quarta-feira, 24 de abril de 2013

Meus sonhos ainda não foram todos vendidos

Foto: Globoesporte.com

Os bailes aplicados ontem e hoje por Bayern de Munique e Borussia Dortmund em Barcelona e Real Madrid precisam apontar para algo maior que duas atuações de gala dos times alemães. Não que os confrontos estejam definidos (embora eu pense que sim), e menos ainda que haja uma queda catastrófica do Barcelona ou dos espanhóis anunciada no horizonte. Trata-se apenas da forma de se encarar o futebol,  ou melhor, trata-se da perspectiva sobre o esporte mais popular do planeta, que, involuntariamente, gera consequências em todas as instâncias da vida.

Já cansei de manifestar o meu desgosto pelo rumo que o mundo e, consequentemente, o futebol vêm tomando nos últimos anos. A minha teoria é de que está "faltando alma". A intensidade, a paixão, a experiência visceralmente vivida, isso é uma raridade. Esvaiu-se quando passamos a ser moldados, quando nos tornamos subprodutos tortos de nosso sistema. Estamos totalmente imersos na publicidade, morando nas marcas - literalmente para quem já ouviu falar no Celebration, condomínio da Walt Disney, localizado na Flórida, onde pessoas vivem na "cidade dos sonhos", em lares que remetem aos de bonecas e princesas de filmes e desenhos. 

É perigoso, pois não são mais produtos que estão à venda, e sim experiências que as marcas propõem para preencher quaisquer lacunas pessoais e moldar estilos de vida. É isso que faz, por exemplo, milhares de pessoas dormirem na fila da loja da Apple à espera de um novo lançamento. 

Um grande problema é que felicidade não se pode orçar, logo temos pagado caro por tudo. O outro é que o Estado também tem incorporado essa lógica, o que faz com que sejamos menos cidadãos e mais clientes. É o esvaziamento da esfera pública em detrimento da esfera privada, das grandes corporações ("Ah, o velho Maracanã e sua rede caída..."). 

A isso tudo, acrescentamos as redes sociais, a vida digital e pronto: a consequência é uma pasteurização geral, ampla e irrestrita da vivência. Em palavras simples, o mundo está chato. E o futebol também, claro.

Porém, ontem e hoje, nem que tenha sido só por 180 minutos, voltou a ser divertido. Não simplesmente por se tratar de dois gigantes de quatro, mas pelo que representam. O Barcelona é genial, sem dúvidas, mas é chatíssimo de se assistir justamente porque é tão calculista que chega a ser frio e irritante; o Real Madrid, do elenco mais caro do mundo, é muito bem representado pelo seu craque narcisista. Ambos foram atropelados pela entrega em tempo integral de Bayern e Borussia (do elenco mais barato da competição). Goleada do coração sobre o cérebro, goleada das vísceras sobre as aparências. Antes, DURANTE e depois do jogo, alemães de Munique e de Dortmund encheram a cara, berraram seus cantos e suaram as camisas junto com seus ídolos, que parecem mais humanos, mais reais. 



Por Beto Passeri.







2 comentários:

  1. Cada vez que não podemos entrar com bandeiras no estádio, cada vez que não podemos fazer avalanches, cada vez que tentam legislar sobre nosso comportamento numa arquibancada, cada vez que se tenta definir - preto no branco, racional e objetivamente - o certo e o errado, o permitido e o proibido, isso que sentimos no futebol (e muitas vezes só no futebol) é ameaçado. É ameaçado, mas ainda está lá, ainda nos conectamos ao time, formamos uma coisa só e embora muitos reclamem como clientes num SAC, na hora do aperto lembramos que não existe distinção entre time e torcida, entre jogador e torcedor, que não adianta se colocar "fora" do problema ou culpar jogador, técnico e diretoria. Que isso se mantenha no futebol, porque no resto da sociedade o processo de pasteurização me parece irreversível.

    Parabéns pelo texto.

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  2. Barcelona "frio e calculista"? Cara, acho que assistimos outro futebol. Foram os dribles e os toques de Messi e cia. que recriaram o futebol arte, tanto que são seguidamente comparados com as Seleções Brasileiras de 70 e 82, as nossas melhores. É um futebol paciente, com toque de bola que acarreta em triangulações e belas jogadas de fundo. Essa semana sim, foi um futebol burocrático, mas era somente uma sombra do que é o real futebol praticado pelo Barça na era Guardiola. De resto, concordo com o texto.

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