um horizonte claro se abria.  Era hora de se agarrar a única chance de voltar a sorrir. Embora o começo tenha sido de pouco entusiasmo, 'o cara merece uma chance, olha as bolas que ele passa'. Devia ser a falta de entrosamento, de ritmo.

Veio o fim do campeonato carioca e Ronaldinho trouxe alegria aos torcedores, mesmo sem jogar tudo o que se esperava dele. O que eles queriam mais? Um título conquistado e os dentes à mostra já estavam lá. Foi esquecida a dor do passado, o sonho se tornava realidade. Mais ainda quando começou o campeonato brasileiro, dois meses de astro com direito a calar o Santos do Neymar campeão da Libertadores na Vila Belmiro. Uma noite à caminhar de mão dadas com o bêbado e a certeza de uma longa história romântica. Ali estavam as bocas a aclamar.

Os pagamentos cessaram, o relacionamento com o técnico azedou, a imprensa perseguiu as noites do Camisa 10. A torcida não; perseguiu na procura pelo grande Gaúcho do Gol de David Seaman quando ele  mal conseguia ser o batedor oficial do seu time, lutando contra os figurões Renato Abreu e Dario Botinelli. O bêbado marca encontro e aguarda no bar, ela merece esse crédito, não? Trata-se de um gigante que alcançou novamente a titularidade na Seleção Brasileira. As bocas calaram, aguardaram. Se os adversários questionavam é por inveja, sentimento baixo.

Tudo indicava um fim próximo, transparente para os embriagados apaixonados pela farsa que era a presença de uma sombra daquele que um dia brilhara no Camp Nou. Transparente sim, invisível não. Estava na cara, era a trajetória que havia sido trilhada no Grêmio, no Milan, no Barcelona e no PSG. Casos, acasos e ocasos, tudo indicando uma saída. Restava aguardar a regeneração. 'Ele ainda tem lampejos'. As bocas vaiaram e deram origem a um mal-estar evidente. Mas o som não era dos mal-intencionados, eles, ainda apaixonados, só cobravam do único que era capaz de dar magia ao time .

A eliminação da Libertadores foi preponderante para o fim da paciência dos fãs. A espera era vã, as noites nunca culminariam no futuro prometido. Vieram o problema de saúde com a mãe, a ausência no amistoso com o selecionado do Piauí, a aparição do processo trabalhista contra o Flamengo e a chegada ao Atlético Mineiro. Consolidou-se o último movimento da punhalada pelas costas tramada há meses. No momento em que o Vermelho e Preto se tornou hostil, o palco ruiu e o gaúcho procurou outras ares. As bocas agora ironizam, com o jeito típico de quem teme que o sucesso reapareça em Belo Horizonte.

Por mais que haja comemoração, a ingratidão de Ronaldinho Gaúcho para com todo o ambiente criado dói em cada um dos flamenguistas que proporcionaram a festa de chegada, o otimismo nas jogadas e a consideração nas trapalhadas. O cotidiano se mostra frio a todos eles, sem um álibi para acreditar em tempos dourados em um curto espaço de tempo. As bocas suspiram e se dão conta de quão artificiais eram os dentes que passaram por elas. Não foi obra da fatalidade e há, sinceramente, a vontade de vê-lo sofrer.

Duro, mas passou.


Por Helcio Herbert Neto.