Ele era do tipo bonitão. Não era tão bom de papo, mas nunca
precisou levar muito na conversa. Italiano, charmoso, trazia uma bagagem
imensa. Poderoso, isso. Daqueles tipos que chamam atenção, que te fazem virar a
cabeça numa festa e perguntar “quem é aquele cara?”. E assim levava.
Sempre tinha com quem transar. E ostentava mesmo, sem
cerimônia. Gostava de se mostrar e exibia as mulheres que havia conquistado
como troféus. Assim, ia fazendo fãs, virava uma referência pouco a pouco por
toda a região. Mas também tinha rivais. Lembro da minha época de marombeiro, de
Academia; o italiano sempre dividia – a contragosto, claro - as mais
maravilhosas com um praieiro de Santos que até então ninguém tinha ouvido
falar. Eu observava de longe, ainda era bem novo para aquela galera.
O tempo passou, o italiano se consagrou mesmo como uma lenda
das conquistas, uma espécie de Hugh Hefner do Brasil. Nos conhecemos melhor uma
vez. A parceria foi passageira, mas bastante intensa. Tínhamos muito em comum.
Ele tinha o sotaque carregado, mas eu entendia, pois também sou de família
italiana. Aprendi muito com ele, e ele – por que não? – comigo. Libertei-o do
território nacional, no qual tinha se acomodado há tempos. Conheceu o mundo, ficou
mais marrento que nunca. Não por isso, mas paramos de nos falar.
Cada um tomou seu rumo, admito que as coisas ficaram boas para mim. Quanto ao italiano, não ouvia mais falar. Porém, depois de anos sem notícias, soube que
estava na pior. Que perdera todo o dinheiro de uma parceria, suas mulheres o
haviam abandonado e que muita gente boa e jovem tinha tomado seu lugar. Corri
atrás de mais informações, claro. “Ah, é, ele está falido”, me disseram. “Parou
no tempo, achou que sobreviveria do passado, mas ninguém está nem aí”. Me bateu uma
melancolia muito grande, me recordei daqueles anos que pareceram uma
eternidade. Precisei voltar ao Brasil.
E lá estava ele mesmo. Na sarjeta, pobre, castigado. Pelas derrotas
no caminho e, mais ainda, pelo triunfo dos outros. Levei-o para casa, ele tomou
um banho e se meteu na roupa mais fina que tinha. Prometi que o levaria a um
bom bar e que se lembraria dos bons tempos. Era nítido que estava sem jeito, tímido.
Precisávamos beber um pouco. Sentamos numa mesa, logo propuseram um jogo de
vira-vira. Achei que aquilo não fosse dar certo, confesso, mas conforme os
fracos iam ficando pelo caminho comecei a enxergar nos olhos já menores do
italiano aquele 'monstro' de anos atrás.
Sobraram quatro pessoas na mesa. Estavam todos altos, mas eu podia
sentir a concentração do italiano, olhava sem parar para uma moça espetacular que observava tudo calmamente. O italiano desafiou o ‘Imortal’, apelido de um
gaúcho amigo meu de longa data também, e que eu sabia que não desistia de jogo
nenhum. Uma dose para cada um e o cara foi à lona. Do outro lado, um outro também caiu. Eram
só os dois agora. O sujeito, meio prepotente, jurou levar o italiano para o
Inferno. Ele não respondeu. Sorriu de canto de boca, ergueu o copo, como que
brindando debochadamente, e venceu.
Levantou, completamente bêbado, mas mantendo a postura. Caminhou na minha direção, me puxou pelo braço e me levou até onde estava aquela mulher, a mais linda do bar. Agarrou-a, beijou a moça com toda a vontade que um beijo pode ter, com todo o tesão prestes a explodir. De repente, empurrou-a para mim, soltou uma gargalhada e disse: “Aos velhos tempos, professor”. Ele estava de volta. E eu também.
Levantou, completamente bêbado, mas mantendo a postura. Caminhou na minha direção, me puxou pelo braço e me levou até onde estava aquela mulher, a mais linda do bar. Agarrou-a, beijou a moça com toda a vontade que um beijo pode ter, com todo o tesão prestes a explodir. De repente, empurrou-a para mim, soltou uma gargalhada e disse: “Aos velhos tempos, professor”. Ele estava de volta. E eu também.
Belíssimo texto, caros... Belíssimo, mesmo... Abrazo...
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