segunda-feira, 16 de julho de 2012

'Fruto da Juvenília'


Sempre quando pergunto sobre a produção do álbum que decifrou os mistérios do Lado Obscuro da Lua, é assim que Roger responde. Austero, fala que o álbum é um espasmo manco da juventude. O medo  da ferocidade do tempo, as aflições políticas, a experiência de constatar o trivial de tudo que é feito na existência... tudo isso que foi alcançado no Dark Side of the Moon, segundo o cérebro do Pink Floyd, é uma pueril tentativa de jovens de fazer arte. O disco, para Roger Waters (repito, novamente...), é um retrato de uma época em que faltava maturidade musical a ele e a banda.

Nos anos que seguiram, Roger Waters ganhou maturidade. Gravou outros tantos trabalhos com o Floyd, entre eles o The Wall, obra que partiu somente de sua inventividade e, sem que houvesse a participação de nenhum dos outros 'dispensáveis' da banda, expandiu-se chegando até aos cinemas. Sim, ele não precisava de ninguém. Tornou-se megaempresário midiático, fundou a Britannia Row, um estúdio gigantesco que tinha espaço até mesmo para receber suas idiossincrasias. Era hegemônico, respeitado. Grande Roger. Família construída, pés nos chão, almoço na mesa e sem nenhum louco das ruas de Camden Town gritando sob efeito lisérgico ou simplesmente eufórico com a possibilidade da vida mudar para melhor.

Não era mais o fim da década de sessenta. O mundo não havia pagado o dívida e tudo andava  comum e cinza como sempre foi e como ainda vai ser. A época de underground havia desaparecido e deixado poucas lembranças que não o dinheiro em sua conta. Clubes, teatros e fazendas não mais recebiam o antigo quinteto de Syd Barret. Agora, os quatro dinossauros sobreviventes só aparecem em estádios e arenas. Roger mal entendia o que aqueles outros três imprestáveis faziam ao seu lado no palco. David ainda queria cantar. Aparecer em destaque e deixá-lo como figuração: ele, Roger Watters, o dono da música. Quanta ousadia.

Podem ir, sou melhor só. Quem buscaria um show do Pink Floyd na ausência da regência de Mr. Waters? Sua saída era a liberdade, que só a maturidade pode fazer acender. Um disco solo, uma nova mulher, e família. Dinheiro e turnê. Música, as vezes. Os anos lhe conferiram cabelos brancos e uma rotina mais regrada e material. As composições não fluíam como em outrora. Claro que fluíam, ele ainda era o mesmo, agora mais velho e sábio. Sempre falam isso, que a vantagem de ganhar idade é a sabedoria que dela emana. As reverências que recebia por onde passava mostravam isso.

Bom ser experiente. Há tempo ainda para o tradicional fish and chips em tarde de futebol. Nesse tempo de mais calmaria, tornou-se fã de futebol. Os vizinhos se ligavam no Arsenal então achou válido vestir vermelho e branco para conseguir penetrar na aristocracia londrina. Aos poucos, rendeu-se aos encantos do esporte inventado pelos ingleses. Só podia ter saído daqui, pensou. Sozinho, na sala, tinha a frente a mais recente televisão lançada na loja e a mão gordurosa apoiada na calça. O frango e a batata aguardavam ao lado, entre suas pernas. A partida era animada, digna de arrancar um sorriso. Todos jovens, jogando de um lado para o outro e sendo assistidos por milhões de pessoas. Eles são mitos, embora em tenra idade. 

Novos. Como Rick, Nick, David e ele em 1973. Gravando os mais loucos sons para criar a textura para mostra o outro aspecto de tudo. Como são doces os frutos da juvenília. Sou hoje tributo de mim mesmo, um viajante sentado à beira do caminho esperando um trem que já passou e não vai voltar. Tentou não pensar, era tarde. Na estante, a capa do Dark Side parecia fazer doer a vista. O peixe ficou subitamente amargo. O juíz apitou o fim do jogo, havia acabado. Tudo. Levantou-se, foi à cozinha e viu a geladeira cheia. Sentiu-se confortável. Agora podia continuar mentido para todos, falar que havia melhorado com o tempo.
                                                                                                                       
por Helcio Herbert Neto.

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