segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Futebopatia: 24 horas



13 horas. Mal os olhos se abrem e a confirmação de que o domingo nasceu vem da mesma forma como em quase todas as outras vezes até onde sua memória alcança. A cabeça girando estática no travesseiro, a saliva – escassa- com o gosto putrefato de anteontem, e o sol perfurando a cortina para torrar a pele besuntada em óleo do semimorto em questão caracterizam uma ressaca que o faz lembrar que está bem vivo.

Se já não fosse uma espécie de hábito dominical, teria permanecido ali, imóvel, horas e horas, até morrer desidratado. Mas levantou rápido, esquivando-se das lambidas do cão incompreendido que não compreende as cicatrizes do álcool. Meteu a mão na maior garrafa de água que viu na geladeira e quase a terminou em uma talagada só enquanto se dirigia ao banheiro.

Ali era onde ocorria uma espécie de milagre da ressurreição: terminava sua água – quase benta -, ingeria um daqueles comprimidos salvadores, escovava duas ou três vezes os dentes e se enfiava numa ducha de água gelada que lhe lavava o fígado, ou melhor, a alma.

14 horas. Está novo de novo, vivo e mais faminto do que nunca. Esquenta rapidamente o almoço no micro-ondas e abre o jornal que tanto critica para criticar. O caderno de esportes fica como uma espécie de bandeja embaixo do prato, e a refeição segue vagarosamente sob ponderações e ressalvas às matérias e colunas impressas em papel velho.

15 horas. Ainda falta para o evento principal do dia, então ele liga o computador e vai caçar futebol aonde realmente gosta. Desbrava os portais de cima a baixo, revê o igual do jornal impresso, lê e comenta os blogs que segue, e quando se sente satisfeito de conteúdo esportivo, a comida está fazendo efeito, sua última ponta de dor de cabeça se esvai e já é hora de encontrar os amigos.

17 horas. Sob o álibi da ressaca e da distância, eles trocam o calor do Engenho de Dentro pelo conforto do bar perto de casa para assistir Flamengo e Cruzeiro. Opiniões divergentes na mesa temperam a discussão suculenta que vai sendo beliscada junto com a cerveja estúpida enquanto o Urubu engole a Raposa por 5 a 1.

19 horas. Já havia começado Fluminense e Inter quando o garçom, sob ordens, mudou o canal. Tudo fica mais fácil. A concentração na TV diminui, os goles e a conversa se intensificam, e o jogo, apesar de bom, pode terminar porque o empate é o melhor resultado.

21 horas. Do bar para a pelada sagrada de todo domingo. Ali os homens despem-se de suas profissões para se vestirem e se sentirem como jogadores que sempre sonharam ser. E enquanto os times são escolhidos, abandonam os bordões de suas respectivas carreiras para falarem uma só língua ao discutirem os resultados da rodada do Brasileirão.

23 horas. O banho não ameniza a adrenalina do futebol, e o sono, então, se torna difícil. Saturado de ouvir os comentaristas e sem saco para filmes ou seriados, ele liga o videogame e joga uma meia dúzia de partidas de futebol virtual antes de se render à cama.

00 às 9 horas. Sonha com o chutaço disparado na pelada, que bateu na trave, entrando, mas na comemoração a arquibancada fica enorme, torcedores gritam o seu nome e ele abraça companheiros com a camisa da seleção brasileira. Entre uma imagem e outra, palavras picadas que não fazem sentido algum, mas que serão úteis no dia seguinte.

13 horas. E foram. 24 horas de futebol, como em todos os domingos.



Por Beto Passeri.

2 comentários:

  1. Este bolg está ficando cada dia melhor,de texto em texto uma saudade e um sorriso.Abraços,Anna Kaum.

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  2. Muito obrigado, Anna!
    Seus comentários, muitas vezes isolados, nos ajudam muito a ter gás para escrever por amor aqui.

    Abraços,

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