quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Forma e Conteúdo


De longe, na mira, a mais bela mulher da noite. Entre comentários de amigos e pessoas próximas, trata-se de uma unanimidade. Ela é a mais encantadora. Com os olhares e os artifícios do velho e conhecido método de abordagem, ela parece se aproximar. Sim, a mais desejada da noite decodificou os sinais e, de maneira também simbólica, ratificou seu interesse. Nessa hora, por efêmeros e, ao mesmo tempo, eternos instantes, é apresentado um horizonte esperançoso para aquela noite. Conhecer uma atraente e, à primeira vista, interessante garota parece ser a certeza do sucesso.

Sob a intorpecência da madrugada, tudo perfeito. Que ótima noite, constata ele, em meio às roupas jogadas na cama e ao travesseiro, sobreposto ao rosto. Com o sol da manhã ultrapassando as persianas, uma idéia lhe vem a cabeça. Reencontrá-la seria uma alternativa plausível de reviver os bons momentos já perdidos no tempo. Parece que para ela, o encontro pretérito também foi positivo. Após utilizar algum dos meios de comunicação, que não faltam nesses nossos dias, marcam de se encontrar.

Logo depois dos primeiros instantes, uma sensação desagradável toma o, como se pode dizer, casal. Não há mais a mesma sinergia. Aliás, a falta de proximidade entre ambos os mundos parece infinita. O tempo demora a passar, o barulho dos ponteiros do relógio tem o volume sonoro de uma sirene. Um suspiro e um alívio. Finalmente aquele mal-estar passa. Vão embora. Por educação, fica acordado um novo encontro que nunca irá acontecer. Ambos notam-se sós. Seduzidos por uma forma, repelidos por um conteúdo.

Fugindo da velha discussão acadêmica que acompanha, há séculos, a Filosofia. Trata-se de uma das mais evidentes dicotomias do planeta, por isso ela é comumente observada nos meios de comunicação. Basta sentar na frente da televisão e seguir processo incessante de passagem de canal em canal. O que mais te prende? O conteúdo apresentado ou o modo como ele se apresenta? A mensagem em si ou os aspectos do meio pelo qual ela passa até ser capturada por nós, os receptores?

Como um temeroso enamorado, certamente o que nos prende, inicialmente, é o desenho, em seu sentido mais subjetivo. Belas formas prendem a atenção de pessoas andando na rua e de espectadores de qualquer tipo de mídia. Isso explica o massivo investimento em profissionais de psicologia, especialistas em cognição humana. Explica também o crescente interesse dos estudantes de comunicação em áreas como a fotografia e o audiovisual. O mercado encaminha os futuros profissionais para o espetáculo.

No jornalismo esportivo isso também é evidente. A tática e a estrutura do jogo são esquecidas. O lado romântico e poético do jogo é posto de lado. As nuances políticas e econômicas que circundam confederações e clubes são abandonadas. Valoriza-se muito mais a eloquência, a aparência e a desenvoltura dos apresentadores no ar. O jornalismo se torna entretenimento, como um show de auditório dominical ou um videoclipe.

Como em um segundo encontro, ao analisar mais profundamente, percebemos a superficialidade dos assuntos tratados. Sempre os mesmos discursos, os mesmos conceitos, unanimidades. Belas unanimidades burras. A falta de visão questionadora que esse ambiente proporciona é nocivo àqueles que estão assistindo, que não têm sua visão crítica instigada, não exercitam sua habilidade de questionar. Porém, quem mais perde com isso é o próprio esporte. Sem discussões inteligentes, mantém-se inerte, à mercê dos dias e do tempo.

Nesse cenário apocalíptico, admiráveis são os pontos fora das curvas. Os jornalistas que conseguem expôr opiniões divergentes, discutir questões pertinentes e estimulantes. Admiráveis também são aqueles que atribuem ao meios, as formas pelas quais transmitem suas mensagens, sentidos que contribuem para essa visão crítica da sociedade. Por mais que escassos, os exemplos existem na programação e devem ser louvados. E prestigiados.

E quando há a identificação, mais difícil se torna o adeus. Seja entre o público e o programa, seja entre o casal de amantes. Por mais que magnetizados, nos primeiros segundos, pela forma, é o conteúdo que mantém, a cada instante, os dois mundos em contato. Sem essa identificação com essa essência do que está sendo apresentado, a audiência fica saturada das mesmices, das superficialidades e troca de canal. Um bom conteúdo facilita o estabelecimento de pontes entre idéias, que são muito mais concretas do que as estabelecidas por questões estéticas.


por Helcio Herbert Neto.

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