Foto: Nelson Almeida/France Press
Os relâmpagos incessantes no céu eram
o prelúdio de mais uma tempestade de fim de tarde no nefasto verão carioca. O
calor se fora e levara consigo a sobriedade daquela gente voraz que, em poucas
horas, já não tinha mais o que beber nem comer. Precisaram de mais cerveja, e
lá foram eles. Precisaram de novo, mas não tinham mais grana. Feito ratos
bêbados, desbravaram os escombros da festa em busca de qualquer coisa etílica
que os fizesse se sentir mais confortáveis com suas novas namoradas, mais
felizes com o reencontro de amigos ou simplesmente mais alucinados para que algo interessante acontecesse.
Contavam e recontavam histórias indecentes,
riam alto, berravam os brindes e propunham brincadeiras que os deixassem em um nível
ainda maior de satisfação. Aos poucos, começaram a sair para a
rua e a ganhar as esquinas suadas e provocantes do Rio, afinal era sábado, e
sábado todos precisam amar.
Alguém deve ter notado, porém, um
cigarro se acendendo sozinho na penumbra de um canteiro distante. Ali, agonizava
numa sobriedade invisível o ‘turista’. Suas largas veias circulavam um sangue
de monotonia e desalento. Cada tragada que dava sugava suas energias para reagir às incertezas e sacanagens da vida. Não foi por falta de esforço, mas
sim de uma alma que não conseguiu ficar bêbado. Teria sido feliz naquele sábado
- como fora em tantos outros - se realmente estivesse ali presente. Ou se ao
menos soubesse onde estava para se resgatar e, por fim, juntar-se mais uma vez
àquela horda de hedonistas como sempre fizera.
É provável que encontrasse a si
mesmo numa estação rodoviária de Paris, exatamente na mesma posição que estivera
há dois meses, chorando a pior despedida de sua vida. Depois disso, provavelmente não tenha
se dado conta, mas foi só um espectro ansiando por novos lugares, pessoas e
experiências. Quando voltou à rotina, aí sim; perdeu o norte de vez numa
bússola que nunca foi de fato um exemplo de precisão.
Agora não podem pedir a ele
para gozar do jantar sozinho assistindo ao jornal ou do metrô lotado às sete da
manhã. Não podem exigir que ele debata com entusiasmo ideias com a ‘esquerda
caviar’, que precisa cuspir diamantes cada vez que abre a boca. Não podem
aconselhá-lo a encontrar alívio entre pernas fúteis e sorrisos hipócritas.
Doce ou salgado – não importa – tudo ficou amargo, como para a senhora que
parou de fumar de um dia para o outro após 40 anos de vício. Cores, toques,
gestos, palavras, nada é muito interessante. Sinestesia desolada, dias sem
vida.
Ele vai se alinhar - sempre o faz -,
mas não desse jeito. Sem ela não tem graça.
Por Beto Passeri.
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