"A razão estética habilita o sujeito para que se concebam mundos não
apenas a partir de e/ou sobre esquemas
referenciais, mas, a partir de e sobre a
experiência da presentificação do que existe, do ser-aí, da história efeitual e
da desrealização dos limites estabelecidos pelas formas tradicionais de
racionalidade." (Marcos Villela Pereira, Licenciado em Filosofia,
Doutor em Educação, Pesquisador do CNPq, Professor Titular do Programa de
Pós-Graduação em Educação da PUCRS).
"Nada está parado, tudo se move, tudo vibra". (Hermes
Trimegistus).
"A Química não é o estudo da matéria; é o estudo da
transformação" (Walter White, protagonista da série de TV
norte-americana Breaking Bad, criada por Vince Gilligan).
Foram três anos, mas foi mais do que isso. Foi uma completa remodelação,
uma reconstrução, um nascer outro. Muito pouco ou quase nada do que havia materialmente
ali restou. "Perdeu a alma", ouvi. Nunca acreditei. Quando estive de
volta pela primeira vez, me senti estranho, desconfortável, sem saber se era a
mente apavorando o que não era mesmo velho ou simplesmente a constatação de que
alguma coisa morrera. Mas mesmo naquele estranho dia, os movimentos
singulares daquele microcosmo sinalizaram que havia pulso. Elias fez o gol de
empate nos derradeiros minutos no Flamengo x Botafogo pelo primeiro turno do
Campeonato Brasileiro.
Houve um tempo, um bom tempo na minha vida em que atribuí a ocultismo,
superstição, religiosidade e até a ingenuidade os fenômenos inexplicáveis que
parecem governar o universo numa profunda imbricação de caos e complexidade, às
vezes oferecendo a certeza de que só o acaso legisla, outras sugerindo que haja
destinos escritos. Mas algo sempre derrapou de minhas teorias e era justamente
aquela dimensão da existência para a qual decidi canalizar minha
irracionalidade: o futebol e, mais especificamente, o Flamengo. Não vou dizer
que fui sempre fiel a essa escolha, porque houve épocas em que, tentando
organizar o raciocínio sobre a minha vida, perdi de vista a dimensão do sagrado
que existia nela. Hoje saí do armário filosófico e posso afirmar sem medo de
errar que o Flamengo é sagrado.
Sagrado, mas não o termo em sua forma vulgar, como corações-de-marias ou
sangues-de-cristos, mas como aquilo que se oferta, com respeito e veneração, ao
desconhecido. Veneração pelo desconhecido. Conhecendo bem o Flamengo, ainda
desconheço-o. Esquadrinho-o, enquadro-o o tempo todo em esquemas e padrões de
comportamento, tento enxergar ordenamento em seus movimentos. Mas a razão não
dá conta, então deixo o caos se infiltrar por cada nanoporo e por cada partícula
subatômica que se movimenta dentro daquele anel monumental, em torno daquela
grama. É tão óbvio, está tão claro que irrita não ter um nome para dar.
Dezenas de milhares de pulmões e laringes e timos vibrando em uníssono
tantas vezes, por tanto tempo, construíram alguma coisa. É quase concreto. Ninguém
vê, ninguém tem um nome para dar, mas as manifestações do fenômeno são óbvias
demais para qualquer cientista negar-lhe a existência. Ali, quando é com a
gente, a bola às vezes encontra sozinha o seu caminho para a rede.
O Maracanã, em 2013, foi levantado de seu sono profundo por aqueles que,
historicamente, assinaram seu projeto quântico no CREA do cosmos. Ontem, mágico,
assombroso, sagrado, de novo ele foi nosso.
Por Bruno Passeri.
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