segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Feliz Natal


A Oxford Street atravessa a Regent como uma veia bombeando sangue para o coração. É o coração dessa cidade, e, se o mundo tem um único coração, aí está também. Pessoas de todos os cantos do planeta a perder de vista em movimentos constantes, contrários, confusos, mas sempre cordiais. O dia, que já não é tão dia, perde força e se entrega ao sonho de Natal.

O som é estranho; um vácuo eterno acompanhado pelo estalar dos sinos. As lojas crescem uma por cima das outras ao longo de quadras e mais quadras, escancarando suas promoções de forma quase erótica nas vitrines. De repente, as gigantes do consumo esbarram num beco ou outro no meio do caminho, onde os refugiados tomam café e paz.

A ducha de garoa vesperina é suficiente para salpicar o asfalto lúgubre de gotículas mínimas e fundamentais. São elas que, juntas, desenham no chão o espelho por onde se lê uma história néon: o reflexo verde do sinal, o azul do outdoor, e o rastro dourado que persegue uma fada por cima de um desses ônibus vermelhos de dois andares. Na janela, uma criança asiática chora copiosamente observando a solidão do artista que sopra "Merry Christmas" numa gaita mais enferrujada que as escassas moedas dentro do chapéu encharcado.

Aos poucos, todos vão terminando seus afazeres e rumando apressados e carregados de sacolas para suas casas. As últimas lojas são fechadas, as chaves são passadas e, num piscar de olhos, a cidade está nua em pelo. Sem encontrar resistência física pelo caminho sinuoso, o vento gelado se esbalda e uiva para a tímida lua de Londres. As luzes começam a se acender dentro das casas - abajures, velas, lareiras, não dá para saber -, onde todos explodem em satisfação. Aqui, eles levam isso tudo muito a "sério", e serão três dias seguidos entrincheirados nos lares, esparramados no conforto das salas, derrubando garrafas e mais garrafas de vinho sem pensar em absolutamente nada que não seja amar essas outras pessoas com quem dividem o belo peru no centro da mesa de jantar.

Do outro lado do oceano, à sua maneira, amigos se juntam às famílias, e minha família se junta a si mesma. Nem trabalho, nem futebol, nem futuro são dignos de algum destaque. Apenas o brinde pelo brinde, pelos anos que encobrem anos, borrando memórias tristes e cristalizando os prazeres da vida. O apelo comercial muitas vezes acaba minando o real sentido das coisas, mas quando você está tão longe e praticamente sozinho, presenciando cada minuto da fantasia real dessas pessoas que ainda amam a rainha, você é capaz de entender o Natal e de desejar as mais sinceras felicidades que nunca desejou na vida para todos aqueles que ama.



Por Beto Passeri.











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