domingo, 12 de junho de 2011

Série Marginalizados: O Soviete


Ao som de: The Internationale. The International Communist Party.

Cada época, cada período histórico possui uma alma. Chamada de Zeitgeist pelos alemães, ela sintetiza o conjunto de idéias que move pessoas a agirem, que explicam os movimentos dos homens que vivem nesse momento. Idéias que provocam guerras, disputas políticas, mas que, principalmente, mantém os homens vivos, lutando por seus anseios.

Poucos personagens possibilitam a compreensão do espírito de um tempo com tanta eficiência quanto Lev Ivanovich Yashin. Conhecido na Europa como Pantera Negra pela velocidade de seus reflexos e pela cor de seu uniforme, esse jogador tem capacidade ímpar de sintetizar História, Política e futebol.

Nascido na Rússia pouco mais de duas décadas após a ascensão dos bolcheviques, o garoto Yashin viveu o clima de esperança que a Europa Oriental. A queda da dinastia dos Czares era, para aquele povo, um sonho realizado. O Poder na mão da sofrida classe proletária era o combustível daquela gente para encarar a realidade dura daquele tempo, que contava com miséria, fome e uma violenta guerra civil.

Em 1939, esse combustível resultou na maior batalha que o Planeta já viu. Contra Hitler e seu nazi-fascismo, a União Soviética saiu como a grande vitoriosa da Segunda Grande Guerra. Milhões de pessoas foram mortas, cidades destruídas, vidas destroçadas. Apesar de tudo, a União de Repúblicas Frias ascendeu ao posto de potência mundial. O desespero com o sucesso soviético fez com que os Norte-americanos, coadjuvantes na Segunda Grande Guerra, atirassem a inovação atômica no Japão. Vidas transformadas em fótons por pura demonstração de poder.

Nesse contexto começa a vida esportiva do menino Lev. Trabalhador de uma fábrica ferramentas em plena Guerra Mundial, ele encontrou no esporte um oásis de alegria para um cotidiano gélido e difícil. Logo fez sua primeira defesa: agarrou a oportunidade de ser goleiro de hóquei de gelo. O frio era propício ao esporte e suas habilidades proporcionavam destaque em sua posição.

Um elogio que não pode deixar de ser feito aos países socialistas facilitou o desenvolvimento do jovem Yashin: a URSS aproximava o esporte do povo. Vislumbrando uma futura propaganda em espetáculos esportivos e a melhoria na qualidade de vida da população, o investimento era maciço na prática atlética. Inclusive no futebol, aquela que se consagraria, na segunda metade do Século XX, como a mais praticada ao redor do Globo.

Com isso, Yashin escapou um pouco do gelo e foi para a grama. Isso por apenas alguns meses, quando o rigoroso inverno russo não transformava os estádio de futebol em arenas de hóquei. Seu destino foi o clube Dínamo da Capital Comunista, onde residia o Chefe de Estado Josef Vissarionovich Stálin. Mas o sucesso não foi simultâneo.

Foram anos de reserva, de trabalho sem consagração, de esforço sem retribuição. Não obstante, o goleiro não se abateu. Como grande parte de sua população, encontrou no Marxismo-Stalinista um afago para o trabalho exaustivo, para a estafa cotidiana, para o vazio existencial. E foi assim que ele entrou para política, que lhe consagraria futuramente, diretor do partido comunista.

Entretanto, com o tempo seu talento foi valorizado e seu povo percebeu a jóia que possuía. Yashin começou a brilhar com a camisa de seu time e chegou a titularidade da meta da nação que polarizava o Mundo. Nessa altura, meio mundo era vermelho e a outra metade era capitalista. Era o estopim para o maior confronto geopolítico já visto.

Como a bomba nuclear já anunciara, os Estados Unidos não estavam dispostos a ficar para trás. Mas devido ao avanço das tecnologias, uma guerra direta esquentaria o planeta até sua explosão. Logo, deu-se uma Guerra Fria. Sem armamento bélico, a estratégia para a derrubar o adversário era a propaganda, e uma das armas mais poderosas eram personagens como Yashin.

E que propaganda. Yashin levava o nome de seu modelo político até as estrelas. Estampado na camisa negra do arqueiro, o emblema da URSS alcançou a admiração dos povos. Com ele, a seleção soviética de futebol foi campeã olímpica em Melbourne em 1956 e chegou a duas finais consecutivas do campeonato europeu de futebol, tendo conquistado o título de 1960. Era o modelo político igualitário do Aranha Negra, alcunha pela qual ficou famoso na América do Sul, no topo do Mundo.

Foram 22 anos de carreira e muitas glórias. Essas mais de duas décadas o consagraram como o maior goleiro do século XX. Contudo, ao pendurar as luvas, esse grande mito não abandonou seu ideal. Continuou na prática esportiva, utilizando-se de sua posição de ídolo para mobilizar novos jovens a praticar o esporte. Formado em Educação Física, continuou vivenciando, a cada dia, sua convicção.

A História, pela qual esse personagem passou tão marcantemente, foi grata ao Eterno Dono da Camisa Um dos Sovietes. Ele não viu a sua tão amada URRS desfalecer perante a globalização e ao capitalismo. Morreu aos 60 anos, após complicações vasculares que lhe levaram amputar a perna e a um derradeiro acidente vascular. O tempo, como forma de gratidão a tudo que o goleiro fez em vida, foi caridoso para com Lev Yashin. Poupo-lhe de ver sua ideologia perecer perante ao capitalismo e a globalização. Fim justo, uma vez que não há nada mais cruel que arrancar o ideal de um homem.

Por Helcio Herbert Neto.

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