quarta-feira, 24 de julho de 2013

A hora e a vez de Alex Stival: a trajetória de Cuca e a oportunidade de ouro do futebol brasileiro hoje à noite, no Mineirão.



Alex Stival, o Cuca, é o principal personagem do futebol brasileiro atual. Personagem no sentido dramatúrgico mesmo, como herói de uma jornada narrativa. Nesse sentido, não há enredo mais rico para se narrar no futebol brasileiro nos últimos anos.

Cuca foi um bom jogador, atacante de gols decisivos, como o que deu o título da Copa do Brasil de 1989 ao Grêmio, time por que jogou mais tempo. Jogou também por outros clubes grandes do Brasil, participou de uma convocação da seleção brasileira, teve breve passagem pela Espanha e pendurou as chuteiras em sua cidade natal, jogando pelo Coritiba. A partir daí, Cuca se formou em Educação Física e Ciência do Esporte. Estudou um bocado antes de dar o pontapé inicial em sua carreira de treinador, dirigindo o Uberlândia. Seu primeiro trabalho interessante foi deslocar o Goiás da lanterna para a nona posição do Brasileirão-2003 em apenas um turno. Esse trabalho foi, digamos, a entrada definitiva em sua jornada do herói.

O São Paulo de 2004: indícios de tragédia e glória

O primeiro grande desafio foi realmente grande. Foi a primeira vez que exibiu seu trabalho num clube grande e foi também a primeira vez que conheceu uma derrota doída. À frente do São Paulo, Cuca chegou às semifinais da Libertadores em 2004 e foi eliminado pelo até então incógnito Once Caldas, da Colômbia, que depois arrebataria a taça sobre o Boca Juniors, em plena Bombonera, e perderia o título mundial para o Porto de Mourinho, Deco e Carlos Alberto. À época, Cuca já demonstrava os primeiros traços de sua personalidade intensa. Extremamente inteligente e corajoso em suas decisões de jogo, visionário na contratação de jogadores promissores, Cuca parecia um tanto irascível fora das quatro linhas, aparentando um certo excesso de pulsação que talvez fosse a ansiedade do gênio em queimar etapas de sua trilha, ou simplesmente imaturidade emocional para a envergadura de sua posição. Fato é que Cuca se desgastou com a diretoria do São Paulo e foi demitido, deixando como legado a contratação de jogadores como Danilo e Grafite, até então ilustres desconhecidos, e a montagem da base do time que, no ano seguinte, conquistaria a mesma Libertadores da América e o Mundial sob comando de Paulo Autuori.

Grêmio, Coritiba, Flamengo, São Caetano: itinerância e ressaca

Depois Cuca teve uma meteórica e fracassada passagem pelo Grêmio em 2004. Saiu do clube depois de um mês, incapaz de desfibrilar um péssimo time que acabaria sendo rebaixado à série B meses depois. A seguir, em 2005, Cuca assumiu um dos piores times da história do Flamengo e permaneceu apenas quatro meses no cargo. Outros assumiriam a cadeira até que o Flamengo escapasse do rebaixamento na bacia das almas sob comando de Joel Santana. A ressaca do São Paulo parecia não lhe sair da cabeça, e Cuca não engrenava um bom trabalho nem era convidado a assumir times bem montados. A pedreira seguinte foi o Coritiba, pouco menos de um mês após sair do Flamengo. Por lá permaneceu cinco meses, até perder três partidas seguidas e deixar o posto. O trabalho seguinte ratificava a impressão de que Cuca, tão brilhante em seu começo de carreira no São Paulo, era mais um cometa entre os técnicos brasileiros. O São Caetano começava a decair de sua fase áurea no começo do século XX, perdendo a base do time que fez campanhas incríveis, como o vice-campeonato da Libertadores em 2002, e Cuca não foi capaz de encontrar soluções, saindo mais uma vez de um clube sem ser brilhante. Em 2006, o São Caetano seria rebaixado à série B. Havia uma sombra sobre Cuca ou ele simplesmente era um daqueles one-hit wonders, apelido atribuído no cenário musical aos artistas que conseguem emplacar apenas um grande sucesso de público em suas carreiras? 

O Botafogo de 2007: a inspiração e o desastre

A resposta começaria a vir no ano de 2006, quando um Cuca cada vez mais cismado, nervoso, cheio de tiques e repleto de soluções criativas na montagem de times, um Cuca revigorado, enfim, embora ainda um tanto sorumbático, assume um clube que era sua imagem e semelhança, ou vice-versa: o Botafogo. Mais uma vez Cuca apostou em sua capacidade de perceber talentos onde outros não enxergam e investiu suas fichas em Lúcio Flávio, que havia passado por alguns clubes sem grande destaque, Zé Roberto, que também havia rodado sem brilho, Jorge Henrique, revelação do Naútico que havia defendido cinco clubes em cinco anos de carreira profissional, e o brilhante e errático Dodô, que dois anos antes havia caído nas graças da proverbial torcida alvinegra. Botafogo, Cuca e seus principais jogadores eram então apostas arriscadas, cheias de poréns, que encaixaram como música. Por um ano inteiro (2007), o Botafogo jogou o futebol mais vistoso do Brasil, um time de toques rápidos, intensa movimentação, centrado no talento dos seus jogadores. Um belo time, de futebol delicioso, lindos gols e... azares fragorosos.

Esse belo time perdeu o título estadual para um Flamengo burocrático, caiu nas semifinais Copa do Brasil diante de quase 65 mil pessoas no Maracanã graças à atuação desastrosa da bandeirinha, um frango ridículo do goleiro no final do segundo tempo e, dizem as más línguas, ao azar que ronda Cuca. O Botafogo de 2007 liderou o Campeonato Brasileiro da sexta à décima oitava rodada, mas perdeu fôlego e encerrou a campanha em nono lugar, algo, aliás, que depois seguiria sendo a sina do clube, com ou sem Cuca. E ainda judiou de sua torcida perdendo a classificação nas oitavas-de-final da Copa Sul-Americana em Buenos Aires para um River Plate combalido pela expulsão de dois de seus jogadores durante a partida. Cuca pediu demissão, mas assumiu novamente o cargo uma semana e meia depois. Levou o time à nova decisão do estadual, mais uma vez perdida para o Flamengo, ocasião em que se deu mais um dos episódios que reforçariam a letra escarlate de sua personagem, a sombra do azar e da superstição: Cuca, o então presidente do Botafogo, Bebeto de Freitas, e os jogadores de pé diante das câmeras protagonizando a reclamação que ficou conhecida como o chororô botafoguense. O futebol cativante e a disputa à vera de competições que o Botafogo nem sonhou disputar nos dez anos anteriores não foram suficientes para a torcida e a diretoria do clube decidiu demitir Cuca. O ônus ficou para a história do treinador, sem que os louros de tamanha façanha fossem devidamente creditados em sua conta.

Novas itinerâncias, o primeiro título e o primeiro milagre

Cuca teve passagens ruins por Santos e Fluminense em 2008. Mais uma vez, a síndrome de um grande trabalho que acabou sem título e sem o devido reconhecimento parecia assombrar sua carreira. Quando, em 2009, Cuca ganhou seu primeiro título, comandando o Flamengo contra o Botafogo na decisão do estadual – a terceira seguida vencida pelo time da Gávea sobre o rival -, parecia que o horizonte clarearia. Cuca vinha de um título e ganhava um reforço importante, Adriano Imperador, para disputar o Brasileirão. Mas não. Uma campanha pífia e desentendimentos com os principais nomes do elenco fizeram-no perder o cargo. Dois meses depois, ele assume um Fluminense em estágio terminal na série A. Para livrar o tricolor do rebaixamento, seria preciso, segundo matemáticos estimavam à época, reverter um quadro de 98% de possibilidade de descenso. Cuca não apenas operou o milagre, montando das cinzas das Laranjeiras um time interessante que venceu praticamente todas as partidas restantes e ainda chegou à final da Copa Sul-Americana, onde foi batido pela LDU. De novo, Cuca havia montado um time competitivo e de futebol interessante de onde ninguém esperava nada, chegado a competir em alto nível com esse time. E, de novo, Cuca colheu créditos minguados pelo feito. Quatro meses depois de sacramentar a permanência incrível na série A, o Fluminense demitiu o treinador por maus resultados no Estadual de 2010.

O nascimento do personagem e o flerte com o desastre

O tempo e os castigos do destino não endureceram Cuca, mas tornavam-no, pouco a pouco, tanto menos intempestivo quanto mais apegado às suas manias e convicções. Tornavam-no um verdadeiro personagem, com trajetória tão sinuosa quanto especial, cheia de dramas e injustiças, episódios pitorescos e fantásticos. Cuca passava a ser um herói contemporâneo, contraditório e cativante. Em 2010, assume o Cruzeiro. Novamente, fez de um time desacreditado uma equipe de encher os olhos. Apostou de novo em sua sensibilidade para talentos desconhecidos e montou um esquema envolvente, bem treinado, de toques rápidos, marcação por pressão, intensa movimentação e vocação ofensiva. O time foi vice-campeão brasileiro. Em novembro já havia garantido com antecedência a classificação do Cruzeiro à Libertadores do ano seguinte, na qual comandou uma das campanhas mais impressionantes vistas até então na primeira fase do certame, com direito à goleada de 5 x 0 num Estudiantes que dois anos havia surrupiado o título do celeste belorizontino em final disputada em pleno Mineirão. Mais uma vez, porém, havia uma pedra no meio do caminho e Cuca cumpriu sua sina. Nas oitavas-de-final, após ter vencido o jogo de ida por 2 x 1 em Manizales, Colômbia, o Cruzeiro de Cuca perdeu por 2 x 0 em Sete Lagoas para o Once Caldas, aquele mesmo que lhe havia tirado a chance de disputar o título da Libertadores em seu primeiro grande trabalho, em 2004, com o São Paulo. Mais uma vez, o eterno retorno de Cuca ao destino duro o fez sair achincalhado de um Cruzeiro que montou com maestria, chegando muito perto do êxtase e batendo na trave. Sem perdão, o futebol. No mesmo ano, repetindo outras ocasiões na trajetória stivaliana, o Cruzeiro deixado por ele se livraria do rebaixamento na última rodada com goleada de de 6 x 1 sobre o arquirrival Atlético, então dirigido por... Cuca!

A chegada ao Galo: histórias a serem rescritas

É que ele assumira, meses antes, a direção de um Galo ameaçado pelo fantasma do rebaixamento. Não era a primeira vez que Cuca passava por isso, aliás. O trabalho começou como um verdadeiro causo, mais um na trajetória do herói. O presidente do Atlético, Alexandre Kalil, procurava um treinador para o time após demitir Dorival Júnior em razão da péssima campanha na série A. Nem passava por sua cabeça o nome daquele que havia sido defenestrado meses antes pelo arquirrival. Foi o filho do presidente que o convenceu de que Cuca era o nome certo. “Quem pode conhecer melhor o time do Galo do que um técnico do Cruzeiro?” foi a pergunta de filho para pai que selou o destino de Cuca. O começo foi trágico: seis derrotas em seis partidas e um pedido de demissão revertido pelo próprio elenco, que insistiu na permanência do comandante. Ele permaneceu, com a anuência de Kalil, e consegui fazer grande campanha, mais uma vez salvando do rebaixamento quem já não parecia capaz de se salvar. A derrota para o Cruzeiro, em jogo que poderia ter decretado o rebaixamento do arquirrival que dirigira até o começo da mesma temporada foi um duro golpe para o clube e para Cuca. Mais um.

No primeiro semestre do ano seguinte, Cuca se sagraria bicampeão mineiro. E seria eliminado precocemente na sempre madrasta Copa do Brasil. Mas Cuca e Kalil houveram por bem mudar o curso do destino, e foram buscar alguns nomes fortes e outros desacreditados no mercado. Victor foi um investimento pesado, era um goleiro valorizado por grandes campanhas no Grêmio e convocações para seleção. Jô havia sido afastado do Inter e rondava aquela duvidosa nuvem de nomes que ninguém sabe se valem a aposta, mesmo caso de Ronaldinho, recém-saído do Flamengo após polêmicas extracampo, péssimas atuações e uma vergonhosa eliminação na Libertadores. Cuca estava transformado. Cada vez mais sereno, embora cada vez mais cheio de tiques e manias, ele foi montando, pouco a pouco, o melhor time de sua carreira, um dos melhores times produzidos no Brasil no século XXI e possivelmente o melhor time da história do Atlético. Com futebol extremamente corajoso, envolvente, rápido e comprometido, o Atlético jogava mais bola, mas pontuava menos que um Fluminense do tipo relógio-suíço, e acabou ficando com o vice do Brasileirão, seis pontos atrás do time de Abel Braga. Mais uma vez, batia na trave a redenção de Cuca.
  
Em 2013, Cuca se sagrou tricampeão mineiro e comandou o Atlético na campanha mais sensacional que vi um time brasileiro fazer na Libertadores. Tudo o que sempre pareceu ser o destino de Cuca e do Atlético, as derrotas doídas, as bolas aventureiras cortando sonhos pela raiz, a falha da arbitragem a favor do adversário, a síndrome de vítima do azar, tudo foi sendo drenado pela incrível intensidade do time, jogando um futebol corajoso, mesmo nos momentos mais críticos, como, por exemplo, no jogo de volta contra o Newell’s, no Estádio Independência. Foi o próprio Kalil quem disse, após essa vitória antológica, que eles estavam mudando a história do Atlético. Cuca também está mudando a sua.

Um sujeito diferente

Mudou sua postura diante dos fatos, se tornou um cara mais seguro de suas virtudes e de seus defeitos. Passou a ser mais espontâneo, mais honesto, tirou o peso sempre presente em seu semblante. Hoje é inegavelmente o melhor treinador em atividade no futebol brasileiro. Mais que isso: carrega aquela imanência dos gênios, algo excêntrico, algo profundamente concentrado, alguma coisa em sua figura que o desiguala dos demais. Há gênios, no futebol e na vida, que são fenômenos de autoconfiança, atravessam ambientes (no caso do futebol, gramados) derrubando tudo em volta sem pestanejar. Vi alguns assim no futebol, Romário sendo o maior deles. Há também os gênios que são aéreos, excêntricos, muitas vezes inconstantes, quase sempre pouco carismáticos. Ronaldinho é assim, Messi também. E há os que carregam uma letra escarlate, uma marca indelével do peso do mundo sobre suas costas, certa dor ou angústia no semblante, impaciência exponencial, uma inquietude que os obriga a se alimentar de grandes mudanças, o que volta e meia os leva ao fracasso. Às vezes, uma figura assim leva anos para encontrar um tempo e um lugar onde possa desenvolver suas virtudes com mais serenidade. Às vezes, nunca encontra e vaga perdida em sua própria ebulição interna. Quando um gênio como esse murcha em seus fracassos, a história é punida com lacunas. Quando desabrocha, é escrita em negrito.

Lembro de ter percebido esse caráter em poucos personagens do futebol. Telê era um deles, talvez o maior. Levou muitos anos para que pudesse receber os créditos que mereceu ao longo dos anos, quando montou o Fluminense campeão brasileiro de 70 (Torneio Roberto Gomes Pedrosa), o Atlético campeão brasileiro de 71, o Grêmio campeão gaúcho de 77, após oito anos de hegemonia colorada, ou quando montou um dos times mais brilhantes da história do futebol, a seleção de 82, duramente punida por Paolo Rossi na tragédia do Sarriá. O estigma nublou suas conquistas e a poesia de sua filosofia, que atribuía pouco valor à vitória pela vitória, ao ganhar a qualquer custo. Só quando conquistou todos os títulos que lhe estavam disponíveis pôde usufruir do reconhecimento, o que pouco lhe valia internamente, porque mesmo depois de ganhar, por exemplo, quatro títulos internacionais em um ano pelo São Paulo (Libertadores, Mundial, Recopa e Supercopa de 1993), Telê seguia mastigando violentamente seu chiclete, cerrando as sobrancelhas à beira do campo e procurando onde estava a brecha para a nova transformação no que já parecia perfeito aos olhos dos mortais.

Cuca me passa uma sensação parecida quando o vejo em ação. Não quero dizer, com isso, que Cuca seja Telê. Quero dizer que algo em Cuca me escapa à razão estrita, como escapava em Telê e como escapou em raríssimos personagens que conheci na história recente do futebol. Fora o comportamento sempre inquieto, Cuca montou um grande time, desenhou e regeu um futebol há tempos esquecido em solo brasileiro. Prestou um serviço inestimável à tradição do nosso jogo com este Atlético que hoje joga a sorte contra o Olimpia, no Mineirão lotado. É preciso “apenas” ganhar por dois ou mais gols de um dos gigantes do futebol sul-americano. Será um fio desencapado, mas é possível. Ganhando ou perdendo, hoje e sempre, seguirei acreditando que Cuca pode se tornar um dos maiores treinadores da história do nosso futebol. O jogo brasileiro precisa se reencontrar, precisamos nos religar à tradição que nos levou a sermos o que somos. A seleção brasileira dirigida por Felipão na Copa das Confederações deu um passo firme, mas sem dúvida Cuca é o artífice maior desse processo em solo nacional. Apesar de não ser torcedor do Galo, apesar de ser fã do jogo de fibra e milonga sul-americano e não ser fã de Ronaldinho, apesar de tudo isso, hoje vou torcer para o Galo como nunca torci para outro time - fora o meu, claro - antes. O título pode virar uma chave dentro de Cuca, quem sabe pode fazê-lo desabrochar definitivamente. Se isso puder acontecer, a final de hoje é uma oportunidade de ouro na história do futebol brasileiro.


Por Bruno Passeri. 

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