terça-feira, 24 de agosto de 2010

Série Marginalizados: Quatorze



Ao som de: Bold as love - Jimi Hendrix


Era a década de setenta e a juventude esperava um super-homem. Alguns aguardavam um cabeludo e barbado profeta, que elogiasse o Woodstock e ouvisse Jimi Hendrix. Outros esperavam um discípulo de Bakunin, de calças rasgadas, All Star preto e jaqueta de couro. Entretanto, os idealistas jovens desse período não foram capazes de notar diversas figuras que marcaram suas realidades, causando reflexões e revoluções, tal qual o fumante que vestia laranja e passeou pelo tapete verde do esporte mais popular do mundo.

O que ocorreu em 74 dispensa comentários. Em um show de futebol, de dinâmica e de elegância, os Países Baixos impressionaram o mundo da bola. Apesar da derrota, entraram no imaginário coletivo, nos sonhos daqueles que gostam do esporte. O capitão daquele time, Johan Cruijff, foi maestro e tem lugar reservado na lista dos maiores craques da história. No entanto, foram as decisões fora dos campos que o diferenciaram dos demais e o transformaram em um ícone.

Em 73, com o destaque no Ajax e na seleção holandesa, os dois maiores clubes da Espanha tentaram contratá-lo. As duas propostas eram ótimas e, para qualquer outro jogador, o diferencial seria o lugar onde sua família viveria. O Glamour madrilenho ou o turbilhão social que era a Catalunha?

Cruijff levou em conta outro ponto. Havia uma ditadura na Espanha e Franco, o ditador, tinha um alto caráter nazifascista. Assim como Hitler no Estádio Olímpico de Berlim, Franco costumava torcer no Santiago Bernabéu, armado e cercado de guarda-costas.

E para o Barcelona foi o Cruijff, para entoar cânticos separatistas e anti-governistas. Contudo, essa não foi uma decisão isolada. Há outro exemplo que reforça o caráter contestador do jovem Johan.

Após a campanha iluminada da Copa de 74, os Países Baixos iriam como favoritos para a Copa seguinte. Todavia,o país sede passava por um momento complicado de sua história. O Peronismo havia caído perante os militares argentinos. Seguindo a tônica do Cone Sul, uma ditadura sangrenta se estabelecia na terra de nossos hermanos. Apesar do momento político conturbado, eles receberam a Copa de 78. Receberam a Copa, e não um dos seus maiores astros.

Cruijf se negou a ir à Argentina. Ameaças de seqüestro à família do jogador o levam a romper com a Federação Neerlandesa e a abdicar da possibilidade de erguer a taça de Campeão do Mundo.
O clima estranho que pairava no ar se confirmou na final do campeonato. A Argentina se sagra campeã depois do mais suspeito Mundial já realizado. A população vai às ruas para uma extensa comemoração, esquecendo torturas e mortes em meio à celebração.

Com essas decisões, o grande jogador holandês é mais efetivo que a maioria daqueles que discursavam em tom panfletário na época. Originou um questionamento sobre a camuflagem que o esporte dá a opressão política, instigou o fim das ditaduras, enfim, gerou debate.

Enquanto isso, a juventude idealista procurava um profeta. Pobres garotos, perderam um grande ativista.

Por Helcio Herbert Neto

2 comentários:

  1. ''E para o Barcelona foi o Cruijff, para entoar cânticos separatistas e anti-governistas. ''


    voce me deixa intrigado ...

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  2. Hahaha... Por mais incoerente que pareça, essa era a realidade catalã da época

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