quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O despertar de um pesadelo


O Vasco joga daqui a pouco, em São Januário, contra a Universidad de Chile para cumprir tabela. Não questiono a importância da Copa Sul-Americana, tampouco tenho o resultado como previsível. Nada que se entenda. É que já não se trata mais de campeonato - ou de campeonatos se incluirmos aí o Brasileirão; não se trata mais de competição, de afirmar alguma coisa ou tirar mais sarro dos rivais.

O Vasco extrapolou a esfera do que era possível este ano, antes mesmo que ele acabasse – e não está nem perto de acabar para um time que disputa dois títulos dessa grandeza. Que dê Corinthians ou Fluminense no Brasileiro, que dê La U na Sul-Americana, que o Vasco sofra uma goleada em casa hoje, como sofreu o Flamengo. Pouco importa. 2011 é do Vasco. E é pra história.

Alguém (leia-se muita gente) menos atento e menos sensível pode dizer “por que ganhou uma Copa do Brasil e ainda está disputando dois títulos mesmo depois do problema do Ricardo Gomes?”. Isso, por si só, já seria motivo suficiente para pelo menos um grandioso parabéns ao Vasco. Mas não é.

O futebol não tem muita explicação, isso todo mundo já sabe. Mas meu lado racional me puxa a tentar compreender esse fantasma que assolou São Januário durante uma década inteira. Existe política no meio, escândalos, interesses, azar, uma série de fatores que não me levarão a lugar algum e que me fazem tentar compreender, então, outra coisa. O reflexo disso.

Campeão Brasileiro incontestável em 97, campeão carioca em 98. Nos pés de Edmundo, a humilhação do Rio de Janeiro e do resto do Brasil. Ainda em 98, a Libertadores; nos pés de Juninho, a conquista da América. O time que carrega o nome do heroico navegador português cruza os mares para fincar a bandeira no topo do mundo, mas por algum motivo desses que o futebol e nem a vida explicam, não deu.

Como que para expurgar o “fracasso” de uma época áurea, em 99 vem a conquista do extinto Rio-São Paulo, e em 2000 mais um Brasileiro e a conquista antológica da Mercosul. Como se fosse possível, o Gigante da Colina fica ainda maior. O clube com uma das histórias mais bonitas do Brasil, da luta pelos negros e dos títulos infindáveis parece ter chegado ao topo.

O Vasco se apequena a partir daí, e um título Carioca em 2003 é a única coisa considerável da pior época do clube. O cruzmaltino ganha a humilhante fama de “vice” do seu maior rival, Flamengo, e o rebaixamento em 2008 submete seus torcedores a uma vergonha que não pode ser definida com palavras. Um ano inteiro que representa uma década de silêncio. A ausência de conquistas, o desgosto pelas imundices políticas e a falta de identificação com os seguidos times.

Mas falamos de Gigante. Mais que uma história e um símbolo, uma legião de apaixonados incondicionais. Dia após dia, jogo após jogo e, acima de tudo, lágrima após lágrima, o Vasco se livra do poço de 2009, e em 2010 está de volta à elite do futebol.

Um ano apático, sem gosto, sem sentido. Um ano que serviu para reequilíbrio, mas que era impossível de ser enxergado. E 2011 começa impiedoso, com o pior início da história no Carioca e com torcedores cansados das chagas impostas pelo destino do futebol. Eis que surge a figura de Ricardo Gomes.

O time que era "fraco" começa a se fechar, ganhar corpo e vai à final da Copa do Brasil. Após dois jogos, onde por muitas vezes a multidão de vascaínos pensou se o destino poderia ou não ser tão cruel, onde o mais otimista dos torcedores mantinha um dos pés – maltratado pelos últimos anos – atrás, o Vasco se sagrou campeão da Copa do Brasil e assegurou sua vaga na Libertadores depois de onze longos anos.


O normal seria se acomodar e se preparar para o ano seguinte, como fazem – erroneamente – todos os times que asseguram vaga antecipada para a Libertadores. Mas não se trata, como disse, de UM título, de uma vaga ou de um bom ano.

Com o retorno, por tanto tempo aguardado, de Juninho, e com o time confiante, Ricardo Gomes sentiu que dava. E estava dando. Mas a pressão foi demais e um AVC acometeu o técnico cruzmaltino ao fim do primeiro turno.

Qualquer um se abate com a queda de seu comandante, qualquer exército recua com a perda de seu general. Mas eu falo de 16 milhões de vozes de comando. Eu falo de um "sentimento que não para", que não tem tempo para parar. E eu falo de um time maduro, que assimilou sua missão perante aos obstáculos e não tomou conhecimento.

Eu falo de um zagueiro que se tornou mito para sua torcida. Eu falo de um dos maiores ídolos da história do clube com a eternizada camisa 8; falo de um Felipe consciente da grandeza do Vasco e do seu dever como maestro. Falo de um Diego Souza que entendeu, na dor de um passado recente, como é se apegar mesmo a uma camisa. E falo do sentimento que norteia esse time inteiro e sua torcida. A identificação e a vontade fazem o Vasco entrar em campo quase que num ar de vingança e vencer seus adversários.

A vingança doce e saudável por uma década inteira de sofrimento, por cada lágrima derrubada na camisa desgastada de tanto torcer em vão. A vingança por cada grito de euforia rubro-negro em 2009 e tricolor em 2010 nos títulos brasileiros. A vingança pela impotência em que o clube se encontrou em determinado momento e que, não fosse tamanha paixão, faria o torcedor ver naquilo uma realidade. Não era realidade. Esta é. O pesadelo acabou, Vasco da Gama.


Por Beto Passeri.

6 comentários:

  1. Parabéns pelo blog e pela sensibilidade ao redigir esse texto em questão. Sou vascaína com muito orgulho do passado, presente e, certamente, do que ainda está por vir (e, aqui, não falo da necessidade de conquista dos dois equilibrados campeonatos que ainda estão sendo disputados). A emoção que alguns trechos me causou mostra que somos mesmo uma "legião de apaixonados incondicionais". Um maravilhoso trabalho de reestruturação do Vasco vem sendo feito. Novamente, temos boas referências dentro e fora de campo. Que esse trabalho prossiga e a torcida se orgulhe muito desse clube grandioso.

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  2. Alô Beto,bom dia!O Vasco é tudo o que vc disse e como paixão não se explica,é tb muito mais,mas torcedor é um bicho esquisito,para ele não existe copo meio cheio,ou está transbordando ou,no máximo,meio vazio.No final,se o Brasileiro não vier,se a Sulamericana nos escorrer por entre os dedos,embora ainda orgulhosos da força,do carater,da luta de um ano mais que vitorioso,ficará,lá no fundo,bem escondido porque não devemos e não damos o braço a torcer,o travo amargo do que não conseguimos.Ficaremos quase tristes,quase decepcionados mas é assim no futebol,exatamente como na vida,nem sempre ganha quem tem a luta mais bela,nem sempre a embriaguez da conquista é de quem merece,por isso,mesmo que quase impossível,o foco deve ser o caminho e o muro de pedras que se precisou retirar para passar porque logo outro ano se inicia e mais um Carioca,outra Copa do Brasil,um novo Brasileiro,... .
    Que legal ver outra pessoa comentando por aqui!Abraços,Anna Kaum.

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  3. Tendo a ficar sem palavras, pois após ler o blog -> http://globoesporte.globo.com/platb/garamblog/2011/11/30/viver-sem-voce/ e após ler este também, as lagrimas substituem as palavras, e hoje sei que só dá pra dizer que eu TE AMO meu Vascão e nem naquela desastrosa, nem nunca na minha história como torcedor vascaíno essa palavra deixou de ser dita, os dois textos são otimo, me enchem de orgulho e bota pra fora como forma de desabafo tudo aquilo que queriamos gritar para que todos pudessem ouvir, O VASCO É O TIME DA VIRADA, pois conseguiu virar o cenário mediocre em tempos de Eurico, e voltou a ser o grande campeão, o verdadeiro time do AMOR, amor esse que nunca deixou de existir.

    Saudadões Vascaínas!

    Alexander Yuri. "O VASCO É MEU, é nosso"

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  4. Estava na pagina da globo e li seu comentario na pagina do Garambone...
    Cara, o seu texto sim, fala o verdadeiro sentimento de um vascaino... PARABENS!!!

    Adeus tempos de trevas do EUVIRUS MIRANDA, onde não era a falta de titulos que nos encomodava, e sim um time, uma entidade que não mas representava seus verdadeiros torcedores.

    Jeferson - Imbituba - SC "O SENTIMENTO NÃO PARA"

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  5. Seu texto me fez chorar. Como você disse no Globo que torce pelo Flamengo e isto demonstra o seu altruísmo e humildade. Sou vascaíno desde criança e fui mal acostumado com títulos na época de ouro (anos 90). O seu texto é lindo, diz tudo o que representa este momento tão importante na história do meu Vasco. O único momento que fiquei triste com a torcida do Flamengo foi no mundial de clubes quando uma parte da torcida criou o Fla-Madri. Sempre torcerei por times brasileiros em qualquer campeonato internacional. Inclusive o Flamengo. Tenho muitos amigos flamenguistas e sei que a maioria pensa com eu.Isto foi uma exceção. Parabéns pelo texto.. sem palavras...Obrigado!

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  6. Não há o que agradecer! Um clube do tamanho do Vasco da Gama, com a história que tem, merece os créditos e um texto que tente - mesmo que seja difícil - dimensionar isso. Nós que devemos agradecer pelos comentários positivos! É uma honra poder corresponder de alguma forma ao amor incondicional dos torcedores pelos seus respectivos times.

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