quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Memória eclipsada


Para ler o som de: Eclipse - Pink Floyd

O acesso aos compartimentos da memória pode ser uma tarefa artística. Não há um inventário estatístico das experiências vividas. Tampouco existe a possibilidade de revistar os momentos para uma análise técnica e isenta. Ao recordar, os fatos são redescobertos, já ensaboados pelos afetos que, de alguma maneira, têm relação com o instante pretérito.

São inúmeros os casos de recordações que escorregam nos sentimentos envolvidos e desaparecem. Diante do avançado do tempo, é bem verdade, as memórias acabam por apagadas por condições alheias aos ambientes afetivos – condições médicas, por exemplo. As emoções, entretanto, também renegam fatos ao obscuro do inconsciente.

Há até mesmo lembranças de um passado recente que são alteradas pela raiva, paixão, descontentamento ou simples negligência que circunscreviam tal episódio. Um lugar que parece mais belo e pessoas que são lembradas como mais desagradáveis são exemplos da ineficácia do inventário da memória.

Quem deslizou os olhos até este quarto parágrafo deve se perguntar qual a relação de tudo isso com o esporte – que é o fio condutor do que aparece nesta página escondida da internet. Já engajado em tratar da abertura da Olimpíada de 2016, houve uma tentativa, de minha parte, de recordar como foi a cerimônia inicial dos Jogos Olímpicos de 2012.  

Ao me imbuir de tal tarefa, fui abordado por um mecanismo da memória que nem pertence à categoria das lembranças apagadas nem às recordações repaginadas. Ainda tinha vivo na cabeça o exato instante em que a chama olímpica foi acesa. Ao som de “Eclipse”, última faixa do disco “Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd.

Nada, em minha pueril imaginação, poderia ser mais fantástico do que o supracitado desfecho musical. No entanto, ao pesquisar imagens do evento na internet, terminei por me espantar: sim, é possível algo mais marcante. Ao fim da música da banda londrina, Paul McCartney interpretou “The End”, a também derradeira canção do álbum “Abbey Road”, dos Beatles.

Era a realidade se mostrando mais fantástica que os registros da memória afetuosa. Ao mesmo tempo, foi uma cerimônia espetacular e simbólica sobre a cultura britânica do século passado. Embora seja difícil competir com a influência internacional da Inglaterra, opino: é possível que o Brasil faça uma abertura também muito forte.

O reaparecimento de João Gilberto seria vertiginoso. Reuniões dos Mutantes, dos Doces Bárbaros ou dos sambistas que apareceram a partir do Cacique de Ramos também seriam capazes de tanto. Bandas como Nação Zumbi e Sepultura reúnem admiradores ao redor do mundo. Por motivos óbvios, a presença dos Paralamas na abertura dos Jogos Paraolímpicos seria poderosa.

E esses são apenas alguns exemplos.


Por Helcio Herbert Neto.