terça-feira, 18 de junho de 2013

Me desculpem, companheiros

Foto: Fábio Motta, do Estadão.

Me desculpem, companheiros, mas eu nunca acreditei na gente. Me desculpem, mas nasci acreditando estar à sombra da vitória de uma geração sobre a Ditadura e também sobre Collor. Nasci quando milhões, enfim, respiraram aliviados; aprendi a andar, falar e pensar enquanto todos, enfim, puderam fechar os olhos para descansar depois de anos de sofrimento. Nasci quando Ayrton Senna, Romário e Guga expurgavam nossos fantasmas pela TV. Acho que larguei as fraldas no dia em que o grito galvanesco de "É TETRA!" nos libertava de uma inflação pavorosa. Acreditei, então, que a engrenagem já estivesse girando e que o Brasil fosse ser Brasil sozinho. 

Me desculpem, companheiros, mas não soube o que fazer com a minha rebeldia natural da adolescência. Lia revolução, e ouvia miscigenação num tom feliz nas aulas água com açúcar do colégio; lia teorias sociais e manifestos, e via futebol nos comerciais de todos os produtos; queria pensar, mas só me vinha samba e bunda na cabeça. Achei, e assumo a culpa, que a História não fizesse parte do meu mundo, e que as mudanças deviam ser feitas muito longe daqui, talvez em Cuba, talvez em Paris, não sei. Mesmo tendo lido o contrário, fizeram-me comprar que o povo brasileiro não tinha uma trajetória de lutas magníficas e que estava fadado à mediocridade. 

Caminhando comigo, minha geração começou a beber, e beber o que nenhuma outra deve ter bebido. Um hedonismo quase sem explicação. A angústia, a falta de respostas? Há séculos todos aturaram e superaram isso. A descrença, a ausência de perspectiva, a total resignação, isso sim nos deixava mal. Estar entre um passado esculpido em ouro pelos avós – as brincadeiras na rua, a inocência das crianças, a vida vivida – e um futuro caótico – o Grande Irmão, a tecnologia como alma, o fim do mundo; isso sim nos afundou e nos colocou, ainda que inconscientes, numa busca infinita e melancólica pelo prazer.

Quando tive maturidade e mais esclarecimento para perceber que o trem estava muito fora dos trilhos, me desculpem, companheiros, mas não tive forças para mover um dedo, mesmo apaixonado pelas grandes mudanças dos Romances e dos livros de História. Na real, é diferente. O egocentrismo dos líderes de movimentos estudantis me impôs distância. O preconceito com uma intelectualização desses movimentos me impôs distância. A visão de que as redes sociais tornam textos/correntes/ideais mais "moda" do que qualquer outra coisa me impôs distância. Virei as costas para a geração que compartilhava das mesmas angústias que eu. Não nos entendemos em nenhum ponto. 

Os protestos já haviam começado há dias e, como sempre, conquistaram a minha simpatia distanciada. Muito discreta, quase introspectiva. Ontem de manhã, no entanto, senti alguma coisa diferente quando comecei a acompanhar mais de perto as redes sociais, blogs e o frisson em alguns cantos da cidade. Estava com cheiro de coisa muito grande no ar. 

Eu havia bebido demais no domingo para, mais uma vez, esquecer minha dose de culpa no mundo, e acordei com uma ressaca infernal. Mesmo vacilante e com um certo nó na garganta, fiquei em casa. Acompanhei, de quatro horas da tarde às duas da manhã, todos os canais possíveis que cobriam e comentavam os movimentos pelo país - trancado no meu quarto, como aquele mais fanático dos torcedores que se esconde fingindo que nem se importa mais. E, por mais de uma vez, chorei. Não acreditei no que estava vendo, porque nunca acreditei em vocês. Um mar de gente (certamente muito mais que os 100 mil estimados) no Centro do Rio que eu jamais pensei que veria me fez chorar. A simbólica tomada do Congresso Nacional me fez chorar. As fotos espalhadas nas capas dos principais jornais do planeta me fez chorar. O entendimento, a sincronicidade e a força do movimento me fizeram chorar. Não sabia e nem saberei dizer se era orgulho por vocês, vergonha por mim, ou felicidade por nós. Acho que já não mais importa. Só me desculpem, companheiros, e deixem eu me unir a vocês. Chegou a hora.



Por Beto Passeri.








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