sexta-feira, 11 de março de 2011

Série Marginalizados: Il Codino Divino


Segundo os budistas, “cada vez que uma pessoa age, há alguma qualidade de intenção em sua mente e essa intenção muitas vezes não é demonstrada pelo seu exterior, mas está em seu interior e este determinará os efeitos dela decorrentes”. No Terevada – uma das principais correntes do budismo - , a existência de salvação divina ou perdão de um carma não é aceita, já que se trata de um processo puramente impessoal que faz parte do univerno.

Esses conceitos são suficientes para entender a carreira de um dos jogadores mais marginalizados da história do futebol: Roberto Baggio. Para ele, nunca houve salvação nem perdão de seu carma. Inspirado em ninguém mais ninguém menos que Zico, o talentoso jovem do pequeno Vicenza não demorou a despertar interesse de clubes maiores e selar seu futuro. Mas há poucos dias do anúncio na Fiorentina, uma lesão gravíssima no joelho quase tirou Baggio do futebol profissional, em 85.

Durante sua recuperação, a mais nova joia do futebol italiano, de família tipicamente católica, foi encontrar a serenidade no Budismo, o que lhe causou alguns conflitos familiares e, por outro lado, deu-lhe o equilíbrio que precisava para vencer o primeiro de muitos obstáculos em sua carreira.

Um ano e meio depois, Baggio voltou aos gramados obstinado a retribuir a confiança da Fiorentina em seu futebol. E assim o fez: Com gols de todos os jeitos e jogadas geniais, “Il Codino Divino” (O Rabo-de-Cavalo Divino), já idolatrado, levou o time de Florença à final da UEFA, mas não conseguiu superar a tradicional Juventus, que assediava cada vez mais o atacante.

Após o fracasso e protestos da torcida, a família Pondella, dona da Fiorentina, vendeu parte do time. Baggio, mesmo a contragosto, teve Turim como destino, para desespero dos torcedores da “Viola”. No primeiro confronto contra o ex-clube, Baggio se recusou a cobrar um pênalti e, no fim do jogo, em lágrimas, beijou um cachecol roxo atirado por um torcedor, sendo, então, ovacionado pela torcida da Fiorentina e quase linchado pela plateia bianconera da Juventus.

Com seu futebol singular, passeando com uma facilidade incrível entre o instinto matador de um 9 e a maestria de um camisa 10 de classe, Baggio conseguiu se redimir com os torcedores da Juve e, justamente lá, atingiu seu auge. Dono de uma personalidade forte, assumiu a braçadeira de capitão da “Velha Senhora”, ganhou quase todos os títulos possíveis e foi eleito o melhor jogador do mundo pela FIFA em 93.

Tido por muitos como o maior jogador italiano de todos os tempos, Baggio ainda vivia à sombra de Giuseppe Meazza e Paolo Rossi por não ter conquistado a Copa do Mundo. E lá foi Il Codino para os Estados Unidos, em 94, conquistar o que ainda faltava. Liderada por ele, a Squadra Azzurra chegou até a decisão por pênaltis da final – a primeira da história das Copas – contra o Brasil de Romário e companhia.

Franco Baresi, um dos maiores zagueiros que o mundo viu jogar, desperdiçou uma das cobranças, mas dessa ninguém se recorda. Ele não era o ator principal, ele não era o craque, não era o último a cobrar, enfim, não tinha que ser ele. Alguma força desconhecida pedia que fosse Baggio, e foi. Olhando carinhosamente para a bola, como fizera tantas outras vezes na carreira, partiu em sua direção. Ela sempre o procurou, descansou em seus pés, riu de suas jogadas, tornou-o ídolo. Mas o carma de Baggio ordenou sua amante que o traísse naquele exato momento. E ela o fez: voou por cima do poste e deu o tetracampeonato para o Brasil.

Ficou ali, parado, na marca do pênalti, contemplando o vazio - espacial e existencial. Alguns dizem que ficou ali por cinco, dez, vinte minutos. Arrisco-me a dizer que Baggio ainda está lá. Dezessete anos se passaram e um dos jogadores mais completos de todos os tempos não conseguiu perdão algum. Nem do povo, nem divino, nem de si mesmo. Il Codino bem que tentou, mas nunca atingiu o nirvana¹, e ficou por isso mesmo.



¹ - O nirvana é a mais alta felicidade, um estado completamente além do sofrimento. Todos aqueles que atingiram algum grau de iluminação desfrutam da paz do nirvana. Aqueles que atingem o nirvana não estão mais sujeitos ao renascimento no samsara — a existência cíclica — porque estão além do ciclo da morte e renascimento. (www.dharmanet.com.br)



Por Roberto Passeri

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