segunda-feira, 29 de julho de 2013

Festa em que favela?


Achei que não suportaria ver o novo Maracanã. Pelo que tantos em quem confio a opinião disseram, achei que o Maracanã S.A me causaria um buraco irreversível no estômago  quando eu subisse pelo túnel - como fiz arrepiado outras tantas vezes - e não sentisse nada. Só um melancólico e sorumbático vazio de quem encontra um ex-amor e descobre, da pior forma possível, que ali não há mais nada, nada além de boas lembranças. Você quase pode ver a dose que havia guardado de paixão, justamente para esse dia, abandonando seu corpo, unindo-se ao ar e se esvaindo num último e mortal suspiro.

Visualizei esse momento muitas vezes durante a Copa das Confederações; enquanto imaginava as reais dimensões do novo gramado pela TV; enquanto cada bola morta não podia ter seu merecido descanso, mas sim batia dentro e voltava à meia lua por conta da rede dura e fria que a FIFA preferiu; enquanto olhava para aquelas cadeiras confortáveis e coloridas imaginando quanto se cobraria por elas.

Talvez na cegueira causada pela ansiedade e também pelo medo, esqueci os "detalhes". E ontem, no Flamengo e Botafogo, foram os detalhes e o comportamento que mais me chamaram a atenção Maracanã S.A. Confesso não ter ficado tão indignado com a arquibancada, a disposição dos lugares, o campo, e mesmo a rede me passou um pouco despercebida. 

A primeira coisa que me chamou a atenção foi a fila que se encontrava na clássica entrada do Bellini. Na minha cabeça, eu estava indo a um espetáculo da Broadway: casais impecáveis, mulheres com botas elegantes e casacos de couro, velhos bonachões, filhos e netos engomados, um cheiro de pipoca de cinema no ar, um chão brilhoso, luzes de neón iluminando palmeiras simétricas, e o único barulho que se ouvia era do burburinho de conversas e comentários comedidos. Eu estava completamente perdido. Perfeitamente treinada para auxiliar pessoas desencontradas como eu, uma funcionária feliz demais para o meu gosto espiou meu ingresso e me deu a facada: "Sua entrada não é esta, senhor, é ali pela lateral. Bom jogo" e abriu um largo sorriso quase de desdém como quem expulsa alguém de sua própria casa.

Desencontrado dos meus amigos e em cima da hora da partida, fui caminhando vagarosamente num silêncio que o Maracanã só deve ter conhecido em dias de tragédias futebolísticas, como a vitória do Uruguai, em 50, e a do América do México, em 2008. Por sorte, achei meus companheiros antes de chegarmos à entrada e não podermos prosseguir por um deles estar sem camisa. Ele soltou uma risada debochada sob os olhares desconfiados do policial, colocou a camisa, e então prosseguimos. Tristes, perdidos e subindo pela primeira vez na vida por uma rampa que não é a do Bellini. 

Ficamos no meio da Raça Rubro-Negra, então é difícil falar do comportamento da torcida como um todo. A empolgação me pareceu a mesma, mas havia bastante gente sentada (nada de lugares marcados, não ali) e havia uma quantidade de brancos na torcida do Flamengo que eu também nunca tinha visto e que me incomodou. No intervalo, o sistema de som Maracanã S.A soltou Não Me Deixe Só - Vanessa da Mata, e se pode ouvir uma pequena gargalhada geral. No Fluminense e Vasco, haviam tocado o hit "Show das Poderosas", de Mc Anitta, e recebido uma longa vaia. Uma absoluta falta de tato dos mega-super-empresários e administradores que não entendem um pingo de futebol, estádio, paixão e povo.

No fim, com o empate do Flamengo no último minuto com gosto de vitória, lembrei do estádio dos velhos tempos e no que a torcida pode transformá-lo, independente de como esteja. Saí com a sensação de que a aura do Maracanã ainda está ali, mesmo que solta, suspensa no ar. Ainda há a velha alma no novo Maraca, ainda que tenham feito de tudo para afastá-lo dos pobres, das "massas exaltadas" e torná-lo um espetáculo completo para uma família de classe média num domingo despretensioso. Com todo respeito, talvez o público do Fluminense esteja mais disposto a aceitar que assim seja, e também por isso o clube fechou contrato de 35 anos com o consórcio que administra o estádio. Isso não é uma provocação, e sim uma constatação óbvia ao se observar as torcidas de cada time. 

Fiquei constrangido quando um couro de "Festa na favela!" começou a ecoar já nos entornos do estádio, e aquelas pessoas estavam indo buscar os carros estacionados e concluir o domingo de compras no Shopping Tijuca, a algumas quadras dali.


Por Beto Passeri.





Um comentário:

  1. É a triste realidade. Espero que isso não acontece com o meu Palestra Italia, ou como chamam agora Alianz Arena.
    Parabéns, curto demais seus posts

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