segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Morte e Vida em Oito Linhas


Para ouvir ao som de: Dia de Domingo - Tim Maia

O Grande Domingo do Futebol brasileiro de 2011 começou atrasado. A madrugada apaziguou a insônia dos inquietados torcedores, fazendo surgir o sono dos inocentes. O calendário só deixou para trás o dia três de dezembro por volta das quatro e meia da manhã, quando deu-se o último suspiro do já conhecido paciente da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Albert Einstein em São Paulo. Aquele reincidente barbudo passara pelo andar que recebia os mais graves enfermos três vezes em um curto período de tempo, todos os sinais haviam sido oferecidos. Em vão. Após uma vida célebre, morre Sócrates Brasileiro e começa a última rodada do Campeonato Brasileiro.

O estopim para o grande dia só deixa mais evidente uma batalha que, iniciada na última rodada do primeiro turno, permaneceu velada por longos meses. Desde o acidente vascular do técnico do Vasco no jogo contra o Flamengo, no Engenhão, uma oposição entre os dois primeiros colocados do Brasileirão configurou uma batalha homérica: de um lado a superação, a beleza e a vida com uma faixa diagonal e uma cruz no peito; do outro a auto-destruição, o pernicioso e a morte que vinha do Parque São Jorge.

As trevas acompanharam o Corinthians desde o Tolima, na primeira eliminação do ano. Um espírito sombrio  rondou o time paulista, originado pela corrupção e violência fora de campo. Relações tenebrosas com a CBF, a condecoração de Ronaldo com um cargo no conselho administrativo do Comitê Organizador Local da Copa de 2014 e a elevação de Andrés Sanchez ao posto de dirigente de seleções brasileiras são alguns dos fatos que colaboraram para que fossem tecidas essas paredes invisíveis de sordidez.

Do outro lado, aparece a luz de um Vasco da Gama esquecido no cenário futebolístico brasileiro. Com o pior princípio na história do Campeonato Carioca, o ano cruzmaltino já parecia perdido. Entretanto, vem a salvação: a chegada de uma nova comissão técnica, a conquista da Copa do Brasil, a reencarnação da vitória no corpo de Felipe, a reaparição do libertador da América Juninho Pernambucano e o nascimento de um líder como Dedé. Tudo isso gerou uma expectativa de um ano dourado, banhado por uma pluralidade de glórias.

E como símbolos desse combate surgem Ricardo Gomes e Sócrates. Dois ex-jogadores com destaque na Seleção Brasileira e passagens por grandes times europes. Porém as semelhanças cessam aí. Os dois tiveram trajetórias antagônicas; O Eterno Camisa Oito sob as marcas de uma vida banhada pelo álcool e com o estigma da decadência e o Técnico Vascaíno sempre circundado por um discurso de superação e abnegação. O epílogo da batalha entre luz e trevas aguardou o derradeiro fim do ídolo do corintiano e a alta médica do técnico responsável pela mudança da equipe de São Januário.  Às cinco horas da tarde de domingo antes da bola rolar, onze homens levantaram o braço, de punhos cerrados. Como Sócrates na sobriedade da explosão de um gol.

No Engenhão, um empate festivo coroou o ano cruzmaltino. Longe do fim, a luz de Ricardo Gomes promete mais trajetórias vitoriosas em 2012.  O time, esgotado pela sequência de partidas desse fim de ano, resistiu como pôde, mas acabou por levar um gol em um raro lampejo do Camisa Dez do time adversário. O grupo, apesar da segunda colocação, manteve-se erguido, convicto do bom trabalho realizado.O Vice campeonato teve sentido outro que não o velho valor de derrota.

Já em São Paulo, abriu-se um clarão em meio ao céu nublado. Depois da Via Sacra e de todo aquele penar, o Doutor da Fiel expurgou a penumbra que cercava a multidão de loucos que lotava o Pacaembu. Sócrates levou consigo os males que aterrorizavam aquela multidão, deixando apenas a alegria que somente uma alma libertária como a dele seria capaz de proporcionar. Andrés e Ronaldo saíram do Sport Club Corinthians Paulista, delegando às urnas a responsabilidade de eleger um presidente e iniciar um novo futuro. Veio o Pentacampeonato nacional para o time de um dos maiores líderes do esporte brasileiro.

Somente os bravos são capazes de transformar pessoas e ambientes para o bem em detrimento de seu próprio bem-estar. A experiência de Sócrates comprova o quão pesado é o fardo de quem é capaz de ver além do horizonte e deseja expandir a visão de seus semelhantes. Ontem, naquele segundo de silêncio no Estádio Paulo Machado de Carvalho, todos os ali presentes viveram a experiência proposta por aquele rapaz vindo do Pará, filho de um pai com o Ensino Fundamental incompleto e formado em Medicina. E foi exatamente aquela sensação que espantou o mal que atormentava o Corinthians nesse dia de Domingo.

Por Helcio Herbert Neto.



Um comentário:

  1. Bom dia Helcio.O texto é lindo,equilíbrio perfeito entre a montanha russa de emoções que quem ama o futebol,viveu neste estranho Domingo e a razão cirúrgica de quem observa de fora,um quadro muito bem pintado e cheio de imagens sombreadas,escondidas,dúbias. Um texto que quase me conforta,quase me acalenta,o que já é muito para uma vascaína que teve na trajetória de Sócrates o seu passaporte para entender que futebol não eram só aqueles noventa minutos de alegria suprema ou dor incrível.
    Obrigada,abraços,Anna Kaum.

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