terça-feira, 18 de setembro de 2012

Voo das oito

Foto: rioacima1.blogspot.com.br
Pink Floyd - Wish You Were Here
Este texto deveria ter entrado no blog ontem, mas por motivos de força maior isso só aconteceu hoje.

Ele ainda não havia aberto os olhos, mas já tinha a exata dimensão de sua ressaca moral. Antes de permitir que o feixe tímido de luz pousado no quarto fizesse contato com sua pupila pela primeira vez, foi puxando tudo pela memória. Infantilmente, tentou burlar a própria consciência refazendo os flashes que tinha na cabeça de forma que soassem menos frustrantes. 

O que era para ser um exercício de redenção, no fim das contas saiu pela culatra. E aí, junto com a primeira claridade do dia queimando a retina, e o toque insuportável do despertador, vieram à tona: o convencimento do fiel escudeiro, a brisa da Guanabara e do Aterro soprando de volta a sobriedade até o destino final, Ipanema. Não o bairro dos cartões postais, mas o de um glamour soturno, obsceno. Na areia, a fumaça do último cigarro descortinou a lata quente de cerveja em primeiro plano, e a lua, desajeitada, ao fundo. Ela não vem.

Ela partiu no voo das oito. Com respeito, houve aviso prévio, mas despedidas, sentimentalismo, nem pensar. Não fazia o estilo dela. Ele não sabe muito sobre o estilo dela. Talvez nem ela saiba, e por isso seja excessivamente atraente. Aliás, as mulheres, quem as criou? Deus, ou qualquer coisa do tipo, é um gênio demoníaco. O mundo pode se esforçar o quanto for para banalizar peitos e bundas, mas nunca conseguirá borrar a beleza dos detalhes. O cabelo mal preso e as mãos sutis a consertá-lo, o dente apertando o lábio inferior - ansiedade ou tesão? -, e o perfume que não se crê notado, mas salva vidas por acaso...séculos de existência e linguagem das mais variadas formas e nenhum maldito inspirado conseguiu me ser convincente ao descrever nosso estado de espírito quando tudo isso está bem diante dos olhos.

Voltamos ao ponto. O tempo curto pré-determinado torna a relação estratégica e forma uma espécie de paixão calculista, onde não existe necessidade de se defender, mas paira constante o medo do fim. Ele nunca foi bom estrategista. Em duas noites, negligenciou tudo que (não)aprendera. Ela partiu no voo das oito, e doeu. Hoje, mais uma segunda-feira em que a ressaca sussurra a tortura cotidiana ao pé do ouvido.

O que isso tem a ver com futebol? Com sinceridade, absolutamente nada. Mas, às vezes, a não menção é, por si só, um excelente discurso.


Por Beto Passeri.
 










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