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Este texto deveria ter entrado no blog ontem, mas por motivos de força maior isso só aconteceu hoje.
Ele ainda não havia aberto os olhos, mas já tinha a exata dimensão de sua ressaca moral. Antes de permitir que o feixe tímido de luz pousado no quarto fizesse contato com sua pupila pela primeira vez, foi puxando tudo pela memória. Infantilmente, tentou burlar a própria consciência refazendo os flashes que tinha na cabeça de forma que soassem menos frustrantes.
O que era para ser um exercício de redenção, no fim das contas saiu pela culatra. E aí, junto com a primeira claridade do dia queimando a retina, e o toque insuportável do despertador, vieram à tona: o convencimento do fiel escudeiro, a brisa da Guanabara e do Aterro soprando de volta a sobriedade até o destino final, Ipanema. Não o bairro dos cartões postais, mas o de um glamour soturno, obsceno. Na areia, a fumaça do último cigarro descortinou a lata quente de cerveja em primeiro plano, e a lua, desajeitada, ao fundo. Ela não vem.
Ela partiu no voo das oito. Com respeito, houve aviso prévio, mas despedidas, sentimentalismo, nem pensar. Não fazia o estilo dela. Ele não sabe muito sobre o estilo dela. Talvez nem ela saiba, e por isso seja excessivamente atraente. Aliás, as mulheres, quem as criou? Deus, ou qualquer coisa do tipo, é um gênio demoníaco. O mundo pode se esforçar o quanto for para banalizar peitos e bundas, mas nunca conseguirá borrar a beleza dos detalhes. O cabelo mal preso e as mãos sutis a consertá-lo, o dente apertando o lábio inferior - ansiedade ou tesão? -, e o perfume que não se crê notado, mas salva vidas por acaso...séculos de existência e linguagem das mais variadas formas e nenhum maldito inspirado conseguiu me ser convincente ao descrever nosso estado de espírito quando tudo isso está bem diante dos olhos.
Voltamos ao ponto. O tempo curto pré-determinado torna a relação estratégica e forma uma espécie de paixão calculista, onde não existe necessidade de se defender, mas paira constante o medo do fim. Ele nunca foi bom estrategista. Em duas noites, negligenciou tudo que (não)aprendera. Ela partiu no voo das oito, e doeu. Hoje, mais uma segunda-feira em que a ressaca sussurra a tortura cotidiana ao pé do ouvido.
O que isso tem a ver com futebol? Com sinceridade, absolutamente nada. Mas, às vezes, a não menção é, por si só, um excelente discurso.
Por Beto Passeri.
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