quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Tempo de Previsões


                             


Fim do Campeonato e chega a hora daqueles que se esconderam durante todo o Brasileirão aparecerem com as previsões. Com a disputa restrita a duas equipes, os cronistas clarividentes têm maior chance de acertar e lançam suas apostas: os mais conservadores ignoram a alma que envolve o time de Dedé, Juninho Pernambucano e Felipe e apostam no Corinthians; os outros vão contra a estabilidade do metódico time que permaneceu na ponta a maior parte da competição e, fascinados pela ascensão do Vasco, preveem o time Cruzmaltino como o Campeão Nacional de 2011. Para mim, a banca já fechou. Meu palpite já foi dado em postagens anteriores e não convém repeti-lo sob a cornetas do apoteótico final do primeiro Campeonato Brasileiro dos Clássicos. Minhas previsões hoje são sobre temas muito mais fáceis de acertar.

Em mais um espetáculo televisionado, a Rocinha foi ocupada. Novamente sobe a bandeira nacional, renovam-se os votos por uma Olimpíada Pacífica no Rio de Janeiro e a popularidade do Governador tenta tornar a subir após meses de decadência. Adotando a tática americana de 'Guerra ao Terror', Sérgio Cabral vai invadindo esses Iraques e Afeganistões que temos nos morros por aqui. E nessa hora surge o velho discurso da chegada do progresso nos jornais, televisões e páginas da internet.

'A Rocinha é Nossa', anunciava O GLOBO no auge da euforia da ocupação, proclamando a Boa-Nova da chegada do Estado na Favela. O exército de mão-de-obra que acorda ainda pela madrugada e vai trabalhar, principalmente pelas ruas da Zona Sul e da Barra da Tijuca, muito próximas à favela,  é esquecido pelo editor do jornal mais poderoso do Rio de Janeiro. Segundo a manchete do jornal, aquela gente não era carioca, não era brasileira. Somente com a chegada da força, representada pela 'pacificadora' Polícia Militar, é que aquela multidão teve seu passaporte brasileiro aceito.

E é a partir de agora que começam as previsões nada esotéricas sobre o futuro da gente do morro. O Rio de Janeiro começa a resolver uma questão crucial para o mercado imobiliário. Diferentemente de outros municípios, o Rio não possui uma periferia bem definida. Isso causa a desvalorização de imóveis de classe média, além de náuseas na elite, que é obrigada a conviver com a  realidade dura da maior parte dos cariocas. Com a chegada da Paz Armada às favelas, tendo como o mais bem-definido exemplo a recém-ocupada Rocinha, aos poucos o progresso começará a mostrar sua opressão. Por meio de um discurso de 'obras de infraestrutura', alguns moradores serão desalocados. 

Contudo, essa será somente a primeira fase. Depois das obras de benefício 'público', vão chegar taxações e impostos. Nada de assustador, apenas valores simbólicos em um primeiro momento. Entretanto, com o passar do tempo, esse valor vai aumentando, bem como o valor dos imóveis na região. As propostas pelas casas que restaram será irresistível para aquele povo que sobrevive com mínimos salários. Como resultado da Ocupação Policial, acontecerá uma marcha para o oeste da cidade, onde o padrão de vida é inegavelmente mais barato.

Políticas para os bairros pobres da Zona Oeste e da Zona Norte não há. Transportes, moradia, educação, saúde permanecerão estagnadas. Os ex-moradores das comunidades ocupadas vão se aglutinar em regiões que não lhes oferecerão uma vida saudável. Dessa forma, acaba o processo de higienização da Zona Sul e dos bairros de classe média da Zona Norte que teve como estopim, como energia de ativação os espetáculos esportivos. A vida da parte mitificada do Rio de Janeiro fica cada vez mais bonita: menos pobreza, menos fome, menos constrangimento pela dor alheia. Resta apenas a paisagem extasiante e a brisa fresca do mar.

Seria um triste fim para a convivência que originou, entre outras coisas, a Bossa Nova e o amor incondicional pelo futebol. Não obstante, tudo aqui escrito não possui consistência teórica ou comprovação dos especialistas internacionais em futurologia. São somente palpites, divagações. Ainda há gente que acredita em Cartolas, Políticos e justiça social nas terras de São Sebastião. E quem sou eu pra destruir as esperanças dessas pessoas.

Por Helcio Herbert Neto.

Um comentário:

  1. Bom dia Helcio!Este é um assunto tão complicado,tão cheio de nuances que,discordando de vc,acho mais simples cravar o campeão do Brasileiro.Tenho muito cuidado quando olho a questão das pacificações,primeiro pq estou fora do Rio desde 2001,portanto,mesmo sem querer,meu olhar é de espectadora;depois pq nasci e fui criada no Rio e,de alguma forma,sempre perto das "comunidades" e passei por todas as fases.Vi o "dono do morro" protetor,que cuidava de quem morava lá encima e de quem vivia pelas redondezas e nos dava a certeza de que nem brigas nem assaltos aconteceriam por alí;vi estes "benfeitores" serem substituidos por homens mais novos,mais violentos mas ainda com um um certo limite e vi isto desaparecer nas mãos de meninos sem passado ou futuro,que estavam alí para matar ou morrer sem se importar com nada.Por outro lado,venho de uma família muito envolvida com lutas sociais,politizada e que sempre defendeu a tese,com a qual eu concordo,de que foi a ausência do Estado que fez surgir aquele poder paralelo.Realmente,aquelas pessoas sempre foram apartadas da sociedade,"cidadãos de 2ªclasse",invisíveis,num 1º momento pq era mais cômodo que fosse assim,mais tarde pq aquele pedaço de cidade já havia de tal forma fugido ao controle que além de cômodo,parecia impenetrável,impossível de ser resgatado.Concordo com vc,sorrateiramente a cidade vai criando guetos longe das vistas das belas paisagens e dos prédios de luxo,sei que aquelas pessoas,que vivem alí desde sempre precisam ter seu patrimônio protegido e seu direito de ficar resguardado,mas como?Como frear a economia,o mercado,como impedir que o preço dos imóveis suba e que seus propietários abram mão deles?Dar condições financeiras aos moradores,para que se mantenham no lugar que escolheram,com os mesmos direitos de quem vive no asfalto,com esgoto,água,lúz,etc,é o sonho de justiça social pelo qual meus pais lutaram,amigos e parentes morreram e desapareceram mas que,desastrosamente,embora tenha-se avançado,não aconteceu.Não me entenda mal,não acredito que devamos ficar de braços cruzados e aceitar as coisas como são só pq são,vc está certo,o mundo é que está de cabeça para baixo mas,as vezes,sinceramente não sei aonde fica a ponta deste fio para começar a desembola-lo e covardemente,mesmo que só por alguns minutos,acabo por me contentar com o "é melhor do que nada".As coisas não são tão simples como parecem,principalmente quando se começa pelo fim.Abraços,Anna Kaum.

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