sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um Ronaldo Existencialista


Corremos de um lado para o outro. Entre compromissos inadiáveis e raros momentos de descanso, a vida segue um rumo exaustivo e repetitivo. Contudo, inesperadamente,por meio de algo que acontece nessa rotina, surge um abismo sob nossos pés: temos noção de toda a limitação humana que nos circunscreve. Sentimos o absurdo que é conviver normalmente com essa infinita incapacidade, seguir os hábitos do dia-a-dia sem ao menos questionar a utilidade de tudo o que é vivenciado.

Trata-se de uma experiência semelhante a estar em um deserto, onde tudo é desconhecido. Dessa maneira, quando tal percepção atraca nas vidas dos indivíduos, observa-se um nítido abatimento. É como se, de uma hora para outra, a vida não nos pertencesse mais.

Poucos exemplos dessa aflição são tão ilustrativos quanto o encerramento da carreira de Ronaldo. No pricípio da semana, Ao Vivo, o Fenômeno tomou a decisão de pendurar as chuteiras e deparou-se com o abismo; sua realidade já não seria a mesma. Deparou-se com a vida casual, com a infinidade de suas fraquezas: Notou-se demasiado humano.

Se para um homem comum a experiência é insuportável, para um mito é enlouquecedoura. Foram anos de elegios, espaço nos meios de comunicação, multidões de fãs, luxo e glamour. Um vida tão irreal que até mesmo ele deixou de acreditar que era um simples mortal. Acima de leis, pessoas e instituições, Ronaldo foi, durante sua trajetória no futebol, um intocável. Entretanto, ao trocar as chuteiras pelas sandálias, deu-se conta de sua condição.

Casos como os dos ex-jogadores Casagrande e Paulo César Caju elucidam um caminho pelo o qual muitos indivíduos seguem para enfrentar esse vazio. O consumo de substâncias alucinógenas se apresenta como uma fuga dessa realidade cruel. O caso de Garrincha, que era considerado a 'Alegria do Povo' na sua época de atleta, foi mais trágico. Com o consumo excessivo de alcool sua vida foi encurtada e seu contato com esse sentimento náusea, causado pela constatação de sua limitação, também.

No entanto, há muitos casos que possuem finais menos dramáticos. Com essas pessoas, a permanência nesse deserto de incertezas se faz efêmera e o indivíduo consegue retomar o cotidiano. Zico fundou um clube e seguiu a carreira de técnico, Romário virou político e hoje representa o Rio de Janeiro na Câmara, Pelé se tornou um embaixador do esporte.

A esperança de que Ronaldo seja tão brilhante na carreira pós-gramados é constantemente ressaltada por comunicadores na mídia. Entretanto, meus votos não confluem com os da maioria. Desejo que tenha noção de sua condição, que se contemple como um simples homem iniciando a meia idade. Sendo assim, ele terá menos dificuldade para se readptar a essa nova vida que irá construir a partir de agora.

Por Helcio Neto.

Um comentário:

  1. O "absurdo" é um conceito tratado constantemente nos trabalhos de Albert Camus, escritor de obras como O Estrangeiro e Calígula. Poucos sabem, mas ele se formou em filosofia. Já "náusea" é o nome de um livro e um conceito importante de Sartre, o grande filósofo do último século. Só pra constar, Hahahahah

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