quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Só até o fosso

Professores em manifestação no Rio: movimentos não chegam ao futebol (Tomaz Silva/Agência Brasil)

 Ao som de My Generation - The Who

A canção se encaixa perfeitamente nesse nosso tempo. É bem verdade que ela foi feita sob o teto de um mundo que passava por espasmos muito mais convulsivos do que os que hoje abalam os alicerces cotidianos daqueles que cedo pela manhã já têm certeza que, pouco antes do jantar, vão poder desfrutar da notícias do dia no Jornal Nacional pela noite. A música foi feita enquanto muitos acreditavam que as unções lisérgicas de Thimothy Leary e as  armas do MR-8 mobilizavam massas. Havia ainda legiões que aguardavam a chegada da salvação que viria de outro mundo  alardeada por David Bowie no épico disco "The Ziiggy Stardust". A bateria insana de Keith Moon, no entanto, não passa impune aos ouvidos de qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade sobre o nosso agora.

A primeira geração do segundo milênio tomou às ruas. Não só no Brasil, mas no mundo. Nos Estados Unidos, a morte do garoto negro Trayvon Martin gerou manifestações, destruição de vidraças e choque com a polícia na Flórida. No Chile, toda semana, há cerca de três protestos no Centro de Santiago. No fim dos atos, um grupo autointitulado 'Los Encapuchados' destrói símbolos da opressão e do capital. No Rio, até a semana passado, a Câmara dos Vereadores foi ocupada em reação ao movimento de reação contra os avanços populares rumo ao fim do monopólio dos transportes na cidade balneário dos grandes eventos. Os professores da rede pública fazem uma das maiores greves dos últimos anos na tentativa reverter a comoção popular das jornadas de junho no país para o setor.

E o futebol? Nessas linhas cibernéticas, onde sempre tentamos enfatizar os pontos de interseção entre as manifestações políticas, culturais e sociais com o esporte do povo, hoje você não encontrará um brado esperançoso sobre a função deste nesse instante único do século. Muito pelo contrário: nos gramados descansam plácidos os conservadores. Exemplos como o do capitão Alex, do Coritiba, que se declarou contra a péssima administração da CBF são escassos, quase inexistentes. A Copa das Confederações e a vitória esmagadora do Brasil foi o marco final das jornadas que tomaram o país em junho deste ano.

E agora mais esse exemplo de conservadorismo no caso Sheik, do Corinthians. O fato evidencia, primeiramente, como o uso das imagens e alguns tipos de brincadeiras nas redes sociais de ídolos provocam comoções. Agora, ir ao treino do time, levando faixas contra o gesto e incitando a violência contra as práticas homossexuais é de uma falta de humanidade brutal. Ou falta do que fazer. Gostaria de dizer aos torcedores do Másculo Timão que sim, há homossexuais nos vestiários do atual Campeão Mundial. Senão no time profissional, na base. Assim como também há no meu Flamengo, ou em todos os outros times.

Até mesmo as bandeiras das torcidas cariocas que traziam mensagens políticas e esboçavam manifestações progressistas, como a da Palestina da Torcida Jovem Fla, desapareceram com a higienização dos estádios para a Copa do Mundo do ano que vem. Copa do Mundo que não terá, como todos já esperavam, negros nos estádios, bem com já não existe nos jogos de fim e meio de semana. O fenômeno é fruto do aumento do preço dos ingressos e do clima high society das novas arenas (que belo sinônimo para estádio, não?).

Com o grito abafado das torcidas e a dinâmica conservadora do futebol, parece que os ecos dos movimentos populares não se comunica com o que acontece dentro de campo. Não há ruídos após o fosso. Intocáveis, cartolas, jogadores e técnicos permanecem distantes desse anseio por mudanças, não protagonizado, dessa vez, por Pete Townshend, mas pelos Black Blocs e pela Mídia Ninja. Não é tentar causar, grande sensação, histeria. Só seria bom ver que os ídolos também falam da minha geração.

por Helcio Herbert Neto.                                                                          

terça-feira, 20 de agosto de 2013

É o “Ai, Jesus!”


Disse há algum tempo aqui mesmo que, se é verdade que o campeonato de pontos não mente, determinando como campeão o “melhor time”, é verdade também que torneios de mata-mata, como a Copa do Brasil, tampouco mintam. A questão é que esses campeonatos fazem perguntas diferentes, logo respondem de formas diferentes, e falar em verdade e ou mentira não faz sentido. O Brasileirão pede regularidade, consistência, peças de reposição, capacidade de concentração, competitividade, tudo em longo prazo. Difícil, dificílimo. Em geral, ganha o Brasileirão o time que consegue manter esses fatores em um nível razoavelmente equilibrado durante a maior parte do ano.

Por isso discute-se, por exemplo, se um Coritiba com o time bem armado, concentrado e com veteranos no comando pode se segurar no lombo do touro por muito tempo. Alex já se contundiu, Deivid também, o time segue fazendo partidas muito competitivas, mas começa a perder fôlego. No perde-e-ganha de cada rodada, começa a perder mais do que já perdeu outrora, e isso significa queda na pontuação no médio-longo prazo. Deve terminar na primeira metade da tabela, mas longe do campeão. Por outro lado, o Corinthians é citado toda semana como “um time que ainda não engrenou”. Não sei não. A verdade é que o Corinthians perdeu apenas duas em 15 rodadas e levou apenas seis gols. Seus jogadores se contundem ou são convocados para seleções nacionais e entram outros de nível parecido (Guerrero por Pato ou Sheik, por exemplo, ou Danilo por Douglas). Pode-se dizer que o time joga mal aqui e ali, que às vezes não encaixa o jogo, mas não se pode dizer, do Corinthians que Tite comanda há quase três anos, que o time jogou de sacanagem. Isso significa que, no louco emaranhado de expectativas revertidas do campeonato, você pega uma série de, digamos, cinco jogos do Corinthians e vê que o time ganhou uma ou duas, empatou uma ou duas e, se perdeu, foi no máximo uma partida. Um time que perde duas a cada quinze rodadas, em média, tende a acabar o campeonato com um aproveitamento no mínimo razoável. Mas aí você coloca a capacidade de substituição disponível no elenco, você pega o poder de mobilização da torcida corintiana e você pensa que, na hora em que o torneio começar a afunilar, que as vitórias começarem a ser efetivamente obrigatórias, a bola vai ficar mais quente e pesada, o gol vai ficar menor, todo goleiro adversário vai virar um gigante. E vê que, nessa hora, a tendência de um time como o Corinthians é ultrapassar seus adversários atuais. A uma competição que pergunta quem consegue ficar mais tempo em cima do lombo do touro, no futebol brasileiro de hoje, 20 de agosto de 2013, eu respondo: Corinthians. Mas essa não é a pergunta que a Copa do Brasil, que dá o pontapé inicial em suas oitavas de final hoje, com o Vasco visitando o Nacional-AM em Manaus, faz.

E é por isso que a edição deste ano promete tanto. Ao contrário de muitos anos anteriores, o futebol brasileiro felizmente voltará a ter seus maiores clubes se enfrentando em jogos realmente decisivos (vaga ou taça na beira do campo). Sou partidário do campeonato de pontos corridos, acho fundamental que essa seja a principal corda tocada pelo futebol nacional de um país ao longo de uma temporada, mas sou fã do mata-mata e sinto muita saudade de ver os grandes clubes do futebol brasileiro se mordendo. Cruzeiro e Flamengo, Santos e Grêmio, Botafogo e Atlético são os primeiros, mas muitos outros ainda vão acontecer. Levou tempo demais para a CBF entender que sacrificar os estaduais e a Sul-americana em nome desse tipo de competição é uma decisão óbvia. Ninguém quer ver jogo vazio na quarta à noite contra um Zé Ninguém da América do Sul, ninguém é trouxa mais de querer manter a tradição dos finados estaduais, que deveriam ser, no máximo, torneios de verão. Mas todo mundo quer assistir aos jogos dessa semana. Passeie pelos canais dos torcedores nas redes sociais e essa mobilização fica evidente.

Apesar da modernização do futebol nacional, da arenização dos nossos estádios e outras falcatruas, essa temporada está meio retrô. Galo e Botafogo são os times do ano, jogando futebol brasileiro (apesar de, no caso do segundo, o comando ser de um surinamês-holandês), o Maracanã, mesmo tendo passado na clínica do Dr. Hollywood, está de volta, as torcidas têm intensificado a tendência de cantar mais o amor pelos clubes que gritos de guerra contra outras torcidas, contra a PM, contra o lateral ou o volante bisonho que eventualmente habita o escrete de seus times. Tendência, aliás, que já vem de algum tempo. Essa Copa do Brasil é a chance de fechar o ano retrô do jeito mais clássico possível: com um monte de decisões emocionantes entre os clubes mais importantes do país (menos o São Paulo que, em função do título do ano passado, ficou preso à Sul-americana).

Tem arte, tem manha, tem sobrenatural, tem foguete (ops, isso não tem), bandeiras e arquibancada. Tem cancha cheia, tem zebra, tem de tudo. Dificuldade alguma se compara à dificuldade de levar um Brasileirão de pontos corridos, mas algo me diz que o título da Copa do Brasil 2013 vai ser quase tão gostoso quanto isso. É a primeira vez, desde que me entendo por gente, que o futebol brasileiro vai fazer as duas perguntas na mesma temporada: “quem consegue ficar mais tempo no lombo do touro?” e “quem tem a manha de levar um mata-mata encruado entre todos os grandes do país?”. A primeira ainda é possível responder sem parecer lunático e eu já apostei no Timão. A segunda resposta, só se for nos búzios ou no tarô. Faltam oito jogos apenas para o seu time ganhar um dos títulos mais alucinantes que o futebol brasileiro pôs em jogo nos últimos anos. Ai, jisus!

Por Bruno Passeri.


terça-feira, 6 de agosto de 2013

Quem calou esse amor?


Em 08 de agosto de 2007 - há praticamente seis anos, portanto - Botafogo e São Paulo fariam um jogo de arrepiar no Maracanã. Era a décima oitava rodada da quinta edição do campeonato brasileiro por pontos corridos, o tricolor era o atual campeão, havia conquistado Libertadores e Mundial menos de dois anos antes, tinha um time forte, um elenco encorpado e todos achavam, não sem qualquer razão, que era o bicho-papão da época, apesar do futebol chato e truncado do time dirigido por Muricy Ramalho. O Botafogo era dirigido por Cuca e jogava o futebol mais bonito do país havia alguns meses, tinha um time rápido, técnico, bem montado e arrojado como a maioria dos times de Cuca e fazia golaços atrás de golaços, muito em função da rara vocação para pinturas de seu avante, o polêmico Dodô. Foi naquele ano que ouvi pela primeira vez o cântico “E ninguém cala esse nosso amor”, um dos mais bonitos que havia escutado num estádio brasileiro até então. Naquele ano, a torcida do Botafogo parecia mobilizada. E não era para menos. Final de estadual, semifinal da Copa do Brasil, futebol vistoso e consistente, o ano prometia.

O Botafogo tinha assumido a liderança na quarta rodada, perdido para Vasco e Corinthians na quinta e sexta rodada, respectivamente, e depois retomado o primeiro lugar entre a sétima e a décima sexta rodada, quando perdeu o posto para o São Paulo. Naquele 08 de agosto, portanto, o São Paulo tentava completar a sua terceira rodada na ponta, enquanto o Botafogo tentava resgatar, jogando com o apoio de sua torcida, a posição que fora sua por onze rodadas.

O Botafogo entrava com Marcos Leandro, Juninho, Renato Silva e Luciano Almeida (Adriano Felício); Joilson, Túlio, Leandro Guerreiro e Lúcio Flávio (Ricardinho); Jorge Henrique (Alessandro), Dodô e André Lima. O São Paulo formava com Rogério Ceni, Miranda, Breno e Alex Silva; Reasco (Hernanes), Josué, Jorge Wagner, Leandro (Diego Tardelli) e Richarlyson; Dagoberto (Júnior) e Borges.

Com a expulsão de Túlio, o moral um tanto abatido pela eliminação trágica diante do Figueirense pela Copa do Brasil em pleno Maracanã dois meses antes, a carência de goleiro e a possibilidade de suspensão de Dodô por doping, o Botafogo não teve fôlego para impor seu jogo e perdeu por 2 x 0, gols de Alex Silva, aos 18 do segundo tempo, e Leandro, nove minutos depois. A partir dali, o São Paulo consolidou a liderança que manteria até o final da competição, sagrando-se bicampeão. O Botafogo despencou até terminar o certame em nono. E o segundo semestre daquele ano ainda reservou a eliminação vexatória na Copa Sul-americana para um combalido River Plate. O ano promissor acabara em decepção em todas as frentes. Guardou-se a bandeira, engavetou-se a camisa, fechou-se o peito.

O Botafogo atual é muito diferente. Naquela época, tinha chororô, hoje tem gol anulado do adversário. Naquela época tinha Lúcio Flávio, hoje tem Seedorf. Naquela época o goleiro entregava a rapadura a cada dois jogos, hoje é o melhor em atividade no país. Naquela época, não se aventava a titularidade de um garoto da base, hoje a espinha dorsal do time é composta por três veteranos (Jefferson, Bolívar e Seedorf) e três jovens identificados com o clube (Dória, Gabriel e Vitinho). Aquele era um time que encantava. Esse é um time que compete, que detesta perder, que supera dois meses de salario atrasado comendo grama em campo e que, ainda por cima, joga um belo futebol.


Algo parece ter mudado no Botafogo. Todos falam disso, todos notam. Menos a torcida do Botafogo. Eu sei que cachorro mordido por cobra corre até de linguiça e que não é a primeira vez que o Botafogo faz que vai, mas não vai. Dessa vez, entretanto, algo indica que pode ser diferente. Seedorf é boa parte desse “algo” porque é um jogador extraordinário e de caráter transformador. Dificilmente um time que contou com ele deixou de disputar os títulos mais importantes que estavam ao alcance. Uma administração menos estriônica do que os arroubos bebetanos e montenegrinos também respondem por parte do processo. A versão reload do Oswaldo de Oliveira também. O investimento nas categorias de base também. As boas ações do marketing do clube também. A torcida ainda não.

Provocações à parte, a torcida do Flamengo tem razão quando pergunta à do Botafogo em alto e bom som nas arquibancadas: “cadê você? Cadê você?”. O Flamengo titubeia, o Botafogo é líder inconteste, e mesmo assim o lado vazio da arquibancada é o de sempre. Cadê a torcida do Botafogo?

Esperar que tudo se encaixe para enfim se mobilizar não é oportunismo, é miopia. Porque talvez seja justamente a mobilização (salários em dia também não fariam mal algum) o elemento que falte para a coisa acontecer. Na brilhante vitória sobre o Vasco, no último domingo, parecia ter mais gente no setor destinado ao Botafogo do que no clássico contra o Flamengo. Essa gente pareceu cantar mais forte. O time ganhou e agradeceu com um belo gesto, provavelmente mais um capitaneado por Seedorf. É como se o craque pedisse ao time para reconhecer o esforço dos torcedores que venceram anos de feridas mal cicatrizadas para estar ali de corpo e alma. E como se, ao mesmo tempo, ele pedisse ao torcedor para acreditar no que vê.

Muito se compara o Botafogo ao Atlético Mineiro. Faz algum sentido. Esse ano, a massa atleticana acreditou. Apesar do vice no brasileiro passado, dos vexames seguidos contra o Cruzeiro, dos quarenta e tantos anos de fila, eles acreditaram. Mergulharam de cabeça, sem medo de nova desilusão. As coisas evidentemente não são tão preto no branco assim, ainda que assim queiram as cores das camisas dos dois times. As relações no universo nunca são tão causais. Em todo caso, convém não duvidar da mobilização apaixonada de uma massa.

O amor pede um salto de fé. A torcida do Botafogo precisa reabrir o peito, desfraldar de novo a bandeira e dar o pulo cego. Se a madrugada vai dar em muito ou dar em Sol, ninguém pode dizer. Mas é preciso amar como se cada jogo em si fosse o campeonato. Como se não houvesse amanhã. Porque na verdade não há.


Por Bruno Passeri. 

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Mano e a roleta-russa rubro-negra


Mano Menezes é um dos treinadores que mais gosto de ouvir falar sobre futebol no Brasil. Ele enxerga bem o jogo, mantém sempre a calma e evita a qualquer custo fazer bravatas e fanfarronices, como tantos cânones de beira-de-campo que conhecemos.

Não é por acaso que o Flamengo o perseguiu desde o começo da temporada. Ele carrega a marca da reestruturação de times em sua carreira. Isso porque assumiu o Grêmio em frangalhos para disputar a série B em 2005, montou um time competitivo misturando jovens a jogadores mais rodados e, embora não tenha sido brilhante, a campanha rendeu o acesso que, no final das contas, era o objetivo principal. Foi um grande bônus a glória na “Batalha dos Aflitos”, como ficou conhecida o dramático jogo decisivo entre Grêmio e Náutico, vencido por um tricolor com 8 jogadores em campo (três expulsões), com direito a pênalti defendido pelo goleiro Galatto e gol de Anderson (atualmente no Manchester United) no finalzinho. Mano seguiu no Grêmio até 2007, quando fez aquele time de 2005 evoluir, com novas peças, lançando garotos como o próprio Anderson – que se transferiu para o Porto em 2006 -, como Lucas Leiva e Carlos Eduardo e chegou a uma improvável final de Libertadores, perdendo para um dos maiores times que o Boca Juniors montou em sua história.

Dali Mano seguiu para o Corinthians que acabara de naufragar na série A. O desafio era maior, uma torcida absurdamente grande e exigente enfurecida pela vergonha do ano anterior. Mano adotou procedimento parecido, buscando jovens revelações e alguns jogadores mais rodados – embora baratos –, conquistou a série B e chegou à final da Copa do Brasil em 2008, perdendo para o Sport de Recife. Em 2009, com o cofre do clube respirando sem aparelhos, Mano já contava com Ronaldo Fenômeno, entre outros, no time que conquistou Campeonato Paulista e Copa do Brasil, garantindo a vaga para a Libertadores de 2010, de onde sairia com uma derrota pelas oitavas-de-final na bacia das almas para o Flamengo de Adriano e Vagner Love, então campeão brasileiro.

Em 2010, após a recusa de Muricy Ramalho, então treinador do Fluminense, Mano assumiu a Seleção com a missão de reestruturar a base de um time que havia perdido da Holanda nas quartas-de-final da Copa daquele ano sem apontar para qualquer caminho de renovação (a média de idade do time naquela Copa foi umas das mais altas da história da seleção). A missão, de novo, era espinhosa. Mano apostou em meninos que começavam a despontar no cenário brasileiro, como Neymar, Oscar, Lucas e o até Hulk, bastante jovem e desconhecido na época. Afundou em competições importantes, enfrentou as dificuldades de não ter as Eliminatórias Sul-americanas como teste de fogo e demorou quase dois anos para apresentar algum resultado. Quando o time começava a dar liga, vieram a derrota para o México nos Jogos Olímpicos, a troca de comando na CBF e a ansiedade pelos destinos do escrete canarinho nas Confederações e no Mundial. Mano foi duramente afastado do cargo para dar lugar a Felipão.

Então, ele se recolheu. Passou um semestre longe do foco, pareceu que assumiria um time de ponta europeu (falou-se no Porto), que tomaria um rumo diferente do costumeiro. Mas não.

Mano aceitou cumprir sua aparente sina e assumiu o desafio de, novamente, manobrar o transatlântico na piscina. 

Pegou o Flamengo no meio da temporada, com a maior parte das receitas comprometidas com adiantamentos e dívidas deixados pela vasta história de usurpação deixada pelas diretorias anteriores, um time fraquíssimo, com poucas perspectivas de contratações e o modesto objetivo de se manter na série A para esperar dias melhores em 2014, quando – dizem – os cofres receberão injeção de oxigênio. Mano ganhou carta-branca da diretoria e até a torcida parece ter mais paciência dessa vez do que teve em outras. Está clara para todos a missão da temporada: evitar o vexame e planejar a próxima com mais saúde financeira e, logo, mais margem de manobra.

Quando perguntado sobre o trabalho de reforma que realizou nos elencos de Grêmio e Corinthians, o atual técnico do Flamengo alega – e concordo com ele – que naquelas situações, em que pese da dramaticidade do descenso, o desafio era mais fácil. Os adversários na série B são menos competitivos, você não joga clássicos, um elenco mais modesto pode dar a liga necessária e as coisas começam a acontecer. A série A oferece a um clube grande não mais do que quatro ou cinco “carnes assadas” por temporada. O restante das 32, 33 rodadas é clássico em cima de clássico, pedreira em cima de pedreira, às quartas-feiras e aos finais de semana. Você precisa assimilar uma derrota doída e três dias depois precisa encarar nova pedreira e, com o equilíbrio do campeonato, a queda na tabela é brutal quando se perde duas ou três seguidas. Cair na zona dos quatro últimos da tabela significa a obrigação de vencer a qualquer custo, o que pode ser muito complicado para um grupo emocionalmente fragilizado e sem confiança. Pior ainda quando o grupo é fraco mesmo. Depois da derrota por acachapantes 3 x 0 para o Bahia na quarta-feira, Mano afirmou: “o preço que se paga por um projeto como esse feito assim é alto. Às vezes, alto demais”.

Como exemplo, pode-se pegar o Palmeiras, que atualmente está jogando a série B. Contratou algumas peças até interessantes com investimentos modestos, peças que o técnico Gilson Kleina vai lançando aqui e ali sem a pressa da série A, as vitórias vão chegando, a torcida lota o Pacaembu, o noticiário passa a ser positivo, a pressão diminui, o garoto que não conseguia dominar uma bola há três anos hoje é titular da lateral e até Valdivia volta a jogar, e jogar muito bem. Aos poucos, o time vai encorpando, batendo muitos adversários menos competitivos, assumindo a liderança com tranquilidade e começando a roçar as mãos pensando na Copa do Brasil (em se tratando de Palmeiras, por que não?). No ano o que vem, o Palmeiras terá seu estádio de volta, novinho em folha, onde sua torcida provavelmente erguerá um caldeirão tinhoso que renderá uma grana boa de bilheteria, patrocinadores que hoje fogem começarão a fazer fila na porta, o caixa do futebol se reforçará, a torcida estará confiante, os jogadores também. Vai saber? Time gigante é time gigante, e quando a coisa acende...

O Flamengo, a seu modo, também aposta nisso. Com o advento do Maracanã, com a força de sua torcida e com um time competitivo montado com investimentos mais pesados, 2014 pode ser um ano bom. Mas o caminho para essa virada, embora doa menos no orgulho do que a série B, é muito mais penoso. Não se sabe ao certo a folha de pagamentos do Flamengo, não é público o quanto está sobrando para encaixar algumas contratações. Fato é que, se elas não acontecerem, o time flertará perigosamente com o descenso. Mano é bom treinador, conseguiu organizar o que parecia inorganizável, mas não basta. Talvez dois ou três jogadores mais cascudos, mais apurados tecnicamente e comprometidos com o projeto bastem. Mas eles precisam chegar. O clube vive um dilema: corto despesas radicalmente para ter um horizonte melhor no médio prazo e arrisco uma tragédia ou arrisco algumas despesas para evitar a tragédia e comprometo, ainda que parcialmente, esse horizonte de médio prazo?

Sinceramente, não sei o que pensar. Apoio a reconstrução e não acho que Grêmio, Corinthians e Palmeiras mereciam ou deveriam ter ido necessariamente à B para fazê-la. Como não acho que Flamengo e Vasco, os dois grandes que vejo mais ameaçados nessa temporada, devam seguir o mesmo caminho para reformar a casa. Mano é o treinador mais indicado para o projeto atual do clube e o perfil da torcida do Flamengo é o mais indicado também, porque estará lá em peso para o que der e vier.

Mas o pior cego é o que não quer ver, e o comando do Flamengo precisa enxergar que manter as coisas como estão é jogar roleta-russa. 

Por Bruno Passeri.