segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Última Lição

(EFE/DIVULGAÇÃO)


Façamos o contrário. Geralmente, nas linhas abandonadas desta página, buscamos referências na vida comum para encontrarmos relações com o esporte, o futebol. Pelo apelo do ineditismo, nos parágrafo a seguir, estará o oposto: um exemplo dos gramados pode perfeitamente resumir as esperanças e, até previsões, para o ano que começa nas próximas horas. Uma forma nada nova de compreender o mundo, mas que conquistou continentes no começo do ensolarado mês que fechou o ano de 2012.

Um time sem faces independentes, sem uma imagem cristalizada. Essa era a imagem que o Corinthians campeão nacional de 2011 passava para mim. Um time que superou as adversidades, é verdade. Mas sem graça. Um time abandonado por Ronaldo, seu ídolo maior dos últimos anos, e no qual o discurso da redenção de um Imperador de esvaiu. Enfim, maIs um campeão brasileiro sem graça, sem identidade. A cara parda do time corintiano só era iluminada pela sua torcida. De fato, um instante de brilho não me saiu da cabeça. Mão erguidas, em homenagem à despedida do personagem que causa mais perplexidade na história do clube. Punhos levantados em luto por Sócrates. E aquilo queria dizer muito mais do que uma emocionante despedida.

O que se punha ali, naquela tarde no Pacaembu, seria a realidade do ano que está acabando e é a esperança para o que ainda está guardado. O etéreo do gesto da massa foi o que levou o time de Tite ao topo da América. Calou os adversários, alcançou o sonho maior de sua torcida. A mesma que acendeu a fagulha na rodada final do Campeonato Brasileiro seria presenteada com o troféu da Libertadores. Um time sem ícones, sem uma estampa fixa. Uma equipe com a força da multidão.

O título do Mundial estava próximo. Apesar do eurocentrismo. Apesar da negligência nossa. Conduziu o Brasileirão de 2012 com leveza, não correndo riscos em hora alguma. Enfrentando os melhores times daqui com a seriedade de sempre, com a concentração que a mobilização de milhões demanda. O mais incrível é que a maneira de jogar desses meros representantes em campo, parte considerável, claro, mas com importância não superior aos milhões de torcedores do escudo do Parque São Jorge no Brasil, alcançou o vistoso. O Corinthians jogou bonito. 

Sem dribles em demasia e sem a prepotência das estrelas, o grupo que disputou e ganhou a Copa do Mundo de Clubes conseguiu seduzir os céticos, jogou bem, rápido. Tomou conta de quase todo o jogo contra o Chelsea e a fortuna de seu dono de sobrenome impronunciável. Alcançou a sublimação por meio do coletivo. Mora aí a expectativa para os avanços no ano que se inicia daqui a pouco. Na força do coletivo.

Ricardo Teixeira saiu da CBF. Quatro mil pessoas tomaram as ruas da Tijuca, de Vila Isabel e do Maracanã contra os desmandos na organização brasileira da Copa do Mundo e da Olimpíada. A maioria composta por jovens. São nuances do que ocorre agora, nas ruas e, principalmente, na consciência das pessoas por aqui. Amigos, o Corinthians tem a solução para a geração sem conquistas. A geração que lida com o discurso derrotista das gerações anteriores, amargurados que anunciam, sem cessar, o fim da utopia. 

A coletividade, apresentada pelo campeão mundial de clubes, pode ser a escada que levará a geração estigmatizada por derrotas que não são suas à uma inédita vitória. Que seja a permanência da escola Friedenreich, do Célio de Barros, do Julio de Lamare ou o veto da proposta espúria de criar um campo de golfe em meio ao abrigo de milhões espécies da fauna e flora da restinga da Barra da Tijuca. Se ao menos uma dessas façanhas for alcançadas, tenha certeza, será devido ao ensinamento do time capitaneado pelo lateral Alessandro. A última lição de 2012 é a coletividade; o Corinthians mostrou o poder que ela tem.

                                                                                        
Por Helcio Herbert Neto.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Feliz Natal


A Oxford Street atravessa a Regent como uma veia bombeando sangue para o coração. É o coração dessa cidade, e, se o mundo tem um único coração, aí está também. Pessoas de todos os cantos do planeta a perder de vista em movimentos constantes, contrários, confusos, mas sempre cordiais. O dia, que já não é tão dia, perde força e se entrega ao sonho de Natal.

O som é estranho; um vácuo eterno acompanhado pelo estalar dos sinos. As lojas crescem uma por cima das outras ao longo de quadras e mais quadras, escancarando suas promoções de forma quase erótica nas vitrines. De repente, as gigantes do consumo esbarram num beco ou outro no meio do caminho, onde os refugiados tomam café e paz.

A ducha de garoa vesperina é suficiente para salpicar o asfalto lúgubre de gotículas mínimas e fundamentais. São elas que, juntas, desenham no chão o espelho por onde se lê uma história néon: o reflexo verde do sinal, o azul do outdoor, e o rastro dourado que persegue uma fada por cima de um desses ônibus vermelhos de dois andares. Na janela, uma criança asiática chora copiosamente observando a solidão do artista que sopra "Merry Christmas" numa gaita mais enferrujada que as escassas moedas dentro do chapéu encharcado.

Aos poucos, todos vão terminando seus afazeres e rumando apressados e carregados de sacolas para suas casas. As últimas lojas são fechadas, as chaves são passadas e, num piscar de olhos, a cidade está nua em pelo. Sem encontrar resistência física pelo caminho sinuoso, o vento gelado se esbalda e uiva para a tímida lua de Londres. As luzes começam a se acender dentro das casas - abajures, velas, lareiras, não dá para saber -, onde todos explodem em satisfação. Aqui, eles levam isso tudo muito a "sério", e serão três dias seguidos entrincheirados nos lares, esparramados no conforto das salas, derrubando garrafas e mais garrafas de vinho sem pensar em absolutamente nada que não seja amar essas outras pessoas com quem dividem o belo peru no centro da mesa de jantar.

Do outro lado do oceano, à sua maneira, amigos se juntam às famílias, e minha família se junta a si mesma. Nem trabalho, nem futebol, nem futuro são dignos de algum destaque. Apenas o brinde pelo brinde, pelos anos que encobrem anos, borrando memórias tristes e cristalizando os prazeres da vida. O apelo comercial muitas vezes acaba minando o real sentido das coisas, mas quando você está tão longe e praticamente sozinho, presenciando cada minuto da fantasia real dessas pessoas que ainda amam a rainha, você é capaz de entender o Natal e de desejar as mais sinceras felicidades que nunca desejou na vida para todos aqueles que ama.



Por Beto Passeri.











domingo, 9 de dezembro de 2012

Álcool gel

 (Divulgação)


Percorre com os olhos o corpo cansado que acabou de chegar da rua. Rua em brasa, como deve ser nos dias cariocas de praia. O trabalho havia sido pesado, dia duro e o suor contínuo. Não cumprimentaria alguém naquele estado se estivesse fora do trabalho. Nunca. Contudo, estava dentro do prédio da empresa. E ele era o repórter que punha as letras no jornal, peça da máquina que conduz as contas do grupo às marcas gigantescas que os extratos mostram. Tinha que cumprimentar. Por mais que ele não fosse ninguém. 

Hesitante, apertou a mão. Em um movimento bem rápido, os olhos também se esquivaram daquilo que se punha a sua frente. Apressou o papo, e se despediu. Enquanto ele caminhava até o elevador, o diretor deu de costas, com olhar enviesado, caminhou até a parede. As portas do elevador já se fechavam quando aquele nada que ainda iria escrever tudo que havia apurado no dia viu o chefe máximo, em momento de iluminada limpeza, passando àlcool gel nas mãos.

Agora, tudo tinha ficado mais claro. O porquê de a TV não noticiar as pedras sob os viadutos da cidade, que usam o mesmo princípio do arame farpado, e tentam remover acúmulo de gente pelo desconforto que não deixa o gado fugir. A razão da euforia no dia da inaguração dos camarotes do Maracanã, construídos em detrimento do fim da presença da população menos favorecida. A origem da forma despudorada com que os mandatários tratam a educação e as carroças mecânicas que eles chamam de transporte público. Tudo ficou fácil quando o fio de álcool feriu a mão do homem que coordena o jornalismo no famoso conglomerado midiático.

Muita gente vê no tubo em alta definição que ocupa o centro das salas a verdade pura. Muita mesmo. Mas que verdade uma pessoa assim é capaz de transmitir? A verdade para ele é limpeza, higiene. aparências. É a cidade da Olimpíada feita para os outros que eles vendem. Antes de vender, eles compram, assimilam como certo. Eles são isso e vão oferecer isso. A casta que chama a rua do Leblon que leva o nome do libertador San Matin de "San Martã", que acabou de desembarcar de Paris e já está pronto para voltar, essa gente não vão sentir falta do sorriso banguela da geral, não vão se comover com a dor dos estudantes da escola da Friedenreich, não vão se questionar quando mais um comunidade for removida.

Vão comemorar a nova arena climatizada da Barra, a nova estrada moderna e privatizada ou a nova sede de qualquer multinacional conseguida com isenção fiscal. Até vão noticiar se o povo conseguir alguma vitória, se o Maracanã não for privatizado ou se as manifestações tomarem um volume incapaz de ser ignorado. Mas o fardo será grande. O suor, flagrante. Sem problemas; vai ser só burrifar o àlcool gel nas mãos e voltar para a mesmice indiferente das notícias da orla.

                                                                                      
Por Helcio Herbert Neto.