quarta-feira, 22 de maio de 2013

Cinefoot e "Os rebeldes do futebol"


O futebol, assim como todo elemento de mobilização da massa, pode (e deve) ser usado como bandeira política e social. Ao longo da história, alguns jogadores foram absolutamente mestres nesta arte. É exatamente isso que mostra o documentário “Les Rebelles du Foot” (“Os Rebeldes do Futebol”), que abrirá o Cinefoot, festival sobre filmes de futebol que está fazendo tour por todas as cidades sedes da Copa e que estará no Rio entre os dias 23 (amanhã) e 28 de maio.

A película, produzida pelo ex-jogador (e também rebelde) Eric Cantona, conta a trajetória de cinco ex-futebolistas que, desafiando as circunstâncias e as barreiras oferecidas pela conjuntura política de suas épocas, marcaram posição e, através do esporte, apresentaram e defenderam os seus pontos de vista (confira o trailer abaixo).


Dentre eles, um brasileiro: Sócrates. O engajamento do capitão da seleção na Copa de 82 na luta pelas eleições diretas para a presidência da República e sua participação no movimento "Democracia Corintiana" são o pano de fundo do capítulo que lhe é dedicado.


O documentário tem mais quatro partes, cujos protagonistas são o chileno Carlos Caszely, o marfinense Didier Drogba, o argelino Rached Meklhoufi e o bósnio Pedrag Pasic.

Caszely se opunha frontalmente à ditadura de Pinochet. E manifestou isso publicamente – um ato de extrema coragem à época – quando se recusou a apertar a mão do general numa solenidade em que os jogadores classificados para o Mundial da Alemanha, em 74, foram recebidos no Palácio de la Moneda. A bravura custou caro ao então capitão da seleção: sua família passou a ser perseguida pelo regime, a ponto de sua mãe ter sido torturada. Ele revelou a barbárie numa entrevista para a TV. Para não morrer, optou pelo exílio na Espanha, onde jogou durante cinco anos antes de voltar a seu país.

A história de heroísmo do atacante marfinense também esbanja coragem. Em 2007, havia cinco anos em que a Costa do Marfim vivia sob uma sangrenta guerra civil. De um lado, os governistas, cristãos. Mais ao norte, os rebeldes, de origem islâmica. A seleção do país enfrentaria Madagascar, numa partida decisiva pela classificação à Copa das Nações Africanas.  Semanas antes, Drogba foi ao palácio presidencial e, valendo-se da sua condição de astro do time, exigiu que a partida fosse disputada em Bouaké, a capital dos rebeldes. O pedido desconcertou o então presidente Laurent Gbagbo (hoje detido pelo Tribunal Penal Internacional por crimes cometidos contra a sua população). Mas, pressionado pela opinião pública, ele cedeu.

O jogo no Bouaké Stadium uniu rebeldes e simpatizantes ao governo durante um período de cessar fogo, que, a rigor, foi conquistado por Drogba. Um tanque rebelde conduziu a seleção até o estádio. E, antes do começo da partida, 25 mil pessoas, entre governistas e rebeldes, cantaram o hino do país.

Na tribuna, Gbagbo ficou ao lado do guerrilheiro Guillaume Soro, atual primeiro-ministro do país. A Costa do Marfim goleou Madagascar por 5 a 0. No dia seguinte, os jornais marfinenses resumiram tudo de forma magistral: “Cinco gols para acabar com cinco anos de guerra”.

Meklhoufi usou o futebol como forma de protesto à colonização de seu país, a Argélia. Nos anos 50, era um dos craques do futebol francês. Jogava no Saint-Ettiene. Era nome certo na equipe que iria à Copa de 58, na Suécia. A vaidade, porém, não lhe subiu à cabeça. Em defesa de sua pátria, desertou da França. E, ao lado de outros companheiros de causa, formou um time de futebol que se tornou uma espécie de braço esportivo da Frente de Libertação Nacional da Argélia e embrião da futura seleção nacional. A equipe, que se instalou na Tunísia, fez partidas em outros países africanos francófonos, sempre pregando o discurso da independência.


A liberdade só foi alcançada em 1962. Meklhoufi virou herói nacional. E, como digno fundador da seleção de seu país, dirigiu-a, como treinador, na Copa do Mundo de 1982.

Amor e abnegação por sua terra também são o cenário da história do bósnio Pedrag Pasic. No fim dos anos 70, com a camisa do FC Sarajevo, era um dos principais jogadores da antiga Iugoslávia. No clube, tinha como seu psicólogo uma pessoa que mudaria para sempre a história daquele pedaço dos Balcãs: Radovan Karadzic. Pasic jogou a Copa de 82 pela Iugoslávia antes de fazer uma bem-sucedida carreira no futebol alemão. De volta à sua região, viu a dissolução da Iugoslávia e o estabelecimento da Bósnia como país livre.

Mas alguém não via aquilo com bons olhos. Aquele mesmo psicólogo com quem trabalhara no FC Sarajevo se tornou presidente da Sérvia: Radovan Karadzic. Conhecido como o “Carniceiro dos Balcãs”, ele iniciou uma guerra que trazia no seu cerne o objetivo de fazer uma limpeza étnica na Bósnia, exterminar a população muçulmana para, depois, anexar o território à Sérvia.

Pasic era um dos bósnios a serem exterminados. Seus contatos na Alemanha até lhe ofereceram ajuda para que fugisse. Mas ele se manteve firme. Resolveu enfrentar a guerra com a sua arma: o futebol. Fundou uma escolinha, conhecida como Bubamara, que recebia crianças de todas as origens: sérvias, bósnias e montenegrinas. Mesmo com a capital bósnia sitiada, Pasic não arredou pé de suas posições. Convenceu os pais das crianças que, se tivessem de morrer, seria daquela forma, fazendo o que mais gostavam – jogando bola.





Por Beto Passeri.









Um comentário:

  1. Como fazem falta jogadores com essa mentalidade... Hoje em dia são só dançinhas, moicanos, e respostas prontas.... Enfim, a esperança é a última que morre, e espero que futuramente as coisas melhorem em nosso país, com pessoas que pensem e não se acovardem como os exemplos deste filme....

    Glenyo Lopes
    Goiania

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