quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ele não usa Black Tie


Joel Santana tem uma capacidade única de ser questionado. Apesar de seus números, de sua boa relação com os jogadores, ele sempre é envolvido por desconfiança e ceticismo. Quando chegou no Cruzeiro, há poucas semanas, ele foi recebido como um atestado de decadência do Time Azul de Belo Horizonte. " Joel Santana só dá certo em território carioca", diziam os defensores dos técnicos tipo Passeio-Completo.

Mas o bom velhinho já está acostumado com a imprensa dos trajes de gala. Sabia que a resposta, o antídoto para essa epidemia de descrença era trabalhar. Pé no chão e prancheta na mão. E aí está. O 'Efeito Joel' transformou um time marcado por uma eliminação´fatídica na Libertadores e por uma cotovelada cínica de seu antigo técnico.

Um bom jogo em São Januário e mais uma vitória consolidam o esperançoso futuro do novo time de Papai Joel. Um três a zero, com direito a ressurgimento da dupla Montillo e Roger, elucida as boas perspectivas do time que, no princípio do ano, era considerado o melhor do continente. O Vasco, atordoado, saiu cabisbaixo. Já conhecia a capacidade desse veterano técnico.

Não sou capaz de dizer se Joel será campeão nacional com o antigo Palestra Itália de Minas Gerais. Nem mesmo digo que ele conseguirá classificar o Cruzeiro para a próxima edição da Taça Libertadores da América. Acredito somente que ele pertence ao seleto grupo dos bons técnicos brasileiros. E a reação da mídia com o carioca é fruto somente de seus pouco ortodoxos métodos de tratar as pessoas.

Joel Santana não é professor. Não faz questão de ser tratado tal qual um catedrático, um Todo-Poderoso dos gramados. Isso já é algo para se espantar. Como um homem que alcança tantas vitórias na carreira, que possui tantos títulos no currículo, trata à todos com tanta simplicidade? Incompreensível para esses jornalistas que vêem no discurso de empresário a certeza de bons resultados.

As piadas, a descontração do ambiente de choque entre imprensa e comissão técnica, o liguajar popular e as roupas simples. Tudo contribui para a formação da imagem de um 'cafajeste'. Um típico cafajeste Rodriguiano, imprescindível para a existência desse esporte que nos apaixona a cada gol. E a imprensa continua contestando. E Joel continua vencendo.

É a típica dicotomia entre forma e conteúdo. Enquanto a preferência dos jornais, revistas, sites e mesas-redondas recai em cima dos meanagers com acordos maquiavélicos com o mercado de jogadores, de ternos e óculos importados e fala pomposa, Joel Santana segue com sua irreverência. O tênis surrado e a prancheta folclórica: a fórmula mágica de uma das maiores figuras do futebol atual.

Por Helcio Herbert Neto.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Narcisismo


Me incomoda profundamente o discurso patriótico adotado pela imprensa esportiva (aqui estou toscamente generalizando) de que o futebol brasileiro é sempre melhor. Essa fala foi perpetuada ao longo dos anos, de cinco Copas do Mundo e de 14 títulos de Libertadores. Tudo bem, concordo que o Brasil é a maior potência do futebol mundial, o maior celeiro de craques e, como tal, merece todo respeito. Mas também há falhas no nosso futebol, sobretudo quando se trata de Libertadores, e isto ninguém quer apontar.

Isso é jornalisticamente condenável; para que estudos acerca do futebol se, no fim das contas, vamos todos “Galvanizar” e dizer que só o Brasil merece a vitória sempre? Eu nunca fui da turma que defende total imparcialidade, pois acho que isso sequer existe, mas há um limite – até para poder haver uma análise distanciada do que está acontecendo.

Eu já não sei se tal fenômeno é consequência da “preguiça” de se dizer outra coisa ou se é um apego (talvez até uma alienação) pelo mito do “futebol arte”. O fato é que já cheguei a ouvir até que “falta mais brasileiro no Barcelona para ser perfeito”. Que espécie de argumento é esse? Um dos maiores times da história do futebol, que joga o verdadeiro “futebol arte” e falta mais brasileiro por quê?

Ontem foi a vez do Peñarol ser colocado de lado: “Esse time do Peñarol só saber dar chutão e conta com uma bola espirrada para ganhar o jogo”. Ninguém chega numa final de Libertadores eliminando Internacional, Universidad Católica e Vélez – todos bons times – contando com bola espirrada; isso é falta de conhecimento. Passar o jogo inteiro dizendo que o Santos é muito superior tecnicamente é pobre, até porque não era o que se via em campo simultaneamente. Se o Santos conta com um Neymar pouco inspirado/bem marcado – como foi ontem – não é essa potência toda que os comentaristas gostam de exaltar.

Eu sou apaixonado pelo futebol brasileiro; acho que temos um jeito de jogar único e jogadores que dançam com a bola nos pés. Mas eu também sou apaixonado pelos outros estilos de jogo e acho que eles devem ser respeitados. Assim como penso que o Barcelona não precisa de mais brasileiro coisíssima nenhuma, também penso que o Peñarol não precisa aprender a pedalar para ser considerado um bom time. É o time com maior número de participações em Libertadores (38), um dos maiores campeões (5 vezes) e nunca jogou muito diferente de ontem. Simplesmente porque esse é o futebol uruguaio: raçudo, marcando forte, embolando o meio-de-campo e se aproveitando de bolas paradas. Isso é feio? É a anti-arte? Eu não vejo desta maneira.

É mais fácil mesmo perpetuar o discurso batido de que o futebol brasileiro é superior e,se perde, é por uma infelicidade. Pode ser que semana que vem, no Pacaembu, o Santos jogue o “futebol moleque” e seja campeão. Mas o que vi ontem foi a pegada do Peñarol dominando o jogo, ganhando todas as divididas (o que falta para o Brasil muitas vezes) e criando as melhores oportunidades. No Uruguai devem estar dizendo que o Santos deu sorte. Perspectivas...


Por Beto Passeri

domingo, 12 de junho de 2011

Série Marginalizados: O Soviete


Ao som de: The Internationale. The International Communist Party.

Cada época, cada período histórico possui uma alma. Chamada de Zeitgeist pelos alemães, ela sintetiza o conjunto de idéias que move pessoas a agirem, que explicam os movimentos dos homens que vivem nesse momento. Idéias que provocam guerras, disputas políticas, mas que, principalmente, mantém os homens vivos, lutando por seus anseios.

Poucos personagens possibilitam a compreensão do espírito de um tempo com tanta eficiência quanto Lev Ivanovich Yashin. Conhecido na Europa como Pantera Negra pela velocidade de seus reflexos e pela cor de seu uniforme, esse jogador tem capacidade ímpar de sintetizar História, Política e futebol.

Nascido na Rússia pouco mais de duas décadas após a ascensão dos bolcheviques, o garoto Yashin viveu o clima de esperança que a Europa Oriental. A queda da dinastia dos Czares era, para aquele povo, um sonho realizado. O Poder na mão da sofrida classe proletária era o combustível daquela gente para encarar a realidade dura daquele tempo, que contava com miséria, fome e uma violenta guerra civil.

Em 1939, esse combustível resultou na maior batalha que o Planeta já viu. Contra Hitler e seu nazi-fascismo, a União Soviética saiu como a grande vitoriosa da Segunda Grande Guerra. Milhões de pessoas foram mortas, cidades destruídas, vidas destroçadas. Apesar de tudo, a União de Repúblicas Frias ascendeu ao posto de potência mundial. O desespero com o sucesso soviético fez com que os Norte-americanos, coadjuvantes na Segunda Grande Guerra, atirassem a inovação atômica no Japão. Vidas transformadas em fótons por pura demonstração de poder.

Nesse contexto começa a vida esportiva do menino Lev. Trabalhador de uma fábrica ferramentas em plena Guerra Mundial, ele encontrou no esporte um oásis de alegria para um cotidiano gélido e difícil. Logo fez sua primeira defesa: agarrou a oportunidade de ser goleiro de hóquei de gelo. O frio era propício ao esporte e suas habilidades proporcionavam destaque em sua posição.

Um elogio que não pode deixar de ser feito aos países socialistas facilitou o desenvolvimento do jovem Yashin: a URSS aproximava o esporte do povo. Vislumbrando uma futura propaganda em espetáculos esportivos e a melhoria na qualidade de vida da população, o investimento era maciço na prática atlética. Inclusive no futebol, aquela que se consagraria, na segunda metade do Século XX, como a mais praticada ao redor do Globo.

Com isso, Yashin escapou um pouco do gelo e foi para a grama. Isso por apenas alguns meses, quando o rigoroso inverno russo não transformava os estádio de futebol em arenas de hóquei. Seu destino foi o clube Dínamo da Capital Comunista, onde residia o Chefe de Estado Josef Vissarionovich Stálin. Mas o sucesso não foi simultâneo.

Foram anos de reserva, de trabalho sem consagração, de esforço sem retribuição. Não obstante, o goleiro não se abateu. Como grande parte de sua população, encontrou no Marxismo-Stalinista um afago para o trabalho exaustivo, para a estafa cotidiana, para o vazio existencial. E foi assim que ele entrou para política, que lhe consagraria futuramente, diretor do partido comunista.

Entretanto, com o tempo seu talento foi valorizado e seu povo percebeu a jóia que possuía. Yashin começou a brilhar com a camisa de seu time e chegou a titularidade da meta da nação que polarizava o Mundo. Nessa altura, meio mundo era vermelho e a outra metade era capitalista. Era o estopim para o maior confronto geopolítico já visto.

Como a bomba nuclear já anunciara, os Estados Unidos não estavam dispostos a ficar para trás. Mas devido ao avanço das tecnologias, uma guerra direta esquentaria o planeta até sua explosão. Logo, deu-se uma Guerra Fria. Sem armamento bélico, a estratégia para a derrubar o adversário era a propaganda, e uma das armas mais poderosas eram personagens como Yashin.

E que propaganda. Yashin levava o nome de seu modelo político até as estrelas. Estampado na camisa negra do arqueiro, o emblema da URSS alcançou a admiração dos povos. Com ele, a seleção soviética de futebol foi campeã olímpica em Melbourne em 1956 e chegou a duas finais consecutivas do campeonato europeu de futebol, tendo conquistado o título de 1960. Era o modelo político igualitário do Aranha Negra, alcunha pela qual ficou famoso na América do Sul, no topo do Mundo.

Foram 22 anos de carreira e muitas glórias. Essas mais de duas décadas o consagraram como o maior goleiro do século XX. Contudo, ao pendurar as luvas, esse grande mito não abandonou seu ideal. Continuou na prática esportiva, utilizando-se de sua posição de ídolo para mobilizar novos jovens a praticar o esporte. Formado em Educação Física, continuou vivenciando, a cada dia, sua convicção.

A História, pela qual esse personagem passou tão marcantemente, foi grata ao Eterno Dono da Camisa Um dos Sovietes. Ele não viu a sua tão amada URRS desfalecer perante a globalização e ao capitalismo. Morreu aos 60 anos, após complicações vasculares que lhe levaram amputar a perna e a um derradeiro acidente vascular. O tempo, como forma de gratidão a tudo que o goleiro fez em vida, foi caridoso para com Lev Yashin. Poupo-lhe de ver sua ideologia perecer perante ao capitalismo e a globalização. Fim justo, uma vez que não há nada mais cruel que arrancar o ideal de um homem.

Por Helcio Herbert Neto.