quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Série Marginalizados: O Radioativo


Em meados da década de 70, o mundo vivenciava o auge da Guerra Fria. Divididos entre o capitalismo norte-americano e o socialismo soviético, os países tomavam partido e rezavam à noite, na cama, pedindo o fim daquela angústia. O último golpe tinha sido forte: os EUA mandaram, em 69, Apollo 11 à Lua, e o mundo assistiu, atônito, aos passos de Neil Armstrong entrarem para a história. De lá, o astronauta pôde ver os soviéticos se encolherem no globo, fracassados.

Determinada a reagir, a URSS direciona suas forças e seu dinheiro para a “corrida armamentista” e abre, no norte da Ucrânia, a usina nuclear de Chernobyl. Dezesseis anos se passam, Irã, Iraque, Afeganistão e Vietnã viram o palco do horror, o cinema e Sylvester Stallone impulsionam os ideais estadunidenses e, quando Gorbachev assume, os socialistas já não tem forças para dominar o planeta.

Na madrugada gelada de 26 de abril de 1986, um reator apresenta problemas naquela, então inútil, usina de Chernobyl. Uma nuvem quatrocentas vezes mais radioativa do que a bomba atômica que dizimou Hiroshima avança, incontrolável, pelo leste europeu. O caos toma conta de parte do Velho Continente e multidões deixam suas casas sem tempo para fazer as malas.

Na pequena vila de Dvirkivschyna, pessoas fogem desesperadas e, entre elas, um menino de nove anos corre com os pais sem saber para onde e nem por quê. Nas mãos, uma bola de futebol murcha era o que confortava o pequeno Andriy Shevchenko em meio àquele terror.

Nove anos após o desastre, Shevchenko não estava perto de esquecer o trauma, mas levava sua vida bem e estreava na equipe profissional do Dínamo Kiev como uma das maiores promessas do país. Cada vez mais lapidada, a joia tornou-se uma realidade ao classificar o time ucraniano para as semifinais da Liga dos Campeões contra o campeão Real Madrid, marcando três gols nos dois confrontos. A equipe não foi campeã, mas o caminho do atacante não podia ser outro que não um gigante europeu. E assim Shev se foi para o Milan, sedento por novas conquistas.

Gol após gol, o ucraniano parecia afetado pela radiação de Chernobyl, como um x-man da bola. Nenhum zagueiro o marcava bem e nenhum goleiro parava suas bombas. Em sete temporadas, ganhou cinco títulos, incluindo a Liga dos Campeões; marcou 173 gols em 296 jogos e levou o prêmio Bola de Ouro, em 2004.

Nem só de Pelés e Romários se faz o mundo da bola, e Shev chegou ao seu limite. Dali em diante, seriam só passagens apagadas pelo Chelsea e pelo próprio Milan, mas que não borraram a história desse jogador extraordinário. Farto da competitividade e dos estrelismos nos grandes clubes europeus, Andriy, como todo bom filho, voltou ao Dínamo para ser idolatrado pelos fãs conterrâneos e está lá desde 2009.

Seu futebol técnico e explosivo o fez o maior jogador da história de seu país. Sem muita tradição, a seleção da Ucrânia se classificou para sua primeira Copa do Mundo em 2006, graças ao eterno 7. Não foi uma Copa brilhante, é verdade, mas Shev só caiu com seus compatriotas nas quartas-de-final e, assim mesmo, para a futura campeã Itália.

Recentemente, anunciou sua aposentadoria: vai parar depois da Eurocopa 2012, justamente na Ucrânia. Às vezes, a história apronta umas coisas engraçadas e que nos fascina. Quem sabe o menino que fugiu, apavorado, da radiação há 25 anos não nos brinda ano que vem, seguro, conduzindo seu país a algum feito memorável.


Por Beto Passeri.

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