Ao som de: God Save The Queen - Sex Pistols
Esqueçamos, por alguns parágrafos, a origem do dinheiro.
Sim, proponho (fato inédito nas cercanias virtuais desse esquecido blog) que
não sejamos tão críticos nesse instantante – e
somente durante o saltar dos olhos por essas linhas. Não há aqui uma
salva de palmas à afirmação: 'o futebol é o ópio do povo'; o que existe
nessas linhas é um suspiro quente e aliviado de quem prendeu a respiração
por segundos centenários, a calma e o sorriso de canto de boca
subsequentes. O sorriso do campeão, que tem no segundo posterior ao apito a
redenção das filas irracionais, do sofrimento sem sentido, do amor sem nada em
troca.
Poderia muito bem me referir ao primeiro tricampeonato de
um time paulista após a Era Pelé conquistado pelo Santos ou ao título carioca
do Fluminense depois de sete longos anos. Mas recorro a uma dor maior, mais
longa. A uma sangria que durou mais de quarenta anos e contou com rebaixamentos,
perda de importância no cenário nacional e uma invisibilidade agonizante.
Recorro aos vizinhos do gigantesco e silencioso teatro dos sonhos. Ao
arquirrival do hegemônico, do time azul e dourado que, de tanto fazer barulho,
fez sucumbir demônio que o aterrorizou esteve no topo do futebol planetário.
Manchester City. O campeão da Inglaterra. Quem esperava por
essa manchete há 3 anos? Não venham me dizer que aqueles que sempre lotaram o
estádio City of Manchester acreditavam na cena que o capitão Kompany
portagonizou com a taça na mão no fim do jogo de domingo. Não. Aquela multidão
azul estava lá só para gritar, para incomodar a vizinhança educada e
bem-sucedida. Estavam satisfeitos por celebrar a festa do futebol apesar de,
obviamente, quererem reconquistar o título nacional. E tiveram calma e
pulmão. Calma para esperar e aceitar as provocação do United, pulmão para
gritar mais alto que qualquer outra torcida na fria Grã-Bretanha.
Contrariando o esteriótipo do britânico polido, de
expressões gestuais suaves, que evita chamar a atenção, os 'cidadãos' (ou citizens, para os adeptos do
estrangeirismo) continuavam a gritar. Chegaram grandes atletas, nomes de
importância no futebol. E eles não aumentaram o tom de voz. Nem podiam. Sempre
utilizaram o máximo do seu potencial vocal. Toda segunda-feira era igual: dor
de garganta, rouquidão. No trabalho, era sabido quem era torcedor do City.
'Esses mal-educados ainda atrapalham suas vidas profissionais por causa da
insanidade dos dias de jogo'. Nunca iriam entender.
Continuaram a berrar. Veio o primeiro título após uma longa espera. Cantaram. Ainda não era expressivo, grande o suficiente para incomodar os Diabos que moravam ao lado. Cantaram mais. Ficaram entre os melhores do país, alcançaram a Liga dos Campeões. Gritaram. Foram eliminados pelo Napoli, o chão sumiu aos pés, o ano que parecia iluminado tremulou. Gritaram mais. Chegaram a ultima rodada dependendo só de si para irradiar todo aquele som para toda a Ilha da Rainha.
Tudo bem, campeão, sem fazer a terra tremer pelas cordas vocais? Impossível. Não para aquela multidão que nunca deixou de estar ao escudo alado. O time fraquejou no jogo final, foi apático. Os críticos já tiravam o pó das bandeiras que acusam os jogadores do Manchester City de mercenários e começavam a armá-las. Entretanto, não importava quem estivesse vestindo a camisa azul clara naquele dia. Ninguém poderia se abster daquela luta que já durava quase meio século. A luta daquelas olheiras de começo de semana contra a boca cheia de dentes.
Deu-se a vitória do menor contra o maior, da inversão. Da irreverência de Mario Balotelli, da inconstância de Carlos Tevez, da vontade desmedida de Nigel de Jong. Contra um inimigo estratificado e hierárquico, surgiu o pouco usual. No lado menos condecorado de Manchester (nem mesmo há por aquelas bandas um título de Sir) surgiu a subversão, a sabotagem. Na hora em que o City levantou a taça o calendário foi marcado e, finalmente, o barulho venceu o silêncio.
Por Helcio Herbert Neto.
Belíssimo texto!
ResponderExcluirGo Citizens!
Realmente um belissímo texto.
ResponderExcluirMas deixemos a poética de lado e o aviso na primeira estrofe...
Não se pode negar que o City já não é o cachorro vira-lata de Manchester como outrora.
Essa história de o pequeno venceu o grande só cabe aqui se seguirmos tal conselho: "Esqueçamos, por alguns parágrafos, a origem do dinheiro. Sim, proponho (fato inédito nas cercanias virtuais desse esquecido blog) que não sejamos tão críticos nesse instantante – e somente durante o saltar dos olhos por essas linhas."
Ms parabéns pelo texto extremamente bem escrito e emotivo.
Abraços,
Com certeza. O futebol encanta a gente, realmente nos emociona. Mas a gente não pode se deixar levar, não por em prática o exercício crítico. É para isso que estamos aqui! haha. Um grande abraço e continue nos seguindo, é sempre bom discutirmos sobre o nosso esporte.
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