sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Regulamentação da mídia não é sinônimo de censura


"(...) Ao que tudo indica, todos estão surdos. Fala-se em controle social e os donos de jornais e tevês escutam “censura”. Nos principais sites informativos dos maiores grupos noticiosos, durante os dois dias em que aconteceu o Seminário Internacional de Comunicações, o projeto idealizado pelo governo era descrito como de “controle da imprensa”. Por trás da preocupação com a liberdade de expressão, porém, esconde-se o real temor, por parte das “nove ou dez famílias” que controlam a comunicação no país (para usar as palavras do presidente Lula) de que o projeto do governo represente desconcentração do setor.

Segundo o ministro de Comunicação Social, Franklin Martins, cada país possui seu próprio modelo regulatório de imprensa, e o Brasil ainda vai escolher o seu. O exemplo da Argentina é instigante. A lei sancionada há um ano pela presidente Cristina Kirchner não tem nada a ver com a venezuelana, como se acusa, e sim com os modelos canadense e norte-americano. “Como no Brasil, também fomos chamados de ‘chavistas’”, conta Bulla. “Isso se faz para colocar medo nos cidadãos.” O que não significa que os argentinos não foram ousados em sua proposta. Não à toa, o maior grupo de comunicação do país, o Clarín, vive às turras com o governo e é considerado “o maior partido de oposição” a Kirchner.

Se já há tanta polêmica no Brasil em torno do marco regulatório, imaginem se fosse feito aqui o que ocorreu na Argentina: em agosto do ano passado, a transmissão das partidas de futebol foi simplesmente "estatizada". Bulla conta que, como os jogos eram transmitidos via TV a cabo, isso fazia com que uma parte enorme da população não tivesse acesso ao futebol a não ser em locais públicos, como restaurantes, bares e pizzarias. O governo decidiu, então, negociar com a AFA (Associação de Futebol Argentino) a compra dos direitos de transmissão e propôs pagar o dobro do que oferecia o Clarín e a empresa Torneos y Competencias, detentores dos direitos havia 18 anos.

Desde então, todo mundo tem acesso aos jogos via TV estatal, o canal 7. “Eles tentaram ir à Justiça contra a decisão do governo, mas não conseguiram nada”, conta Bulla, citando uma frase do popular locutor esportivo Victor Hugo Morales: “Os direitos exclusivos do futebol foram o cavalo de Tróia da concentração dos meios de comunicação na Argentina”. Além de democratizar o acesso ao futebol, a lei significou não só desconcentração econômica como cultural.

Antes, como as rádios de todo o país apenas repetiam a programação vinda de Buenos Aires, um habitante da Patagônia, por exemplo, acordava com notícias sobre o tráfego na capital e não sobre sua própria região. “Isso matava as manifestações regionais de cultura”, diz Gustavo Bulla. Com a nova lei, a mera repetição de conteúdo foi restringida, assim como a possessão de até 24 concessões por um mesmo grupo de comunicação.

O que é bom para a Argentina talvez seja bom para o Brasil – e aí reside o verdadeiro temor dos donos da imprensa, não fictícios atentados à liberdade de expressão. Só falta o governo brasileiro querer questionar também as exclusividades milionárias das transmissões desportivas. Isto também seria considerado censura?"


De Cynara Menezes (Carta Capital), por Roberto Passeri.

3 comentários:

  1. A questão do regulamentação da comunicação eletrônica do Brasil nem deveria existir! Ao contrário de todas as economias desenvolvidas (e muitas daquelas em desenvolvimento), que adotam políticas regulatórias para a comunicação social há décadas, o Brasil tem como único parâmetro legal um artigo da Constituição que prevê liberdade e diversidade, em linhas muito gerais. Ao contrário do que tentam sugerir os grandes conglomerados midiáticos nacionais, a questão não é ideológica, não é política: é ECONÔMICA. Em todos os setores (ou quase todos) da economia, temos agentes regulatórios que estabelecem parâmetros e defendem a CONCORRÊNCIA nos respectivos mercados. Ninguém chia quando a Agência Nacional da Aviação Civil impõe regras às companhias aéreas, e ninguém reclama quando a Agência Nacional de Energia Elétrica impõe limites de preço às distribuidoras. Lembremos: televisão é concessão pública. E curiosamente, ao contrário de todas as outras atividades que funcionam por intermédio de concessões públicas (estradas, energia elétrica, telecomunicações, etc.), nunca houve sequer um marco regulatório, que dirá uma agência!

    Quando, no início do governo Lula, o ministro da cultura, Gilberto Gil, pôs em consulta pública os termos de criação da Ancinav, uma ampliação da Agência Nacional do Cinema que desse conta de abarcar toda a atividade de produção audiovisual brasileira (TV inclusive), estabelecendo limites, defendendo a diversidade e a concorrência, muita gente graúda se arvorou a acusar de "dirigismo cultural" a iniciativa. Ora, se a televisão é bem público, como pode ser que apenas meia dúzia de famílias tenham acesso à produção e veiculação de conteúdos? Não se trata, convém ressaltar, de uma questão ideológica, mas econômica. São milhares e milhares de postos de trabalho que deixam de ser abertos todos os dias na indústria da cultura por conta das restrições de acesso aos veículos.
    Lembremos: a indústria da mídia e do entretenimento americana, a maior do mundo, deve boa parte de seu gigantismo ao fôlego de seu serviço de TV por assinatura, que permitiu que praticamente todos os americanos tivessem acesso à maior variedade de canais do mundo. Canais onde são veiculadas séries, documentários, filmes e programas de PRODUÇÃO INDEPENDENTE, ou seja, de capital desvinculado ao capital das emissoras. E, mesmo no país do livre mercado, da democracia, como se gosta de dizer, isso só foi possível através de uma intervenção ECONÔMICA enérgica do estado norte-americano na atividade ainda nos anos 60, quando talvez nem se pudesse falar em indústria. O mesmo, naturalmente, acontece com a União Europeia, onde apenas a intervenção do estado, protegendo seus mercados da invasão do produto estrangeiro (como os EUA faz com o algodão e o etanol brasileiro, como o Brasil faz, ou tenta fazer, com os calçados argentinos, etc.) e defendendo as condições de concorrência e acesso aos veículos da produção independente, permitiu o pleno desenvolvimento das indústrias nacionais.

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  2. No Brasil, assim como na Argentina, o fiel da balança do mercado de TV por assinatura sempre foi o campeonato nacional de futebol. É através dele que o maior conglomerado midiático mantém seu poder de mercado, impondo preços e condições aos fornecedores e consumidores dos seus serviços. Não por acaso, a Argentina, que optou por uma intervenção de viés econômico no mercado de comunicação social eletrônica (chegando a estatizar o campeonato nacional de futebol), é um dos países em desenvolvimento que tem o maior número de assinantes de TV por assinatura do planeta, e também é onde o serviço tem um dos preços mais baixos. O Brasil, ao contrário, apesar de estar na eminência de se tornar a quinta ou quarta economia mundial, tem uma das menores bases de assinantes de TV fechada do mundo desenvolvido e, no âmbito da América do Sul, o serviço só é mais barato do que na Bolívia.

    A quem interessa esse estado de coisas? Certamente, não ao povo brasileiro que, diante da precariedade da programação da TV aberta brasileira (temos um canal, a CNT, que passa metade do tempo útil vendendo joias, por exemplo), seria um enorme mercado em potencial para a TV por assinatura e para o produto audiovisual brasileiro. É igualmente certo que, salvo duas ou três empresas abastadas, não é ao produtor independente brasileiro que a situação atual interessa, já que as (poucas) possibilidades de sustentação de seu negócio atualmente passam quase que necessariamente pelos mecanismos de incentivo fiscal, isto é, dinheiro público investido indiretamente na produção. E se não é ao mercado consumidor, e tampouco à maioria dos produtores, que a situação interessa, a quem, então? Em que parte dessa cadeia está sendo cumprida essas determinações do capítulo V da Constituição Federal:

    Art. 221 - A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

    I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

    II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

    III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

    IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

    Art 222

    § 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantira a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

    Para quem esteve sendo produzida a televisão brasileira nos últimos 50 anos?

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