terça-feira, 23 de julho de 2013

A cartomante rica e os arrota-peru: a liderança do Botafogo, Juninho no Vasco e o castigo ao Fluminense.


Estaria arrecadando uma nota no cenário atual a cartomante que, no começo do primeiro Campeonato Brasileiro de pontos corridos, em 2003, tivesse lido no tarô que Botafogo e Coritiba dividiriam a liderança do campeonato dez anos depois. E seria rica atualmente a mesma vidente se pudesse ter lido entre as cartas que os líderes contariam com Seedorf, o então promissor holandês que entrava aqui e ali no lugar de Rui Costa, Rivaldo e Fernando Redondo no meio-campo do Milan que acabava de ser campeão italiano, campeão da Copa dos Campeões da Europa (era o nome da UEFA Champions League) e vice-campeão mundial para o Boca de Tévez e Iarley, e com Alex, que começava a dar sinais de amadurecimento assumindo a 10, ao lado de Zinho, no meio-campo de um Cruzeiro campeão estadual e da Copa do Brasil e que assumia a liderança do Brasileirão na oitava rodada para perdê-la apenas na décima sexta e na vigésima oitava para o Santos de Robinho e mantê-la pelo restante das 37 rodadas (naquela época, com 24 times, o campeonato tinha 46 rodadas, das quais 39 lideradas pelo time comandado por Luxemburgo), sacramentando a conquista da chama Tríplice Coroa (Estadual, Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro na mesma temporada).

Embora o Coritiba tivesse até feito um bom ano de 2003, conquistando a quinta colocação no campeonato e assegurado vaga na Libertadores, não era exatamente um hábito dos coxas-brancas frequentar esse ambiente na tabela. E o Botafogo ainda não sabia, na metade de 2003, quando a cartomante hipoteticamente tirava seu tarô, se conseguiria o acesso à primeira divisão do futebol nacional jogando a série B daquele ano. Portanto, supor que dez anos depois esses times estariam onde estão seria um exercício de vidência extremamente apurada, o que nos dias atuais sempre pode render uma boa grana.

O que absolutamente significa dizer que Botafogo e Coritiba estejam por cima da carne-seca, pelo contrário. Precisam afirmar suas ascensões com títulos relevantes, que não ganham há pelo menos duas décadas. Em todo caso, parecem querer mudar, nos últimos anos, o conceito sobre si mesmos. O Coritiba evoluiu muito depois do trágico descenso de 2009. Montou times competitivos, fortaleceu o relacionamento com seu torcedor, disputou duas finais seguidas da Copa do Brasil (bateu na trave o tal título relevante), ficou sem a vaga na Libertadores em 2011 por um triz e segue habitando a primeira metade da tabela com mais frequência que a segunda. O Botafogo, a seu lado, vem desde o intrigante caso Cuca, em 2007, salvo alguns lapsos, montando times interessantes, namorando vôos mais altos e morrendo na praia. Desde que Seedorf chegou, porém, algo parece ter mudado na filosofia do clube sobre si próprio. Há dois anos não se ouve no noticiário do Botafogo as auto-referências proverbiais, as mandingas, o “tem coisas que só acontecem...”. Ouve-se falar sobre treino, futebol, vitórias, objetivos, ativação do (difícil) relacionamento com sua briosa torcida, e assim por diante. Falta carimbar a faixa.

Se a tal cartomante pudesse prever, sem tarô, que o barco do Vasco faria água depois de alguns anos de arroubos euricanos, seria mais dedução que vidência. Mas o Vasco é o Vasco e, ao contrário do Botafogo e do Coritiba, acaba carimbando faixas de um jeito ou de outro. A mais importante delas no período recente foi justamente contra o Coritiba, na Copa do Brasil de 2011, título que havia batido na trave em 2006, contra o Flamengo. Em 2012, a unha de um goleiro iluminado e a bola aventureira arrematada nos acréscimos tirou o Vasco de uma ótima campanha na Libertadores. “É o destino”, alguns diriam, mas talvez fosse preferível acreditar que os deuses do futebol sul-americano, sempre cheios de caprichos, mas raramente errados, souberam premiar a entrega e o talento do Corinthians naquele ano.

Da mesma forma que não é o destino que trouxe Juninho de volta à São Januário para a última missão de sua longa e vitoriosa carreira. Um ídolo do porte de Juninho, um dos últimos contestadores em atividade no futebol brasileiro, volta à colina para travar uma batalha que ainda acredita ser justa e válida: liderar um desorientado Vasco da Gama a permanecer lá de onde jamais deveriam tirá-lo. Pode-se acreditar no tarô, na física quântica ou seja-lá-que-diabo-for, mas calhou de a missão de Juninho começar justamente por um confronto metonímico com o Fluminense. Os ventos querem soprar a nau vascaína para mares aos quais ela não pertence, assim como o Fluminense quis assumir um lugar histórico que não era o seu no mitológico Maracanã. O Vasco, primeiro campeão do estádio, foi premiado com o lado direito das antigas cabines de rádio. Foi uma conquista histórica dentro de campo, não uma canetada. Por quase sessenta anos ali permaneceu sua imensa torcida nos clássicos, mas agora é a torcida do Fluminense quem deve ocupar a área. Juninho chega, então, com a missão de recolocar o Vasco em seu devido lugar, na História e no estádio. E o faz com genialidade e alma, arrasando com o jogo nos pés e nas palavras sempre duras e francas.

Quando o Brasil massacrou a Espanha pela final da Copa das Confederações, concordei com Júlio César: “existe uma hierarquia no futebol”. Não se pode negar. É possível enfrentá-la, com muito esforço, no campo, e o futebol é cheio de exemplos de times que reverteram sua inferioridade histórica jogando mais bola do que o adversário poderoso. Davi muitas vezes ganha de Golias, o que não faz de Davi, Golias e de Golias, Davi. O próprio Fluminense foi exemplo disso, quando conseguiu derrubar, um atrás do outro, São Paulo e Boca Juniors na Libertadores 2008, antes da trágica derrota na final para a LDU no mesmo Maracanã. Amanhã, por exemplo, veremos o Galo tentando cumprir essa missão contra o Olimpia pela final da Libertadores 2013, e que as cifras não enganem: o Davi, no Mineirão de amanhã, é o Atlético. Acima de tudo, é preciso reconhecer uma condição antes de superá-la.

Clássicos são clássicos, mas existe uma hierarquia também neles. Que a bonança e boa forma concedida ao Fluminense nos últimos tempos pelo destino e pelo plano de saúde não possam apagar a História, está claro e qualquer um pode ler nas cartas do tarô. Botafogo, Coritiba e Fluminense, cada um a seu jeito, tentam reverter a hierarquia do futebol. Neste final de semana, quis o destino premiar os que enfrentam essa batalha na grama e castigar quem tentou vencê-la no gabinete.


Por Bruno Passeri. 

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