domingo, 2 de junho de 2013

Colunas do Partenon

Fred fez o primeiro gol na partida contra a Inglaterra que terminou em 2 a 2. (Ministério dos Esportes/Divulgação)

Como é obscuro ver heróis morrerem de overdose. Ídolos, que ocuparam um espaço áureo da memória, desmoronam, tornam-se vis. Normais. Claro que todo eldorado construído no passado não se esvai de um dia para outro. O fanatismo e a idolatria se transformam em uma opaca reverência protocolar, a mesma que os ateus prestam para com as igrejas ou que os cidadãos de uma democracia inoperante prestam para com seus membros do legislativo. 

Triste é ver um símbolo de redenção pretérito definhar em plena tarde de domingo, na estreia do ex-maior estádio do planeta. Atrás dos vidros transparentes dos estúdios de imprensa de uma arena que ocupa o lugar do antigo palco do povo, um antigo atleta e atual cartola e empresário debutava na tarefa de comentarista. Tendo como companheiros o também ex-jogador Casagrande e o quase ex-locutor Galvão Bueno, Ronaldo observaria e faria apontamentos sobre o Brasil e Inglaterra, que terminou empatado em 2 a 2. 

O atacante que ocupa o imaginário do Brasil com gols e jogadas de explosão agora concentra as atividades de empresário da Nin9  empresa de marketing esportivo que gerencia a carreira de alguns boleiros brasileiros , membro diretor do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo (COL) e, nas horas vagas, ainda é garoto propaganda de algumas das marcas que patrocinam a Seleção Brasileira. Não é para se esperar nada além de uma atitude neutra e imparcial nos seus comentários, como a rede Globo já devia saber.

Entre elogios exagerados a Neymar (que, por coincidência, é um dos agenciados pela Nin9), exaltação das cores da bandeira nacional e ufanismo, e, é claro, adoração aos "padrões Fifa" que puseram abaixo o velho Maraca, deixaram orfãos os atletas que treinavam no estádio Célio de Barros e no parque Aquático Julio de Lamare, bem como os estudantes da escola Friedenreich e os torcedores que tinham como paixão torcer junto ao seu time no templo do futebol carioca, o Fenômeno se mostrou fraco. Portador de uma característica baixa, pouco condizente com um ídolo: Ronaldo foi mesquinho. Abraçou a Copa e os interesses comerciais em detrimento da ética.

Para completar a náusea do momento, a transmissão ainda exibiu no intervalo imagens de um craque exuberante, amado pelos populares, símbolo de obstinação e abnegação... Em suma, fonte de saudade para todos que, envergonhados, viam aquela aparição descabida que teve ainda outros  pontos altos, como a declaração de que a seleção ia se dar bem na partida com um campo grande como o Maracanã (o estádio teve suas extensões reduzidas por determinação da Fifa e o cartola do COL não ficou sabendo?) e uma coincidência risível: enquanto, mais uma vez, ele falava das benesses das mudanças estruturais, Rooney arrancava com a bola e dava um chute no ângulo de Julio César e fazia o segundo gol inglês.

Olhar para Ronaldo hoje é como admirar as colunas do Partenon. Corroídas pelas chuva ácida destes anos sem deuses, pensadores ou batalhas homéricas, as vigas apenas lembram, de longe, o passado clássico de uma Grécia que não existe mais. Grécia esta que reflete um provável Brasil futuro que, tendo a oportunidade de sediar um grande evento esportivo, delegou à personalidades escusas o trabalho de organizar a festa e hoje agoniza em crise política, desemprego e profunda pobreza.



Por Helcio Herbert Neto

Um comentário:

  1. Mais uma vez, belíssimo texto!!!
    Pobre do povo brasileiro, que caminhando num deserto de aridez econômica e cultural, sente cada vez mais os efeitos da fome e sede, e de tão iludido, enxerga a chegada de um prometido oásis em 2014, mas que logo logo se revelará somente um poço de sujeira e corrupção, que deixará o país muito mais pobre do que já é...

    Glenyo Lopes
    Goiania GO

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