quarta-feira, 11 de abril de 2012

Isso não é Ousadia


Ao som de: Quero que vá tudo pro inferno - Roberto Carlos

Penteado extravagante, atitude despojada, o velho jeans surrado. Toda geração tem um rebelde, um ícone adolescente que atrai multidões histéricas por onde passa. Tudo bem, faz até parte do processo de formação da personalidade a idolatria por essas figuras que nossos pais odeiam eu mesmo tive alguns e duvido que você não tenha tido. O importante é observar que cada um desses James Deans traz tatuado em seu peito um pouco da identidade da juventude que representa, do espírito daquela gente fanática que sustenta o ídolo. Um belo exemplo é Roberto Carlos, símbolo dos garotos e garotas que, apesar de mandar 'pro Inferno' tudo que não fossem seus amores, carros e noites, acabavam por avolumar o coro da Marcha pela Família com Cristo contra as Reformas de Base de Jango, nos Anos Sessenta.

A figura da vez é Neymar. Tá na cara, tá na capa da revista. Após a cena ridícula que os membros do legislativo protagonizaram no Congresso nesta semana ninguém ousa discordar desse fato. Como todos os outros, o Camisa 11 do Santos traz traços de sua geração. No entanto, essa postagem não pretende julgar os gestos e a personalidade do grande nome do futebol brasileiro atual e nem mesmo a massa que tem em Neymar um ícone. A terefa se faz complexa demais para um simples mortal, desprovido de títulos de doutorado ou pós-doutorado em algum braço das Ciências Sociais. Aqui, a terefa será simplesmente analisar o slogan que acompanha o homem.

'Ousadia e Alegria'. Inicialmente, eram as chuteiras do jogador que traziam tais palavras. Contudo, com a expansão do fenômeno Neymar, a frase se tornou parte integrante da mitologia que envolve o atleta. Estampado em muitas das publicações sobre o jogador, o par de características já é absorvido pelos recpetores sem passar por nenhum julgamento crítico. Recentemente, 'Ousadia e Alegria' virou nome de pagode. Iniciando uma carreira solo depois da cisão do grupo Exaltasamba, um dos ex-vocalistas da banda aposta na fama do maior nome jovem do país para emplacar um sucesso na indústria fonográfica.

No entanto, vale a pena refletir. Que o atacante é alegre, poucos duvidam. Basta ver a maneira como ele se comporta dentro e fora de campo, o clima despojado que toma conta de suas entrevistas e o ar descontraído que os jogos alcançam após uma sequência de dribles geniais de sua autoria que qualquer suspeita de introspecção e tristeza vão por terra. Porém, e a 'Ousadia'? Cordões de ouro, belíssimas mulheres e noites glamurosas não configuram audacidade. Não depois de Helenos,  Garrinchas e Romários. Talvez o penteado? Realmente, trata-se de uma afronta moral a inspiração estética (ou anti-estética) que o jogador gera nas crianças. Mas não, não é suficiente para que tal palavra apareça quando se trata de Neymar tantas vezes.

A postura do mais significativo atleta da Selação Brasileira de futebol diante das atrocidades da Copa do Mundo de 2014 é inerte. Com a mesma agilidade do drible em Ronaldo Angelim no inesquecível mais belo gol de 2011, o craque foge de respostas mais contundentes sobre as questões que inundam o noticiário sobre a organização do Mundial. Supervalorização, corrupção, atraso nas obras, legado social. Tudo isso não aparece em suas respostas. Muitos dirão que realmente não deveria constar em suas palavras esse universo semântico político-social. E é verdade, Neymar é apenas um representante da classe, distante da conjuntura que o circunda muito pela realidade brasileira, muito pelo caráter alienante do processo pelo qual passam os atletas nas categorias de base.

Neymar não promove reflexão, não defende idéias, aliás parece não tê-las. Cai no lugar comum do marketing esportivo, imagem vazia sem alma, cabide que vende produto, e só. Aventureiros do futebol sim eram os desafiantes do status quo, da realidade vigente. Ousado Reinaldo comemorando o gol  como manifestação ideológica e gerando arrepios nos reacionários, ousado Sócrates levantando os punhos cerrados pela abertura política do país, ousado Loco Abreu reinvindicando melhores condições de trabalho para a classe na qual se insere. O que o jovem jogador realmente faz é 'mandar pro Inferno' todo o mais; atitude pueril de adolescente de castigo.



Por Helcio Herbert Neto.

5 comentários:

  1. ousadia e alegria é um slogan para o profissional da bola, isso não quer dizer que ele tem que levantar bandeira disso ou daquilo, tenho certeza que ele faz muito bem de não comentar o que todos já sabemos... os politicos irão meter a mão no nosso bolso. e ponto.
    E não vai ser o Neymar que mudará algo, pois se ele se manifestar a respeito o máximo que conseguirá será a exclusão de seu nome em futuras convocações para seleção.
    Quem tem que meter a boca no trombone é a imprensa, (grande parte dela com o rabo preso não fala nada), politicos e o Romário está se mostrando um cara de atitude e principalmente os eleitores que colocam no poder um ladrão por um tanque de combustivel ou por uma cesta básica. Agora falar de responsabilidade do Neymar pelas atrocidades politicas do nosso governo... aff.. é muita alienação. O que você espera com isso a revolta das neymarzetes?

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    1. Longe disso, Denis. Neymar é só o símbolo de uma geração, de um modo de agir e pensar. Apenas acredito que a palavra 'Ousadia' está sendo mal aplicada. No fundo, a culpa não é de ninguém, a culpa é de todos. Agradeço o comentário e mantenho aberto o canal de discussão.

      Helcio

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    2. Bom dia!Todos pagamos um preço por sermos quem somos e fazermos o que fazemos.É claro que cabe a cada cidadão a escolha de calar-se ou não diante do que é ou não coveniente para a sociedade,para que o país tenha um melhor gerenciamento de suas questões políticas,sociais e economicas.Opniar,mostrar seu aplauso ou descontentamento,é questão de foro íntimo,entretanto,quando alguém que se destaca de forma positiva,como é o caso de Neymar,se abstem da visão crítica,é triste.A contribuição dos bons exemplos,é sempre esperada e bem vinda.Se é obrigação de Neymar,ou qualquer outro ídolo,ter uma postura mais engajada? Eu,particularmente,acho que sim,mas,certamente existe quem não concorde e isto não tira o mérito de ninguém,mas,que seria um dado a mais,não só na personalidade dele mas tb na construção de uma juventude mais preocupada com o mundo que a cerca e com o lugar onde vive,lá isso é verdade.Neymar é um talento inquestionável,um jovem que carrega na sua história a história de muitos outros,não seria ruim ve-lo colocar isto a serviço não só do futebol. Abraços,Anna Kaum.

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  2. Beto,meu caro,sei que este post é do Hélcio,mas,tomei a liberdade de usa-lo na tentativa de mandar-lhe um recado.
    Apesar de não conhece-lo,ontem passei todo o jogo do Flamengo,pensando em vc e nos milhares de outros torcedores Rubro-negros que conheço,representados na sua dor. Se tiver tempo de dar uma olhada,o post do meu blog hj,foi para vc e em homenagem aos torcedores que ontem,viveram seu inferno.Abraços,Anna Kaum.

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  3. Helcio, eu respeito quem pensa diferente como o colega Denis, mas se um formador de opinião como o Neymar,um cara conhecido no país inteiro, não tem poder de mudar nada como o colega disse, então quem vai mudar?? Eu?? você? Ora, é claro que ele tem poder sim, não só ele mas todos nós temos, claro que em proporções diferentes, mas que temos, temos! Aliás ele tem muito, muito mais do que imaginamos, pena que não faz questão exercê-lo!

    Helcio, você está coberto de razão em suas palavras, eu até acho que o Neymar tem personalidade (pelo menos dentro de campo), parece ser um bom garoto, é muito talentoso,etc..., mas ele não faz nenhuma questão de sair do mundo à parte em que vive, muito menos de no mínimo olhar e entender um pouco o que acontece "lá fora", e isso sim é triste, muito triste! Não é obrigação dele é claro, e como o colega Denis disse, ele poderia até se prejudicar mesmo em algumas situações, mas isso demonstra uma total falta de senso de coletividade, de consideração com a parte sofrida da sociedade, essa mesma parte que o idolatra e é co-responsável pelo seu sucesso!! Ou seja, penso que seria até um modo de retribuir o carinho e idolatria que seus admiradores lhe oferecem.... Acho também que em grande parte a culpa não é dele, mas sim de todo uma conjuntura social que temos no país. A maioria das pessoas, seja famoso ou não, seja rico ou não, não tem esse engajamento com o interesse social, o individualismo impera no país e até no mundo, só que além disso, o Brasil ainda tem o agravante de ter um péssimo sistema educacional, que aliado a forma de pensar extremamente individualista, resulta nisso: egoísmo, vaidade material, esvaziamento espiritual (por favor, não estou falando de religião), inversão de valores, omissão com o próximo, etc,etc.
    Nessas horas que vem uma saudade do Dr Sócrates, que tinha seus defeitos, mas fez questão de ter conhecimento, tinha bastante inteligência e não era omisso, sabia usá-la para o bem de todos que estavam ao seu redor, e ao contrário do que disse o colega Denis, ele fez diferença sim, inobstante não ter sido tão aclamado como o menino Neymar, ainda sim foi uma das notáveis figuras na volta da democracia brasileira, e na queda da ditadura militar.... Infelizmente hoje no Brasil não vejo nenhum jogador famoso em atividade que represente este espírito de coletividade, de tentar mudar o que está errado, de não ter preguiça de pensar e ter coragem de agir... Vc citou o Loco Abreu, que é exceção, sabe dizer o que pensa e pensa no todo, não só nele, tem personalidade não só dentro de campo como fora também, em suas entrevistas dá para perceber facilmente que é fora dos padrões atuais, muito inteligente, antenado, etc, mas só que infelizmente ele não é brasileiro, então continuo sem enxergar um que tenha esse perfil atualmente... É uma pena!
    Finalizando minha opinião, cito 02 conclusões:
    1 - Como diria Martin Luther King: " O que me preocupa não é o grito dos maus, mas sim o silêncio dos bons"
    2 - No contexto deste post, o Neymar poderia alterar seu slogan: De "Ousadia e alegria" para "Omissão e alegria"
    Abraços e mais uma vez parabéns pelo blog!!

    Glenyo Lopes (Goiânia GO)

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