quinta-feira, 28 de julho de 2011

Meia-Noite em Santos


Esta crônica não tem muito a ver com o novo filme de Woody Allen, mas é preciso dizer que ontem meia-noite, quando soou o apito final entre Santos e Flamengo, eu tive a nítida sensação que regredi no tempo num mesmo local. Não vi as glamorosas ruas da Cidade Luz dos anos 20 como no filme. Eu vi o gramado que virava palco na Vila Belmiro dos anos 70. Não vi o jardim de Monet; vi futebol de Pelé e não acreditei.

Estava eu mergulhado numa partida absolutamente atemporal, típica de uma época onde jogo que saía menos de cinco gols era considerado amarrado. Onde o goleiro não tem reação, onde o zagueiro é isento de qualquer culpa, e o técnico “só” tem o mérito de não atrapalhar. Tudo está voltado para eles. Exclusivamente eles. Os gênios. Fica a impressão de que o camisa 1 não espalma porque não quer estragar uma pintura e de que o camisa 3 tira o pé porque está achando aquilo tudo divertido.

A mídia adora extrair confrontos pessoais de jogos importantes, como Adriano x Ronaldo, Cristiano Ronaldo x Messi e por aí vai. Só que nem sempre (leia-se raramente) eles vingam. Seja porque a expectativa foi tanta que não havia futebol que bastasse, seja porque só um deles se saiu bem, ou a retranca estragou a festa. Ontem não. Havia um estádio lotado e havia um campo com 22 jogadores, mas a realidade era um palco apagado com dois focos de luz em cima de dois atores magistrais que dialogavam o tempo inteiro proporcionando um espetáculo poucas vezes visto.

É verdade, tiveram gols de Borges, Deivid, Thiago Neves e pênalti perdido pelo Elano. Sem dúvida isso foi fundamental no desenho e no placar final da partida, mas deixo para os jornais. A mim só convém os dois. Neymar em noite de Pelé e Ronaldinho em noite de... Ronaldinho. É difícil dizer “a melhor partida da carreira do Neymar” – talvez seja -, mas é fácil afirmar que foi a melhor partida de Ronaldinho com a camisa do Flamengo.

Aos mais saudosistas que nunca consideraram a 10 de Zico bem entregue, que resistiram ao talento de Felipe e até mesmo à categoria de Pet, não dá mais. Mesmo que o Gaúcho não volte a fazer uma atuação como essa, a memória dessa partida estará tatuada em cada um que apreciou seu show ontem, digno dos áureos tempos de Barcelona que muitos julgavam não poder voltar.

A vitória foi um mero detalhe, assim como ser um Flamengo e Santos também o foi. Tinha vascaíno batendo palma de pé no bar para a superação do rival e, mais ainda, para a partida orgástica que acabara de assistir. Assim como imagino que tenha santista hoje desfilando com a camisa 11 hoje pelas ruas - meio receoso talvez sobre as consequências futuras de uma derrota em casa, mas convicto sobre a existência (talvez resistência) do futebol arte. Parabéns para os quatro. Flamengo e Santos, Ronaldinho e Neymar. Nós, amantes do bom futebol, agradecemos e ficamos com a certeza que vimos História. Obrigado!


Por Beto Passeri.

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