quinta-feira, 12 de julho de 2012

Aos Velhos Tempos




Ele era do tipo bonitão. Não era tão bom de papo, mas nunca precisou levar muito na conversa. Italiano, charmoso, trazia uma bagagem imensa. Poderoso, isso. Daqueles tipos que chamam atenção, que te fazem virar a cabeça numa festa e perguntar “quem é aquele cara?”. E assim levava.

Sempre tinha com quem transar. E ostentava mesmo, sem cerimônia. Gostava de se mostrar e exibia as mulheres que havia conquistado como troféus. Assim, ia fazendo fãs, virava uma referência pouco a pouco por toda a região. Mas também tinha rivais. Lembro da minha época de marombeiro, de Academia; o italiano sempre dividia – a contragosto, claro - as mais maravilhosas com um praieiro de Santos que até então ninguém tinha ouvido falar. Eu observava de longe, ainda era bem novo para aquela galera.

O tempo passou, o italiano se consagrou mesmo como uma lenda das conquistas, uma espécie de Hugh Hefner do Brasil. Nos conhecemos melhor uma vez. A parceria foi passageira, mas bastante intensa. Tínhamos muito em comum. Ele tinha o sotaque carregado, mas eu entendia, pois também sou de família italiana. Aprendi muito com ele, e ele – por que não? – comigo. Libertei-o do território nacional, no qual tinha se acomodado há tempos. Conheceu o mundo, ficou mais marrento que nunca. Não por isso, mas paramos de nos falar.

Cada um tomou seu rumo, admito que as coisas ficaram boas para mim. Quanto ao italiano, não ouvia mais falar. Porém, depois de anos sem notícias, soube que estava na pior. Que perdera todo o dinheiro de uma parceria, suas mulheres o haviam abandonado e que muita gente boa e jovem tinha tomado seu lugar. Corri atrás de mais informações, claro. “Ah, é, ele está falido”, me disseram. “Parou no tempo, achou que sobreviveria do passado, mas ninguém está nem aí”. Me bateu uma melancolia muito grande, me recordei daqueles anos que pareceram uma eternidade. Precisei voltar ao Brasil.

E lá estava ele mesmo. Na sarjeta, pobre, castigado. Pelas derrotas no caminho e, mais ainda, pelo triunfo dos outros. Levei-o para casa, ele tomou um banho e se meteu na roupa mais fina que tinha. Prometi que o levaria a um bom bar e que se lembraria dos bons tempos. Era nítido que estava sem jeito, tímido. Precisávamos beber um pouco. Sentamos numa mesa, logo propuseram um jogo de vira-vira. Achei que aquilo não fosse dar certo, confesso, mas conforme os fracos iam ficando pelo caminho comecei a enxergar nos olhos já menores do italiano aquele 'monstro' de anos atrás.

Sobraram quatro pessoas na mesa. Estavam todos altos, mas eu podia sentir a concentração do italiano, olhava sem parar para uma moça espetacular que observava tudo calmamente. O italiano desafiou o ‘Imortal’, apelido de um gaúcho amigo meu de longa data também, e que eu sabia que não desistia de jogo nenhum. Uma dose para cada um e o cara foi à lona. Do outro lado, um outro também caiu. Eram só os dois agora. O sujeito, meio prepotente, jurou levar o italiano para o Inferno. Ele não respondeu. Sorriu de canto de boca, ergueu o copo, como que brindando debochadamente, e venceu.


Levantou, completamente bêbado, mas mantendo a postura. Caminhou na minha direção, me puxou pelo braço e me levou até onde estava aquela mulher, a mais linda do bar. Agarrou-a, beijou a moça com toda a vontade que um beijo pode ter, com todo o tesão prestes a explodir. De repente, empurrou-a para mim, soltou uma gargalhada e disse: “Aos velhos tempos, professor”. Ele estava de volta. E eu também.



Por Beto Passeri.

2 comentários:

  1. Dimas Fernandes Vieira Junior13 de julho de 2012 às 10:23

    Belíssimo texto, caros... Belíssimo, mesmo... Abrazo...

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